quinta-feira, 24 de abril de 2008

A vida da atriz, a morte e as utopias libertárias

Foto:
blog O Concílio do amor

O corpo dela sangrando no chão. Ali não havia mais sonhos esfacelados. Há algum tempo eles já estavam mortos, exauridos, porque a antítese da morte não é simplesmente ter um corpo e respirar. O vazio mortífero já tinha consumido as suas entranhas, os sentimentos, o seu eu. Foi uma mutilação gradativa. Primeiro, decepando sua esperança, rasgando seu coração, como uma flor sendo cortada, esquartejada na brincadeira do bem-me-quer-mal-me-quer. Depois, sendo violada, sua genitália em flor devorada, sua essência sendo extirpada, seus mistérios rasgados pelos abutres do poder, desenhados em forma humana por pinceladas, nas quais as relações sociais são traçadas pela força fálica. Logo com ela, que conhecera o amor. Ela, a atriz, já não sabia mais o que era o texto, o contexto, o real, o imaginário, a loucura, a verdade, a mentira. E para aliviar a dor, a mágica presente na cápsula clandestina, marginal. A cápsula que, contendo o azul quando o vazio é cinza, estanca, provisoriamente, o peito que sangra. E sob o efeito do azul, a atriz dança, porque dançar é ficar nua mesmo quando o corpo é coberto de cordas em forma de roupa. O amor não bastava mais. Ela não sabia que podia confiar nos seus sentimentos, que podia acreditar na força da sua interpretação, experimentar todas as máscaras e, para o amor, se entregar inteira... ela perdera a crença em si. E perder a crença é dar a sua própria sentença de morte, é assinar o seu atestado de óbito. Ela já estava morta. Correr para a rua, o atropelamento, seu corpo esticado no chão, tudo isso foi apenas o adormecer eterno. E, assim, a atriz encerrou o seu espetáculo na arte de encenar a liberdade num regime autoritário, truculento, que teme e treme diante do sonho. Para alguns, ela foi ardilosa, dissimulada, aceitando o jogo fácil da traição. Para mim, ela já não era ela - era o seu fantasma -quando decidiu capitular e se prostituir na relação com o sistema, numa atitude tão indigna, tão vil. A vida da atriz me marcou profundamente no filme A vida dos outros, sobre um dramaturgo socialista e uma atriz, alemães orientais, que viviam em Berlim antes da queda do muro - sob um regime que nasceu para construir utopias libertárias e se rendeu ao capitalismo de Estado e à truculência do totalitarismo. E as marcas ficam.

Leia mais
sobre o filme A Vida é um Sopro:


Ela faz cinema - Chico Buarque


Beatriz - Olivia Byington

4 comentários:

Unknown disse...

que texto denso...que ver esse filme!!!

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Muito forte, diria eu.

Bom fim de semana

Unknown disse...

Bonito o post, eu queria ver esse filme. Eu acho que até está passando aqui, mas como é em alemão...:(
Bom findi!!!

Augusto Araújo disse...

...sob um regime que nasceu para construir utopias libertárias e se rendeu ao capitalismo de Estado e à truculência do totalitarismo...


capitalismo de estado q nada, todas a utopias socialistas acabaram em sangue morte e escravidao, e sempre acontecerah isso todas as vezes q se fundamentarem em qualquer tipo d lixo q aquele sociopata barbudo escreveu