domingo, 30 de novembro de 2008

Fernando Pessoa

Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

Fernando Pessoa

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Tempo

Por Maristela Brunetto


Sempre tive problemas com o tempo
Nunca o vi como um amigo
Não sei se eu não o entendia
Ou se simplesmente nunca parei para observá-lo.
Não posso dizer que ele é um inimigo
Até porque acho que é generoso comigo
Acho mesmo que nunca olhei para ele
Simplesmente o ignorei,
Como se não existisse
Mas a vida nunca deixa uma negligência impune
Ela me apresentou o tempo
Ela o trouxe até mimE
le chegou e disse: Não dá mais para adiar
Vamos ter uma conversa
E, então, ele se revelou para mim
Só aí eu entendi que o tempo nunca pode ser adversário
Deve ser, sim, aliado
Hoje convivemos em harmonia
Às vezes ele se manifesta sozinho
E é quando acho que as coisas são mais sábias
Mas ainda tenho o desagradável hábito
De querer manipulá-lo
Como se eu tivesse este poder
Acho que logo não teremos mais conflitos
Teremos sintonia
Eu e o tempo

* Maristela Brunetto é jornalista sul-mato-grossense e linda

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Afresco


Seus beijos indóceis,
de efeitos furta-cores,
tatuaram o meu corpo
com traços invisíveis
marcaram a minha pele
com mordidas indolores.

As nuances desse amor
Cortaram a minha carne
geraram espasmos fundos
abriram minha genitália em flor
epiderme em risos, volúpia que arde,
gozo em cor, assombros profundos

O sumo da sua esfinge
Compôs no meu dorso quente
um afresco vivo com textura espessa,
afeto e maledicência, zunidos e vertigem
Nem furtiva nem perene
A sua arte me fez serpente.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

OBAMA, NOVIDADE SIMBÓLICA

* Por Chico Alencar

É inegável: a eleição de Barack Hussein Obama como 44o presidente da República dos Estados Unidos da América do Norte representa uma novidade simbólica para o mundo. Ainda em nossa geração o racismo e a segregação marcavam aquele país, e vitimaram líderes negros grandiosos como Malcolm X e Martin Luther King.A polarização tradicional da política dos EUA, entretanto, esconde uma realidade mais diversa: além de Obama e McCain, também disputaram a presidência da ainda mais forte potência capitalista do planeta candidatos independentes (como o conhecido Ralph Nader) e candidatos do Partido Socialismo e Libertação, do Partido da Constituição, do Partido Libertário, do Partido Verde, do Partido das Proibições, do Partido dos Trabalhadores Socialistas, do Partido Socialista, do Partido Americano e do Boston Tea.Mais imediatamente, a era Bush chega ao fim, o que sempre deve ser saudado. Essa deve ser a alteração mais percebida, inclusive com o fim do conceito e da prática espúrios de "guerra preventiva" e de unilateralidade.Não alimentemos ilusões, porém. Obama é uma alternativa para o capitalismo norte-americano em crise hegemônica. Seu programa de modernização da infra-estrutura energética, de comunicação, da pesquisa científica e da educação, com ampliação das políticas sociais, encontra apoio em representantes do poder econômico americano, como Warnen Buffet. O candidato do Partido Democrata contou também com a adesão de republicanos como Colin Powell.Obama renovou já na campanha, sem dúvida. Aglutinou apoio dos progressistas pela imagem de um jovem negro, idealista e determinado, e tranqüilizava os moderados com seu discurso sereno e disciplinado. Desse modo, envolveu amplos setores formadores de opinião pública: estudantes, jovens intelectuais liberais e ativistas de diversas minorias, até então apáticas pela desilusão política. Conseguiu, pouco a pouco, um raro engajamento popular, por meio de mecanismos como a internet. E recebeu os aportes do grande capital, viabilizadores do acesso à propaganda e à mídia de massas.O setor mais conservador da sociedade norte-americana, que McCain representou, como porta-voz da moralidade individualista, desta vez não ganhou. Os desastres do governo Bush no Iraque e no Afeganistão e o agravamento da crise econômica desde o estouro da "bolha imobiliária" favoreceram Obama. A vice do Republicano, Sarah Palin, no seu arrebatamento ultraconservador, disparava contra Obama, ecoando a linha da campanha, classificando-o como "celebridade", "elitista", "terrorista" e "comunista". Isso por ter ele defendido aumentar em 4,5% a alíquota das rendas acima de U$ 250 mil, auferidas por apenas 2% da população, voltando aos níveis do governo ("socialista", sra. Sarah?) de Bill Clinton. A postura fundamentalista e reacionária acabou por angariar antipatia da maioria da população contra sua própria chapa.Para além do simbolismo da eleição de um descendente afro-americano para a Presidência dos EUA é imperioso refletir sobre os destinos da sociedade, do planeta e da humanidade: é grave a situação da Terra produzida pelo irrefreável aquecimento global. Como lembra Leonardo Boff,: "não basta dizer que o aquecimento é produzido pelo ser humano. Que ser humano? Pelos índios, pelos esquimós? Precisamos dizer com todas as letras: o aquecimento foi produzido por aquela porção de homens que introduziram a produção industrial já há três séculos, aceleraram o consumo energético, inventaram a tecno-ciência que agride ecossistemas (ecologia ambiental), indutora de uma perversa desigualdade social (ecologia social) e devastadora do planeta como um todo (ecologia integral) e projetaram a cultura do consumo ilimitado (ecologia mental). Hoje são corporações industriais globalizadas, gigantes da bioquímica, do agro-negócio e instituições afins. São eles que mais poluem (só os USA, 25%) e que mais resistem às mudanças paradigmáticas. Se eles não se alfabetizarem ecologicamente e não mudarem o rumo do mundo poderão levar a biosfera para um impasse desastroso""Change" foi a senha vitoriosa de Obama. Mudança para valer, em nível global, significa reconhecer que como está não dá mais para continuar. Estamos condenados a inventar um outro modo de conviver, produzir e distribuir os bens necessários, de consumir responsável e solidariamente e tratar, reaproveitando, os dejetos, os resíduos. Precisamos, como enfatiza a Carta da Terra, de "um modo sustentável de viver". O atual já revelou-se não mais sustentável para 2/3 da humanidade. Todas as alternativas energéticas e supostamente ecológicas não vão ao cerne da questão. Em três ou quatro anos vão mostrar sua ineficácia. Dir-se-á: "vocês foram alertados e sabiam, mas preferiram a cegueira voluntária e a nossa perdição para garantir a rota insensata que lhes dava vantagens". É preciso transformar o sistema produtivo e as relações de produção e convivência. Eco-socialismo ou barbárie!Mudar e revolucionar é urgente. Nós, conscientes e organizados, podemos.

*Chico Alencar é educador, escritor e deputado federal do PSol

sábado, 15 de novembro de 2008

Luna


Translúcida
Transparente
Cheia, inteira,
Branca, prata
Me queira
Acesa, acende
Enfeitiça, enlaça
Abraça o firmamento
Ata-me
Escancara a cara
Desnuda a noite
Rasga o ventre
Reluz a vulva
Brilho que seduz
Lua cheia,

Luna, una, única
Lua grávida de amor
Prenda-me livre ao universo
E faça versos
Com o reverso do meu ser

sábado, 8 de novembro de 2008

Suicídio

foto: site olhares
Diante do espelho, rasgo minha tez
Cravo no meu corpo a navalha da verdade,
Minhas vestes primeiras ganham vãos
Abismo vão se abrindo na carne

Dilacero as asas da fantasia,
Deixo despir todo meu ser das máscaras que ergui
Sufoco o grito do desespero
Quebro os saltos da minha alma que me deixaram cair.

Com os cacos da dor estraçalhados pelo chão
Corto os pulsos da insanidade,
Assassino a vida do medo,
Calo a voz da vaidade.

Entre passos e descompassos,
Completamente nua, danço valsa
O amor está escasso
A solidão não me falta.

Yes. We can

Foto: Sebastião Salgado

Sim. Nós podemos. O slogan da campanha vitoriosa de Obama nos Estados Unidos me remete há Janeiro de 2001, quando um encontro extraordinário reuniu, pela primeira vez em Porto Alegre, milhares de lideranças, personalidades e lutadores sociais do mundo inteiro e anunciaram: “Um outro mundo é possível”.
Na época, era imaginável pensar na eleição de um presidente afro-americano para conduzir o império americano, mesmo que esse império estivesse em declínio, em ruínas após a grande crise financeira eclodida em Setembro, com efeitos devastadores em grande parte do planeta.
Tanto o slogan de Obama como o do Fórum Social Mundial provoca no nosso imaginário a certeza de que a mudança é possível, alimenta sonhos, depois de um período em que sonhar era tido como descabido pela ideologia neoliberal...
Porto Alegre tornou-se o símbolo de um movimento internacional, iniciado em Seattle, por uma nova ordem mundial. Representando o multiculturalismo e a diversidade, anunciou o projeto de se construir uma nova globalização, bem diferente da lógica atual que coloca o mercado e o dinheiro como a única medida do valor, que representa a concentração da riqueza, a globalização da pobreza e a destruição do planeta, cujos idealizadores e alimentadores (os fundamentalistas de mercado) estiveram dispostos a tudo para obter mais lucros. Para tal, realizaram vendas abusivas no curto prazo, manipulações, titulação de ativos, especulações, contratos de cobertura de riscos. Esses senhores de Wall Street com ramificações em todo o planeta levaram a economia mundial a ter uma forma de papel, virtual, imaterial, gerando uma febre do proveito fácil que contagiou todo o mundo. A bolha cresceu e agora explodiu.

Paul Samuelson, Nobel de Economia, afirma: “Esta débâcle é para o capitalismo o que a queda da URSS foi para o comunismo”. De acordo com Ignácio Ramonet, terminou o período aberto em 1981 com a fórmula de Ronald Reagan: “O estado não é a solução, é o problema.”
Obama também tornou-se um símbolo de um outro mundo possível, não só por trazer na sua pele a intensidade da melanina e valorizar o seu passado de afrodescendente, reunindo em torno de si o apoio das minorias e da diversidade, mas, sobretudo, por anunciar que irá mudar a postura dos EUA diante do mundo, encerrando a Era Bu$h, uma era bélica, uma era desastrosa de violação aos direitos humanos, aos tratados internacionais, à soberania das nações e que deixa um caos financeiro.

Que Obama cumpra o seu papel histórico, honre a coragem dos seus antepassados e esteja atento ao clamor do mundo, um clamor que ele próprio foi o porta-voz: CHANGE! Mudança. Yes. We can. Sim. Nós podemos. Um outro mundo é possível. SIM. É possível.

YES. WE CAN.

sábado, 1 de novembro de 2008

Arthur Rimbaud

Foto: Sebastião Salgado

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.