quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Os povos Guarani daqui no Le Monde Diplomatique

Foto: campanha Guarani

Fazia muito tempo que não sentia orgulho da minha profissão. Mas ontem ao ler no Le Monde Diplomatique uma reportagem sobre os povos Guarani/ Kaiowa, da Aldeia Bororo, em Dourados, meu coração disparou, movido por dois sentimentos antagônicos. Um era a alegria de ver luz no olhar das jornalistas Fabiane Borges e Verenilde Santos, que conseguiram retratar com uma ética invejável a alma e a luta de um povo. Usaram as palavras para expressar o grito sufocante de uma nação que se mata para não morrer... É, o suicídio é para os Guarani também uma forma de dar vida à palavra para que ela volte depois, renasça, ressurja.
Enquanto a mídia brasileira dedica páginas e mais páginas para debater a CPI dos Cartões e outros papagaios replicam nos seus periódicos ou blogs, há um Brasil que grita. É esse Brasil que não freqüenta Daslu, shopping center e nem churrascaria nos domingos para comer picanha assada. Um Brasil que paga com a própria vida os mais de 500 de colonização branca, que já trouxe de Portugal os vícios da corrupção, da ganância. Uma colonização que dizimou grande parte das populações indígenas.
Mas, depois da alegria por ler uma reportagem tão viva, tão humana, veio a indignação: até quando os jovens guarani precisarão continuar morrendo para que um dia os seus patrícios conquistem a terra sem males? Terra... Terra..."o tekoha", o lugar onde “realizam seu modo de ser”, mais do que um simples espaço é onde se produz toda cultura Guarani. Assim, a falta de terra já é a própria morte.
Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do Brasil e é o lugar onde mais morre índios por suicídio e assassinatos. São quase 30 mil indígenas Guarani confinados em pedaços pequenos de terra ou sem terra nenhuma. De acordo com o CIMI, de 2003 a 2005 foram 68 suicídios e 60 assassinatos. Agrava-se a isso as mortes por desnutrição das crianças.
Em manifesto, os Guarani de todo o Continente denunciam que suas terras foram invadidas, enquanto fazendeiros e multinacionais lucram com a exploração dos recursos naturais de seus territórios colhendo em safras bilionárias de soja, cana e celulose, retirando minérios e privatizando turisticamente a natureza, enquanto vivem em situação classificada por organismos internacionais como de genocídio. Situação que, se nada for feito, irá piorar com o processo de implantação desenfreada da indústria da cana.
Enquanto para esses brancos, a economia se baseia na exploração dos seres humanos e na degradação do meio ambiente, os Guarani têm como princípios seculares a economia da reciprocidade, a generosidade, o respeito e equilíbrio com o meio ambiente. Ah, temos tanto a aprender com os Guarani!

Campanha em Defesa dos Guarani


De acordo com o CIMI, estima-se que hoje vivam 50 mil Guarani no Brasil (a maioria em Mato Grosso do Sul), 150 mil na Bolívia, 53 mil no Paraguai e 42 mil na Argentina. A saber, à época do início da invasão, em 1492, os Guarani chegavam a 2 milhões – o dobro da população de Portugal de então. Em todo o Brasil, ainda faltam ser reconhecidas 95% das terras tradicionais guarani.
Para defender as terras do Guarani, sua cultura e tradições, seu tempo distinto, sua singularidade, foi lançada uma campanha nacional. Ela pede o reconhecimento de 32 terras do povo Guarani, o reflorestamento das áreas dizimadas, o respeito e reconhecimento da sua cultura e reivindica, ainda, o acesso ao que há de relevante na sociedade (inter)nacional, levando em conta as conquistas da ciência e da tecnologia. http://www.campanhaguarani.org.br/

Marçal Tupã-i – o Deus pequeno,
o banquela dos lábios de mel

Ao falar dos Guarani, vale a pena lembrar as palavras sábias do banguela de lábios de mel, Marçal de Souza Tupã-i, principal líder Guarani na luta pela terra, assassinado em 1983, por pistoleiros. Ainda hoje ninguém foi punido pelo crime, nem a terra Marangatu pelo qual lutava foi definitivamente reconhecida pelo Estado brasileiro.

Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são diminuídos, (e) não temos mais condições de sobrevivência. Queremos dizer a Vossa Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte de nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam nosso chão, aquilo que para nós representa a própria vida e nossa sobrevivência neste grande Brasil, chamado um país cristão.
Santo Padre, nós depositamos uma grande esperança na sua visita ao nosso país. Leve o nosso clamor, a nossa voz para outros territórios que não são nossos, mas que o povo nos escute, uma população mais humana lute por nós, porque o nosso povo, nossa nação indígena está desaparecendo do Brasil” .
Discurso feito por Marçal Tupã-i ao Papa João Paulo II, no ano de 1980, em Manaus.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Queridos Amigos e Invasões Bárbaras 2

Por Kelly Garcia


Nanci, você e suas sutilezas...Quando assisti Invasões Bárbaras (cinema) me emocionei tanto que não consegui parar de chorar, o filme acabou, a luz acendeu, e eu fiquei sentada chorando, morri de vergonha das pessoas, fui a única que desabou a chorar. Credo!! Nem eu entendia o motivo para tanta lágrima...Você acredita que entrei no carro e ainda sobrou vontade de chorar. E chorei.Na época atribui meu comportamento aos meus hormônios (saída racional, como sempre minha primeira opção).Hoje lendo seu texto, comecei a fazer uma nova leitura do que aconteceu comigo. No fundo os meus sentimentos não eram em razão unicamente da delicada história daqueles velhos companheiros aguardando a morte do amigo com câncer, momento enfatizado, por meio das cenas da vida particular de cada um...do drama de cada um, como o do professor universitário (coroa) casado com uma patricinha, loira, jovem e vazia, ou dos amigos gays, ou da mulher madura e solitária entregue a bebida e ao sexo sem paixão, mãe de uma filha viciada, etc..O filme jogava para o público uma espécie de jogo da verdade, com a pergunta o.que fomos e o que somos, ou ainda, o que eu era e no que me tornei!Naquele momento, não sentia a morte de um único homem, mas via a morte de toda uma geração,...que se foi, deixando no seu lugar uma outra geração.A melancolia foi por saber que essa nova geração é a que eu pertenço...sem grande lutas, sem grandes sonhos, sem ideologias, desiludida, incrédula, acomodada, individualista, consumista e apática diante da miséria humana...Como todo novo traz em si um pouco do velho...talvez foi presenciar os caminhos e com os rumos desses velhos idealista que tornou essa nova geração um pouco desiludida e desencantada.Tenho sensibilidade para perceber as fragilidades da minha geração...como gostaria que velhas lutas tivessem sido concretizadas, é triste ver a injustiça vencer e o dinheiro se tornar o único sentido das coisas. É doloroso saber que o ter supera o ser, ou melhor que ser e ter tem o mesmo significado nessa sociedade. É insuportável a sensação de impotência diante do “nefasto” ser absorvido como necessário e até mesmo imprescindível. Chorar em Invasões Bárbaras foi um desabafo! Daqueles que dão cabo ao nó da garganta e que possibilitam clarear as idéias, foi um lamber as feridas...E o que ficou ...foi uma espécie de certeza... mesmo sendo eu “produzida” em um ambiente dominado pela geração “cola-cola” , espero um dia participar desse jogo da verdade, tendo como saldo, os amigos, as histórias, as músicas, os risos, as lágrimas e as lutas pelas por causas de preferência nobres e justas!E é por isso que continuo amando cinema...
Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda, dona da Maria do Povo e participante ativa do Maria-Sem-Vergonha....Ah! essas Marias!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Queridos Amigos e Invasões Bárbaras


Queridos Amigos. Que saudades! Assistindo à minissérie, de Maria Adelaide, me lembrei de imediato de velhos e queridos amigos e, claro, do filme Invasões Bárbaras, do diretor canadense Denys Arcand. Quem não assistiu a essa obra cinematográfica deve colocá-la logo na agenda. É de arrepiar. As palavras cortam feito navalha ao deixar nu um período pós-queda do muro de Berlim e pós-queda das torres gêmeas. Mostra o vazio do discurso único da pós-modernidade, do fim da história. Os diálogos machucam quem um dia viveu intensamente a ideologia da transformação social e dos “ismos” (anarquismo, socialismo, comunismo...) que poderiam nos levar à construção de uma sociedade igualitária e livre, mas hoje se depara com sonhos desfeitos, com a solidão no nosso casulo egoísta e intolerante que, muitas vezes, nos afasta do outro e nos leva para os guetos, sejam eles na sociedade real ou na sociedade cibernética. Revela o encontro de quem teve um passado de esquerda com os filhos, que estão na geração yuppie globalizada e neoliberal. Anteriormente, Denys já tinha ido fundo no período pós-muro de Berlim no seu filme “O Declínio do Império Americano”.
A ironia do filme é que, próximo da morte, vítima de câncer, o personagem Rémy, intelectual de esquerda e com seus sonhos interrompidos, é “salvo” justamente por aqueles que nós, da esquerda, chamamos de “bárbaros”: o filho executivo (o capital financeiro), uma jovem dependente química que consegue no tráfico de drogas a dose necessária de heroína para Rémy suportar a dor do câncer (a degradação humana), a polícia que indica o caminho para se conseguir a droga e uma beata papa-hóstia (a igreja) que aplica as injeções de heroína no professor.
Em sua volta do hospital, no leito de morte, reúne-se um grupo de amigos: professores universitários, ex-amantes, ex-mulher e um casal gay. Entre eles, diálogos que levam a uma certa autofagia, diálogos cortantes, críticas e humor totalmente sem preconceitos. Mas também há a revelação do amor e do carinho, sem nenhum maniqueísmo.
Nestes encontros, está a reflexão profunda de uma geração que acreditou nas mudanças e que agora se defrontra com a morte numa era das guerras, da globalização, do individualismo, da ditadura do corpo, da estética, da degradação das novas gerações. E nessa era, vi prevalecer o consumismo desenfreado, a cultura do aqui/agora, sem passado e sem futuro. Percebo que, muitas vezes, caímos na cilada da autofagia, com nossa arrogância e intolerância, deixando prevalecer debates intermináveis em torno das nossas relações pessoais em substituição à solidariedade e à cumplicidade que existiam nos projetos coletivos.

Esse cenário de morte, passado de esquerda, reencontro, frustrações e autofagia também estão presentes na minissérie Queridos Amigos, mas a abordagem e os diálogos são superficiais, às vezes, caricatos, muito aquém do filme de Arcand. Agora, a trilha é maravilhosa e a abertura com os desenhos de Elifas Andreato fazem com que eu sinta cair no sofá da minha sala a chuva de estrelas que acompanha o menino negro com a bandeira do Brasil.

Querido amigos “pantaneiros”

Penso como seria um encontro com velhos e queridos amigos. Mas confesso que o reencontro com o passado me traz uma certa apreensão. Como seria uma festa para falar sobre o que viramos, as nossas vidas, a nossa militância, os nossos filhos? O que virou uma geração que incendiou o movimento estudantil, que lutou pela reforma agrária, pelas diretas-já, que ajudou a construir o antigo Partidão, o PT e outros, que organizou o movimento de mulheres, que fundou a CUT, que pichou muro, que questionou valores, que ousou erguer outras bandeiras? Seres humanos que, além de militantes, se gostavam, às vezes brigavam e brigavam feio, mas até as brigas revelavam um querer bem. Éramos desaforados... Como, além do movimento estudantil, eu participava de outros movimentos, tinha vários grupos, várias tribos, isso me ajudou a ser mais plural.
Fico imaginando um encontro com esses vários grupos – um encontro com Gisele Marques, Ananias Costa, JK, Nancineide, Paulinho Tadeu, Ben-hur, Agamenon, Saulo, Lu, Alex, Jadilza, Katatal, Maria Helena, Waleska, Zênite, Zê, Serginho, Edílson, Neno, Cida Gonçalves, Ezequiel, Glacê, Diane, Márcio Bittar, Jane, Cida Squinelo, Ricardo, Dita, Bárbara, Edson, Jacy, Tala, Mário, Estela, Carlos Porto, Cácia, Morrone, Gorda, Mineiro, Margarida Marques, Dami, Yuri, Mario, Gerson, Fátima, Nawalle, Viviane, Sônia, Paulo, João, Ferrari, Mírian, Salete, Miti, Maria Rosana, Sandra ... A lista é grande... E se nesse encontro também estivessem os outros que chegaram depois, como Kelly, Ângela, Jack, Áurea, Orlando, Dídio, Manu, Adilson, Paulo, Val, Lesly , Flavinha (a lista também é grande...) ?
Mas ainda acredito que surge algo novo pós-Invasões Bárbaras e está na Bolívia, na Venezuela, no MST e em todos os movimentos de resistência à globalização neoliberal que ganharam força em Seattle e depois desembocaram no Fórum Social Mundial.


Canção da América
na voz do Milton
para os meus queridos amigos




quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Flor, flor bela, Florbela Espanca - poesia, literatura e livros para todos na Internet


Passe para frente esta dica:
Imagine você encontrando obras de Machado de Assis, José Martí, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Victor Hugo, Oscar Wilde, Augusto dos Anjos, William Shakespeare, Olavo Bilac, Proust, enfim, a lista é enorme. E mais: livros sobre comunicação, direito, filosofia, história arquitetura, meio ambiente. Tudo isso gratuito, de domínio público. Basta que você clique e baixe os arquivos. Então, acesse o site da Biblioteca Virtual do governo brasileiro e boa leitura:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

Como tenho paixão por literatura, a minha primeira viagem pela Biblioteca Virtual foi regada de poesia. Hoje, eu me deliciei com Florbela Espanca, poeta portuguesa, intensa, inquieta... Essa Flor que, precursora do movimento feminista em Portugal, levou para a poesia seus sofrimentos, dores, amores, desejos e angústias. Com uma dose de erotização e feminilidade, as suas poesias envolvem, seduzem. Os seus versos tem musicalidade...e no Brasil, Fagner, nos bons e velhos tempos, antes de ter optado pelo caminho fácil da breguice da indústrial cultural, cantou com maestria o poema Fanatismo de Florbela Espanca.
Flor, flor bela, Floberla...

Fanatismo

Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!..."




Vaidade
Florbela Espanca

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...

E não sou nada!...


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Polícia para quem precisa de polícia, não para malabares

Hoje, Maria-Sem-Vergonha está morrendo de vergonha. No último sábado, um arrastão da Polícia Militar tirou das ruas de Campo Grande meninos, adultos e artistas malabares. Voltei no tempo, aliás, voltei vinte anos, quando, junto com Ricardo Brandão, ativista dos Direitos Humanos, ousamos construir o Centro de Defesa do Direitos Humanos Marçal de Souza para denunciar e impedir que violências dessa natureza continuassem a fazer com que seres humanos fossem tratados como bichos. De lá pra cá, muitas lutas foram travadas e por muito tempo os famosos arrastões ficaram abolidos. Mas eis que, ao invés de avançarmos na garantia dos direitos assegurados em leis e mais leis, os arrastões voltaram, violando frontalmente o direito de ir e vir e as liberdades civis. O Maria-Sem-Vergonha publica um comentário indignado deixado por aqui:

"SÓ O MARIA-SEM-VERGONHA PODE ENTENDER MINHA INDIGNAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO CHAMAR A POLÍCIA PARA TIRAR TODOS OS QUE VIVEM NAS RUAS, PORQUE ALGUNS TIVERAM SEUS CARROS RISCADOS, É ALGO, NO MÍNIMO, DESUMANO. A RUA É O PALCO DA CIDADANIA... EM LONDRES OS MALABARES E OS MORADORES DE RUA SE MISTURAM AO POVO... EM CAMPO GRANDE ISSO, INFELIZMENTE, NÃO PODE SER POSSÍVEL... EU NÃO ACEITO."

Nós também não aceitamos...


Titãs - Querem o meu sangue

Apesar da grande mídia, Fidel vive e viverá. Cuba livre também.

Quando a revolução cubana foi vitoriosa em 1959, minha mãe ainda era uma menina quase moça. Isso quer dizer que eu não era sequer projeto de vida, quando Fidel, Raul Castro, Che e os seus companheiros, depois de montarem base guerrilheira na Sierra Maestra e conquistarem o apoio dos campesinos, derrubaram o governo do ditador Fulgêncio Batista, devolvendo Cuba aos cubanos. Até então, a ilha era um quintal, ou melhor, um misto de cabaré e cassino dos Estados Unidos. Aliás, essa parte da história nunca aparece nas reportagens da grande mídia. Aliás, a grande mídia não dá voz, por exemplo, a intelectuais como Noam Chomsky, lingüista estadunidense, respeitado no mundo acadêmico em todo o planeta terra, que demonstra, a partir de dados e números, que os Estados Unidos são o país mais terrorista do globo e nunca vi um jornal chamar Bush de terrorista. Aliás, o Jornal da Globo desta noite me deu ânsia de vômito ao retratar a história de Fidel. A velha fórmula da manipulação para anunciar o pensamento da emissora como verdade absoluta, acima da história.
Mas voltando à nossa ilha vermelha e hermosa, foi apenas vinte e cinco anos depois da revolução, por volta dos meus 14 anos, que Cuba me foi apresentada por Geraldo Garcia e Cácia Cortez como uma referência do sonho de igualdade, da auto-determinação dos povos, de soberania, enfim, do sonho socialista. Um sonho que nos moveu e nos move - às vezes, com mais intensidade para uns e menos intensidade para outros/as (alguns até se perderam no caminho). Um sonho que foi ganhando outras nuances, incorporando a igualdade de gênero, étnica, a defesa do meio ambiente, mas que, sem nenhuma dúvida, teve traços de José Marti, líder intelecutal e poeta cubano, que merece destaque na história do pensamento socialista latino-americano e mundial e a quem Fidel e seu povo sempre procuram honrar, entoando e replicando seus pensamentos, versos e ensinamentos - “Con los pobres de la tierra/ Quiero yo mi suerte echar” (Martí).
A coragem e a determinação de Fidel, do conselho da revolução e do povo cubano foram alimentos para a resistência aos embargos econômicos, às propagandas anti-comunistas espalhadas pela mídia, aos ataques do império comandados pelos Estados Unidos, que não admitem que nenhum povo construa com as suas próprias mãos um destino diferente do capitalismo.
Hoje,19 de fevereiro, ao deixar a Presidência do Conselho de Estado de Cuba, Fidel, bem diferente do retrato mal pintado pela grande mídia, que a serviço da ideologia estadunidense já o declarou morto diversas vezes, demonstra ser um homem revolucionário no sentido pleno: “Não me despeço de vocês. Desejo apenas lutar como um soldado das idéias. Continuarei a escrever sob o título 'Reflexões do companheiro Fidel'. Será mais uma arma do arsenal com o qual se poderá contar. Talvez minha voz seja ouvida. Serei cuidadoso".
Apesar de a grande Mídia e do império decadente dos EUA, Fidel vive e viverá. Cuba livre também. E os sonhos de José Martí, Simon Bolívar, Tupac Amaru, Zumbi, Antônio Conselheiro, Marçal de Souza e outros latino-americanos também.

Melhor retrato de Fidel

Deixo aqui o melhor retrato do Fidel, feito com palavras sábias de Ignácio Ramonet, grande jornalista do Le Monde Diplomatique:

“A coisa mais surpreendente que eu achei sobre esse homem, em mais de cem horas que passamos juntos em conversas para a compilação de sua memória, foi o quanto ele era modesto, humano, discreto e respeitoso. Ele tem uma enorme moral e senso ético. Ele é um homem de princípios rigorosos e existência sóbria. Ele também é – eu descobri – apaixonado pelo meio ambiente.Ele não é nem o homem que a mídia ocidental pinta nem o super-homem que a imprensa cubana às vezes apresenta. Ele é um homem normal, ainda que um homem incrivelmente batalhador. É um estrategista exemplar, que conduziu sua vida com permanente resistência. Ele contém uma curiosa mistura de idealismo e pragmatismo: ele sonha com uma sociedade perfeita, mas sabe que as condições materiais são muito difíceis de serem transformadas. Ele deixa seu gabinete confiante que o sistema político de Cuba está estável. Sua preocupação atual não é mais sobre o socialismo no seu país do que a qualidade de vida ao redor do mundo, onde muitas crianças são iletradas, famintas e sofrendo de doenças que poderiam ser facilmente curáveis.”



domingo, 17 de fevereiro de 2008

As mulheres do Jogo de Cena e as da Maria do Povo

''Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente - como um relâmpago iluminado a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.''
FRIDA KAHLO

No palco, estão elas, mulheres da vida real. Umas são negras, outras brancas, umas gordas, outras magras... Nenhuma namora com industrial da Fiesp nem passa férias na Ilha de Caras. Nenhuma tem uma vida extraordinária, cheia de glamour, que chamaria a atenção de Hollywood para virar roteiro de cinema. São mulheres que trabalham, fazem feira, habitam a cidade, esse “lócus” – enfim, como diz a Rita Lee, nem toda brasileira é bunda. Umas ganharam filhos, outras perderam. Umas experimentaram as delícias do amor, outras as dores. Perdas, danos, vivências em histórias de vidas normais. A diferença é que essas histórias são ditas e narradas não só pelas vozes das próprias protagonistas da vida real, mas também por atrizes, num jogo de cena que ultrapassa o limiar da realidade, e você não consegue mais saber quem é quem. Nesse jogo, somos confrontados com atrizes que não só interpretam as personagens anônimas, mas também se deparam com as suas próprias angústias e com os seus sentimentos. O filme Jogo de Cena é, sem nenhuma dúvida, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos. O cenário é um palco limpo de um teatro com cadeiras vazias e não podia haver um outro lugar melhor.
O cineasta Eduardo Coutinho arrasou mais uma vez, mostrando ser um mestre dos documentários brasileiros. Ousa na linguagem, leva à exaustão os depoimentos e ultrapassa a narrativa do documentário, chegando a deixar nuances de ficção.

Jogo de Cena me fez lembrar algumas tardes de sábado no Maria do Povo, um ateliê criativo, onde as mãos habilidosas da Kelly dão forma a tecidos e objetos. Nesses encontros, mulheres se encontram e partilham auto-estima e histórias. Sempre regadas com chá, sucos e bolos exóticos, nossas vidas ganham encanto nos diálogos costurados com a presença de Clarice, Frida, Pagu, Leila... vai além do saudosismo, até porque, a exemplo das mulheres de Jogo de Cena, continuamos protagonistas da nossa história, aprendendo e reaprendo, exercitando a práxis... Acho que é um reencontro com a nossa essência, marcada pelas frustrações que imperam na esquerda brasileira, mas também por uma rebeldia teimosa que faz a gente ouvir Nando Reis e dizer: “Não vou me adaptar”.
Maria do Povo dá filme...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Lou Salomé: uma "sem vergonha" brilhante e encantadora



Hoje, acordei invocando a energia e a coragem de Lou Andreas-Salomé. Também tenho os meus mitos, esses seres tão necessários que nos inspiram, nos dão força para quebrar muros e cercas e, às vezes, até ousar transformar letras em palavras e palavras em versos. E Lou Salomé é uma dessas mulheres “sem vergonha” , à frente do seu tempo, que alimentam o meu ser. Sua sede de aprender, questionar e encantar. Sua paixão pela vida. Sua audácia e inteligência. Seu ser revolucionário que desafiou culturas, homens e mulheres. De nacionalidade russa, participou ativamente da intelecutalidade alemã, quebrou regras e escandalizou a sociedade. Ah! Se não fossem essas senhoras desavergonhadas, os nossos corpos e almas ainda seriam propriedades privadas dos seres masculinos.
Alguém disse que Lou era como uma aranha após a cópula. Absorvia o conhecimento, desprezava o objeto já absorvido e buscava novos caminhos.
Lou que encantou Friedrich Nietzsche, deixando o filósofo “humano, demasiado humano” ao experimentar as dores da paixão, fez arder os desejos Paul Ree, Rilke, Tausk...Sobre ela, Freud dissera que fora a mulher mais encantadora e inteligente que conhecera. A sua autenticidade não tinha limites. Em um dos aniversários de Freud, mandou-lhe uma carta dando as felicitações pela data e aproveitando para dizer que refutava por completo a teoria psicanalítica de amigo.
Ah, essa Lou!

“Ouse, ouse... ouse tudo!!
Não tenha necessidade de nada!
Não tente adequar sua vida a modelos,
nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém.
Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.
Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la!
Ouse, ouse tudo!
Seja na vida o que você é, aconteça o que acontecer.
Não defenda nenhum princípio,
mas algo de bem mais maravilhoso:
algo que está em nós e que queima como o fogo da vida!!”
Lou Salomé

Velha Infância


O que eu mais curto no Maria-Sem-Vergonha, este coreto virtual, é a possilidade de partilhar desejos, meninices, poesia, beleza, dores, indignações. E olhe só o que Jack, amiga jornalista deixou hoje por aqui:

"Aproveitando o espaço no Maria Sem-Vergonha percebi uma certa semelhança com a irreverência e teimosia da adolescência... dias desses eu estava muito deprê..minha filha brincava com as amigas dela, a Samia, a Marielle e a Gabi na escada do condomínio... eu estava cansada e não queria barulho...mas de repente, levantei peguei um balde de água e joguei de cima, do andar do meu apartamento nas meninas sentadinhas na escada...foi uma farra, risadas, enfim.. Escrevi isso pra dizer que hoje estou fechando um freela sobre liberdade assistida a jovens em conflito com a lei e encontrei vários pensamentos antigos e de certa forma atuais...beijo a vc, Nanci.

"Nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, caçoa da autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem a seus pais e são simplesmente maus."Sócrates (470-399 a.C.).

"Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque essa juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível."Hesíodo (720 a.C.).

"Nosso mundo atingiu seu ponto crítico... Os filhos não ouvem mais seus pais. O fim do mundo não pode estar muito longe."De um sacerdote do ano 2000 a.C

"Essa juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura." Essa foi escrita em um vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilônia (Atual Bagdá) e tem mais de 4000 anos de existência."

PT: Versos e controvérsias

Foi bom que te calasses.
Meditavas na sombra das chaves,
das correntes, das roupas riscadas,
das cercas de arame,juntavas palavras duras,
pedras, cimento, bombas, invectivas,
anotavas com lápis secreto a morte de mil,
a boca sangrentade mil, os braços cruzados de mil.
Carlos Drummond de Andrade


Com poesia, prosa, metáforas e esperanças teimosas, vários freqüentadores deste Coreto Virtual deixaram comentários debatendo o aniversário do PT, reconhecendo a importância da reflexão, da autocrítica e enfatizando que ainda permanece a missão histórica do Partido. O bom do coreto é isso: o diálogo e a controvérsia, tão ausente na grande mídia. Aliás, por falar em grande mídia, adorei um artigo desta semana na Carta Capital sobre o livro-reportagem do jornalista estadunidense John Bowe, que relata casos de trabalho escravo nos Estados Unidos. Até lá, na “terra dos direitos civis e da democracia”??? Bowe diz que “a mídia cortou verbas para a apuração nos EUA. Os jornalistas estão plugados a laptops e telefones. Quantos imigrantes pobres têm celulares ou computadores?”, questiona. E não é só por lá que os fatos têm sido narrados dos ambientes assépticos das redações. Eu também estou me sentindo enclausurada...sinto falta dos mocós dos meninos de rua, das aldeias indígenas, do barro e terra vermelha da periferia. Depois, quero falar mais sobre isso e sobre as eleições nos Estados Unidos (... e que ganhe Obama, pelo simbolismo que traz na sua pele e na sua origem, pela derrota da Era Bush, mas não tenhamos grandes ilusões!) .
Mas voltando ao PT, o Maria-Sem-Vergonha destaca alguns trechos dos que postaram comentários por aqui:

“A história ainda não acabou e nem terminamos o primeiro tempo do jogo, um dos muitos que teremos neste campeonato.Assim, podem mesmo existir muito mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.”
Paulo Guilheme

“Esta Maria é mesmo desenformada...não aceita forma, cria e recria suas formas, pede autorização e cola as formas que podem mudar nossas vidas...O ensaio que busca na obra de Goethe - elementos para fazermos a leitura do presente - é muito apropriado e, se não continuarmos lendo maria-sem-vergonha e outros sem-vergonhas, nos aproximamos do burocratismo, do pragmatismo excessivo, do clientelismo e até mesmo do autoritarismo. Com certeza, hoje, muito mais que comemoração é dia de reflexão desta caminhada que fizemos ao caminhar."
Morrone

Não há como negar meu desencantamento com o PT institucional, o que alguns de seus mais expressivos quadros fizeram com ele, entristeci...Porém ao estar nos assentamentos, aldeias, ruas e praças percebo que ainda é aqui o meu lugar...Obrigado Maria Sem Vergonha do Cerrado...
Ventura

Eu, que sou um camaleão em busca de afeto em qualquer partido, em qualquer cor, em toda mulher com brilho no olhar, eu também lerei o Fausto com você, porque também eu sei do Fausto apenas o que me contaram, pedaços de conversas e excertos de terceiros escritos. Assim teremos mais sobre o que compartilhar. De fato você tem razão em tudo sobre o PT. Até que em cada derrota dele, derrota-se toda a esquerda e a sua história. Entretanto, haveremos de encontrar novos caminhos, mas a selva de incertezas é inóspita.
Zeca Vianna

Na interpretação de Lukács, o demoníaco de Goethe é a intuição da dialética entre vontade e possibilidade, liberdade e contingência, necessidade e acaso. Lukács sentencia por outro lado que a dialética no pensamento de Goethe ficou infelizmente comprometida pela sua incompreensão fundamental e de sua aversão – quase que psicológica, diríamos – pela ruptura, pelo esgarçamento súbito, pelos saltos na história. Nanci parece que o diabo é uma essência do humano...

Kelly Garcia

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Goethe, Fausto e o aniversário do PT

Foto: NSilva - Pinacoteca/São Paulo
Hoje, tirei da estante para colocar entre as prioridades de leitura a grande obra de Goethe, Fausto. Conheço a história, já li extratos, já ouvi poemas declamados nos saraus da Tribo das Artes em Brasília, mas é muito pouco, quero experimentar as palavras, os diálogos, imaginar como a sedução e o prazer percorrem as entranhas de Fausto, um intelectual desiludido que, ao fazer um pacto com Mefistófeles, o demônio, o diabo, experimenta uma energia satânica, reacende para a vida e começa a saborear as delícias da paixão.
Fausto, depois de selar o pacto de sangue com aquele que é tão temido, passa a sentir com toda intensidade as dualidades que perseguem a vida humana, a eterna luta entre o bem e o mal, o sagrado e o profano, o celestial e o infernal. O preço costuma ser alto.
Por ironia, hoje, 10 de fevereiro, comemora-se o 28º aniversário do Partido dos Trabalhadores... e vender a alma ao diabo tem sido uma marca da política brasileira, uma prática da qual nem o PT conseguiu ficar imune. Esse partido, que reuniu os sonhos de milhares de militantes, que nasceu com a missão de ser diferente das experiências de esquerda existentes para construir aqui um caminho próprio para o socialismo: nem o pragmatismo do Partido Comunista, com a sua alternativa democrática para a crise brasileira que pretendia fazer a “revolução” por dentro dos partidos burgueses e nem a luta armada. Mas, sim, um partido com raízes profundas nas lutas sociais do campo e da cidade e, foi, assim, com uma experiência extraordinária de democracia interna, que, por muito tempo, o PT conseguiu ser o maior partido de esquerda da América Latina, reunindo índios, negros, juventude, operários, intelectuais, estudantes, artistas. Não era um partido da ordem, trazia em sua identidade uma ousadia necessária e até poética. Como diz Borges, a poesia tem uma capacidade de diálogo muito maior do que o argumento e o convencimento: ela seduz. E o PT nos seduzia. Mas a burocracia venceu e venderam a nossa alma ao poder de Mefistófeles. Os dirigentes partidários - reconheço as honrosas exceções - tornaram-se obcecados pelo projeto do poder e cegos e surdos para as vozes das ruas. Foram substituindo as práticas democráticas por uma burocracia inescrupulosa. Os que pensavam diferente foram expulsos ou condenados ao silêncio e à resignação. Mas, mesmo assim, reconheço que o PT foi e é absolutamente necessário para fazer avançar a democracia brasileira. Sem ele, nunca teriam sido pautadas com tanta ênfase na agenda brasileira, assuntos como a exclusão social, a exlusão de gênero, étnica... Também não teriam sido inaguradas novas práticas de democracia participativa nos municípios.

Mesmo com todos os erros no poder central em Brasília, sem o PT, não teríamos na América Latina uma nova geopolítica, que aos poucos vai enfrentando o poder global neoliberal e vai desenhando novos caminhos para os ameríndios do sul. Mas nestes 28 anos do PT, com certeza, não quero participar do brinde da festa... Recolho-me a ler Fausto e a compreender as razões que nos levam a ser seduzidos, às vezes, por Mefistófeles, ou melhor, pelo diabo.

O QUE PENSA O DIABO
Mefistófeles: “De sol e de mundos nada sei dizer, vejo apenas como os homens se atormentam. O pequeno Deus do mundo [o homem] continua na mesma e está tão admirável assim como no primeiro dia. Um pouco melhor ele viveria, não lhe tivesses dado o brilho da luz celeste; ele chama isto razão e lança mão dela somente para ser mais animalesco do que cada animal.”

A voz da menina flor, flor pantaneira



O Maria-Sem-Vergonha tem me deixado emocionada, digo isso sem nenhum medo de parecer piegas. Aliás, quero mesmo parecer piegas nesses tempos tão metálicos... Jack é uma dessas meninas anjo, aliás acho que anjo é sempre um ser feminino... Jack também é uma flor, flor pantaneira, meio índia, meio brejeira... uma jornalista humana, que se entrega ao texto, à vida, e é uma das leitoras ativas, participativas, interativas deste coreto virtual, mas desde ontem ela não consegue postar nada aqui. Não sei a razão. Então, deixou este comentário no orkut, que publico em destaque:


"PUBLICA PRA MIM NA CASSIA ELLER?
Saudade da Cássia Eller... eu estava com meu pai quando recebemos a notícia da morte dela ... ele criticava tanto a postura dela por causa da dependência química ... mas o rostinho dele se transformou quando viu a notícia na TV. Era como se ele dissesse: Deus ... pq pq uma mulher tão jovem?Ele se foi ... e merece essa lembrança no Maria-Sem-Vergonha porque o pontaporanense Elir Lopes nascido em 13 de fevereiro de 1949 era um ser muito sem-vergonha... Ele faleceu antes de ver o Lula dele presidente... "
Jack

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Músicas: Cássia, Nick Drake - Ah! Essas estrelas



Hoje, noite de sábado, sem nenhum embalo, quero deixar o meu corpo ficar odara ouvindo música, mas quando a alma está experimentando a melancolia até as escolhas musicais vêm triturar ainda mais seus sentimentos...Permito-me ficar triste...O primeiro som é de Cássia Eller, a eterna garotinha com voz de gigante, vulcânica, doce e ácida:

Luz Dos Olhos
Composição: Nando Reis

Ponho os meus olhos em você se você está
Dona dos meus olhos é você, avião no ar
Dia pr'esses olhos sem te ver é como o chão do mar
Liga o rádio à pilha, a TV só pra você escutar...
A nova música que eu fiz agora
Lá fora a rua vazia chora
Os meus olhos vibram ao te ver,
são dois fãs, um par
Pus nos olhos vidros pra poder melhor te enxergar
Luz dos olhos, para anoitecer é só você se afastar
Pinta os lábios para escrever a tua boca em minha...
Que a nossa música eu fiz agora
Lá fora a Lua irradia glória
E eu te chamo
Eu te peço vem
Diga que você me quer porque eu te quero também
Faço as pazes lembrando
Passo as tardes tentando lhe telefonar
Cartazes te procurando
Aeronaves seguem pousando sem você desembarcar
Pra eu te dar a mão nessa hora
Levar as malas pro fusca lá fora
E eu vou guiando
Eu te espero, vem
Siga aonde vão meus pés porque eu te sigo também
Eu te amo, oh
Eu te peço vem
Diga que você me quer porque eu te quero também...

Day is done - O dia chega ao fim - Nick Day

Foto de Mauro Sérgio Forasteiro, negro, índio,
um grande artista pantaneiro e fotógrafo

O segundo som é de Nick Drake, cantor e compositor britânico que fazia música com sensibilidade, tons poéticos e até uma dose de sensualidade. Experimentou a dor da depressão. Uma vez chegou a dizer: " Eu não sinto nenhuma emoção sobre nada. Eu não quero rir nem chorar. Estou dormente; morto por dentro. "

Sobre Drake, Renato Russo disse: "Eu descobri Nick Drake há pouco tempo, uns dois anos (...) Ele é um anjo. Ele tem uma sensibilidade extrema"
Nick Drake morreu em 1974.

O Dia Chega Ao Fim
Composição:: Nick Drake

http://www.youtube.com/watch?v=Y2jxjv0HkwM

Quando o dia chega ao fim
Embaixo da terra o sol se põe
Junto com tudo que foi perdido e ganho
Quando o dia chega ao fim
Quando o dia chega ao fim
E esperas tanto que sua corrida tenha chego ao fim
Então vê que fez algo errado
E tem que voltar onde começou
Quando o dia chega ao fim
Quando a noite é fria
Alguns se vão, outros envelhecem
Só para mostrar que a vida não é feita de ouro
Quando a noite é fria
Quando os pássaros voarem
Não há ninguém a quem chamar
Nenhum lugar para chamar de lar
Quando os pássaros voarem
Quando o jogo estiver terminando
Você lança sua melhor aposta
E perde muito antes do que você teria pensado
Agora o jogo terminou
Quando a festa termina
Parece tão triste para você
Não fez as coisas que você pretendeu
Agora não há tempo para começar uma nova
Agora a festa terminou
Quando o dia chega ao fim
Embaixo da terra o sol se põe
Junto com tudo que foi perdido e ganho
Quando o dia chega ao fim

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

A vida é um sopro

Fotógrafo: Paulo Guilherme, o Macarrão, ambientalista e ativista social

A gente precisa sentir que a vida é importante,
que é preciso haver fantasia para poder viver um pouco melhor...

Oscar Niemeyer

O verbo necessário de Pasolini

E diante da barbárie anunciada, da miséria humana e das ameaças fascistas que ecoam da “corte” , meu pensamento invoca Pier Paolo Pasolini. Transgressor, crítico ácido do autoritarismo, das desigualdades, do consumismo, militante comunista, atuou indo fundo nas mazelas do capitalismo e do moralismo hipócrita.
Na poesia, no teatro e no cinema, rasga com palavras e imagens o cartesianismo, tritura a dicotonomia cristã presente nos pólos: amor/ódio, sagrado/profano, homem/mulher, corpo/alma. Pasolini, que foi odiado pelos capitalistas, excomungado pelos comunistas e execrado pela Igreja Católica, ainda incomoda até hoje...Pasolini me desafia...

«O mundo ainda me foge,

já não sei dominá-lo, foge-me,
ah, a cada instante que passa é diferente…
Outras modas, outros ídolos, a massa,
não o povo, a massa decidida a deixar-se corromper
debruça-se agora para o mundo,
e transforma-o, mata a sede nos ecrãs,
nas televisões, horda impura que irrompe
com avidez pura, desejo informe
de participar na festa.»

Pier Paolo Pasolini – Poemas

A Esperança Equilibrista contra a Bárbarie e contra a Tropa de Elite

Nestes tempos cinzas, ainda ouso dizer que a nossa esperança equilibrista não pode perder a mágica de manter nossos sonhos no ar. É essa ousadia que ainda me faz erguer a bandeira da cor do arco-íris, que é bandeira da tolerância, dos direitos humanos na sua plenitude, enfim, é a bandeira de todos que lutam por uma nova ordem mundial, por um outro mundo possível, portanto não é apenas a bandeira do movimento gay. Quando vejo a barbárie ser anunciada por uma autoridade de Estado, como o governador André Puccinelli, sinto vontade de convidar os amigos malabares para os protestos da cidadania.
Depois de ter mandando a polícia secreta espionar uma assembléia de professores no ano passado, ontem, quinta-feira, o governador disse em alto e bom som para as câmeras de TV que, diante de qualquer gesto de reação dos presos, a ordem era atirar, disparar. Ora, presos são seres humanos, cidadãos, que “desarmados”, estão sob a tutela do Estado para que possam ser reeducados e, posteriormente, reintegrados à sociedade (parece utopia, nés? Mas está na lei). Disparar armas de fogo contra cidadãos desarmados é dar ordens para se assassinar civis. É romper com o pacto civilizatório proposto pelo Estado Democrático de Direito. É colocar todos nós sob a ameaça da barbárie – barbárie, aliás, que já se manifesta tanto na ação policial que inspirou o filme Tropa de Elite ou na ausência do Estado e dos seus aparelhos de Segurança, deixando o crime organizado comandar regiões. Não é um debate simples, entretanto, se o próprio Estado adotar o caminho da barbárie, não há esperança equilibrista que resista, não há cidadania que sobreviva.

Vale a pena lembrar
Como bem coloca Margarida Genevois, os Direitos Humanos são fundamentais ao Homem e à Mulher pelo fato de serem seres humanos. Não resultam de uma concessão da sociedade política, mas constituem prerrogativas inerentes à condição humana. “Foi apenas no século XX, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, que eles se definiram explicitamente e adquiriram o reconhecimento mundial. A noção de Direitos Humanos, todavia é muito antiga, perde-se no tempo.” Ela relata ainda que o Código de Hammurabi (1700 a.C. aproximadamente) menciona leis de proteção aos mais fracos e de freio para a autoridade. A civilização egípcia, especialmente na era dos faraós (dinastia XVIII), já concebia o poder como serviço. Na Grécia do século V a.C., os cidadãos já controlam as ações do Estado (polis); O limite do poder é dado pelo direito que exercem os cidadãos ao participar dos assuntos públicos. Entre os séculos VII a.C. e XVIII da nossa era, a humanidade faz progressos no controle dos governantes, que exercem e distribuem a justiça. Os gregos desenvolvem o conceito da liberdade, como expressão máxima da dignidade humana, baseada na idéia da igualdade.


Um marco civilizatório
Mas o marco da consolidação do Estado Democrático de Direito foi a Revolução Francesa, embora devamos destacar um fato importante anterior a esse que foi a Declaração de Independência dos Estados Unidos, também conhecida como Declaração de Filadélfia. Nela, são expostas as razões fundamentais que levaram a Colônia à independência da Inglaterra: ” Todos os homens foram criados iguais. Os direitos fundamentais foram conferidos pelo Criador entre eles estão o da vida, liberdade e o da procura da própria felicidade. Sempre que qualquer forma de governo tenta destruir esses direitos, assiste ao povo o direito de mudá-lo ou aboli-lo e de instituir um novo governo.”
A Revolução Francesa em 1789 traz como essência da sua Declaração a idéia de que, ao lado dos direitos do Homem e do Cidadão, existe apontada a obrigação de o Estado respeitar e de garantir os direitos humanos. Como se vê, cabe ao Estado e aos governantes fazer com que os direitos imperem.
Depois disso, muitas outras leis e tratados surgiram, porém nenhum com a força e a amplitude da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, no pós-guerra, um documento em favor da humanidade e que restitui o pacto civilizatório contra a barbárie, contra o genocídio e contra a violação dos direitos dos cidadãos, dos direitos humanos.
E no Brasil, toda autoridade, todo cidadão e toda cidadã deve obediência à Constituição Federal, que foi chamada por Ulisses Guimarães de “Constituição Cidadã e, embora tenha virado uma colcha de retalhos pelas reformas neoliberais, ainda proíbe qualquer governante de mandar assassinar cidadãos civis, sejam eles criminosos ou não, presos ou não.

"Asas!
A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar..."

O Bêbado e a Equilibrista
Vale a pena ouvir na voz da Elis "O Bêbado e a Equilibrista"
http://br.youtube.com/watch?v=6kVBqefGcf4


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Mallarmé e um brinde


Maria-sem-vergonha está sorrindo desavergonhadamente com os encontros, as visitas, as indagações, as afirmações e os desejos poéticos dos que têm freqüentado este coreto virtual. Em poucos dias, seres especiais de São Paulo, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás deixam marcas de encantamento e rebeldia, interagindo, construindo, reconstruindo enunciados e, literalmente, estão me ajudando a pintar o coreto.
E, prosseguindo com o sonho de Mallarmé, que ainda no século XIX, desejava dar forma a um livro que fosse integral, múltiplo, com páginas sem ordem fixa, como se fosse uma máquina poética, proliferando poemas inumeráveis, no qual as palavras e frase seriam impulsionadas por um movimento próprio, aglutinando-se, desfazendo-se e ressurgindo de novas combinações, publico aqui uma contribuição deixada no blog: mais um trecho de um poema do poeta e escritor francês.


“É um pequeno trecho de um soneto de Mallarmé, onde supostamente, há uma procura do absoluto na solidão, depois vou mandá-lo na íntegra. Este soneto está no livro: IGITUR ou A loucura de Ebehnon.” Sérgio - Chapada dos Guimarães

Salut

Mallarmé

“Rien, cette écume, vierges vers

a de désigner que la coupe;

telle loin se noie une troupe

de sirènes mainte à l'envers...”

Brinde

“Nada, esta espuma, virgem verso

apenas denotando a taça;

Como longe se afogam em massa

sereias em tropa ao inverso..."

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Mallarmé e o livro sem fim e sem começo

Foto do filme Acossado, do Godard


Um comentário deixado agora à noite, aqui, no Maria-Sem-Vergonha, o qual pedia licença para publicar o texto sobre Borboletas, Metamorfoses e Paixões me fez lembrar de Mallarmé que sonhava em produzir um livro com uma outra arquitetura - um livro sem começo, meio e fim. Um sonho que não se realizou, mas que, hoje, na rede, substituindo lápis e canetas por pixels, podemos escrever e rescrever uma obra sem fim, sem meio e sem começo e sem uma única autoria. Stéphane Mallarmé, poeta francês, foi considerado maldito, ao lado de Baudelaire e Rimbaud. Aliás, essa tríade de poetas deram asas ao lirismo contemporâneo e ajudaram a poesia moderna a voar.


“Le vif oeil dont tu regardes
Jusques à leur contenu
Me sépare de mes hardes
Et comme um dieu je vais nu.

Tradução de Augusto de Campos

O olho vivo com que vês
Até o seu conteúdo
Me aparta de minhas vestes.
E como um deus vou desnudo."

Borboletas, Metamorfoses e Paixões

Entre livros e café numa livraria, aliás, não existe uma melhor combinação do que essa para escrever para o Maria-Sem-Vergonha... Este ambiente me faz lembrar Sartre, Simone de Beauvoir, com o existencialismo, seus encontros nos cafés em Paris. Que nada nos limite. Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância." (Simone)
Não sei se vocês ainda curtem isso, mas os encontros virtuais não me são suficientes. Como sinto falta de ver, olhar, tocar e falar com os meus amigos em cafés!
Um dia desses, um amigo que, como eu, freqüenta livrarias e cafés, me escreveu falando que vivia uma experiência nova, completamente nova: “Estava cultivando borboletas nos estômago”... meu pensamento nada linear e mais do que bipolar deu mil voltas...Me lembrei no ato de Kafka, na obra A Metamorfose...não, mas não era da metamorfose de Kafka que o Sol (chamarei assim meu amigo) falava, relatava. Era a metamorfose da paixão.
É, dessas paixões que faz um revolucionário, que ergue bandeiras vermelhas, brilhar mais que estrelas e se transformar em arco-íris. Paixão que faz o corpo levitar e não está descrita em nenhum livro, em nenhum poema. Adoro a metáfora da borboleta: a lagarta, um ser considerado feio, que queima feito brasa, entra num casulo, sua casa, sua morada, vive a dor da transformação, vai se contorcendo, e prossegue se recriando, se metamorfoseando, virando um outro ser, que tem cor, asas, voa, e é desejada... Vira borboleta e baila sobre jardim, mas a sua existência só pode durar vinte e quatro horas... É preciso mais do que isso para conhecer a dor, a beleza e a morte da paixão? Acho que não... 24 horas bastam...Paixão, borboletas, metamorfose me lembram Cazuza....e Cazuza me lembra Ideologia. Nesta época de cartões de crédito, consumismo desenfreado, esquerda deslumbrada, cartões corporativos...hum! Ideologia, quero uma pra viver...


http://br.youtube.com/watch?v=IH3CD2lEUcI

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A poesia nossa de cada dia


O poeta Emmanoel Marinho diz como muita sabedoria que “Poesia não compra sapato, mas como andar sem poesia?”. Jorge Luis Borges diz assim: “A arte acontece cada vez que lemos um poema”. E relata ainda que, quando criança, ao ouvir o seu pai ler em voz alta os versos de Keats, sentia que a poesia não era apenas linguagem ou um meio de comunicação, mas, sim, uma paixão e um prazer: “Quando isso me foi revelado, não acho que tenha compreendido as palavras, mas senti que algo acontecia comigo. Acontecia não com o meu simples intelecto, mas com todo o meu ser, carne e meu sangue”.
E é um pouco o que sinto quando leio bons poetas, um desses é Victor Barone, um carioca que já finca suas raízes por aqui e, em breve, estará lançando o seu primeiro livro. Victor, ao mesmo tempo em que tece as palavras com punhal e corte, deixa gosto de desejos, paixão e uma sede de língua, toques e pele.


Anjo
Victor Barone

Uma vez

um anjo solitário
impregnou meu paladar de luz.
Esteve em minha língua,
por quase uma vida,
este sabor picante.

Desde então relembro
o terno toque
da língua do anjo
a encher minh´alma de luz.

Uma vez um anjo solitário
arrancou de mim o que fui.
Esteve em minha retina
por quase uma vida
este sabor sangue .

Naná Vasconcelos e Virgínia Rodrigues - Canto de Xangô

Uma AfrOpera belíssima...Uma voz que vem da alma...
Um som para se ouvir e sentir.

http://www.youtube.com/watch?v=eWEXMuH-V7U

Sem Confetes, Sem Serpentinas


Terça-Feira de Carnaval, a festa da carne, festa pagã, período em que as fantasias secretas ganham formas, máscaras, roupas e, às vezes, nada disso: tiram-se as máscaras, tira-se tudo e fica apenas o corpo nu em movimento, o que não deixa de ser uma fantasia. Diferente de alguns, sempre achei que na revolução também deveria de ter carnaval, festa e alegria... mas cá entre nós, está faltando um pouco mais de revolução no carnaval. Sinto saudades daqueles samba-enredos “liberdade, liberdade, abra as asas sobre nós”... Mas sem confete e sem serpentinas, o Maria-Sem-Vergonha está aqui para dizer que essa mutação carnavalesca é diuturnamente experimentada aqui no ciperespaço. As novas tecnologias realmente possibilitam encontros antes inimagináveis. Deliciosos encontros devo dizer.
Hoje, lendo os comentários dos meus amigos e amigas deixados aqui, além de sentir o coração bater mais forte no peito, fiquei pensando sobre essa revolução extraordinária que o mundo virtual nos possibilita. Lembrei-me, daquela expressão de AHN!, queixo caído, admiração que tomava conta de mim quando na minha pós estudava a Sete Zoom, a primeira mulher virtual brasileira! Hoje, os meus AHNs! são outros... estão relacionados às mudanças provocadas no comportamento humano. Acontece uma verdadeira mutação antropológica: aqui no ciberespaço. Essa possibilidade de interação é inédita na história da humanidade e gera metamorfoses. É o rompimento com o invisível que eclode. É a consciência da nossa existência que desperta nas páginas do orkut, nos álbuns infográficos, comunidades virtuais, nos scraps, nos chats, mas vai além disso...Estamos criando, alguns mais tímidos e outros mais desavergonhados, novas estéticas, novas poéticas e, inclusive, novos seres..Você já pensou nisso? Nossas máquinas têm sido produtoras de uma nova cultura, são portadoras e fomentadoras de sentidos... Acabei me lembrando Donna Haraway, uma historiadora da Ciência, que oscila entre o Marxismo e o pós-estruturalismo, feminista e estudiosa das relações de gênero e as novas tecnologias, que cunhou o conceito “cyborg”, para dar conta da hibridação irreversível entre, de um lado, o homem/mulher e, de outro lado, a máquina.
Acho isso extraordinário e presencio isso o tempo no ciberespaço. Vejo que, às vezes, somos meio ciborgues, seres híbridos, transformados e transformadores das nossas identidades... Até que pontos nossas relações são reais, até ponto são meramente virtuais???
Esse tema me seduz, mas não me aliena dos desafios históricos deste século XXI...Quero acreditar que Pierre Levy esteja certo: com esses novos meios temos a possibilidade de restauração de uma democracia direta e em grande escala...UAU!Já pensou, todos nós construindo em escala global um mundo livre da ditadura do mercado, do poder bélico...Sem tirar os pés do chão, não deixo de me alimentar de utopias libertárias.
Um grande ativista estadunidense contra o monopólio dos meios de comunicação propõe um boicote à grande mídia e sugere que cada um e cada seja sua própria mídia. O caminho parece simples: a criação de um blog. ... E você cria o seu próprio meio e depois se pergunta: E agora? O que faço com isso? As idéias fervem... E aí o Maria-Sem-Vergonha já nasce querendo ser diferente, quer ser aberto a quem, não se enquadrando à ordem, queira se posicionar, queira anunciar, queira ser sem vergonha....

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Florescendo a Maria-Sem-Vergonha do Cerrado

Maria-Sem-Vergonha germinou, cresceu, nasceu, virou rama, virou blog...Há um bom tempo crescia em mim o desejo de criar um blog...é...um blog que pudesse ser um ponto de encontro, tipo um botequim, uma casa de chá...não, não...um coreto...um coreto das praças do interior, onde rola música, namoro, conversa e protestos, onde podemos nos perder e nos achar nas noites de lua cheia e sentir a poesia entrar nos nossos vazios completos de nada..SIM... poesias de Castro Alves a Baudelaire, de Florbela Espanca a Pagu...de Che Guevara a Byron, Borges, Cecília Meireles, Manoel de Barros...e que pudesse ter a presença de Clarice Lispector com as suas palvras ácidas e doces: "Dizer palavras sem sentido é minha grande liberdade. Pouco me importa ser entendida, quero o impacto das sílabas ofuscantes, quero o nocivo de uma palavra má. Na palavra está tudo. " Ah, Clarice! Pode parecer petulância minha, mas como me reconheço em você, na sua solidão, na sua angústia, mas também na sua efervescência....
E além da poesia, da prosa, dos sentimentos, estão as nossas verdades, às vezes, inventadas, às vezes, insanas...mas necessárias para gestar e parir o mundo, o nosso próprio mundo...que ora está cinza, ora é vermelho, ora é arco-íris...ora é a ausência completa de cor, mas quando está rubro traz a intensidade socialista num tempo em que sonhar a igualdade parece tão fora de moda...e por falar em moda quero dizer que o Blog Maria-Sem-Vergonha é primo da Maria do Povo, da minha companheira bela, Kelly, que com seus traçados e retalhos deixa as mulheres mais gatas, menos borralheiras...
Então, aqui está o Blog Maria-Sem-Vergonha, o nosso coreto, para ser um ponto de encontro do Didio, da Manu, da Áurea, da Kelly, da Jack, da Angela, do Nill, do Serginho, da Nega, da Elis, da Maria, do Roberto, do Forasteiro, do Morone, da Lesly, da Aline, da Dami, do Ricardo, da Maria, da Jacy e quem mais chegar, quiser, desejar....E por que Maria-Sem-Vergonha???? Bem, Maria-Sem-Vergonha é o nome popular de uma planta chamada cientificamente de Impatiens walleriana, mas também é conhecida como beijo....então, beijo, maria-sem-vergonha, flor, rama, rede, coreto, poesia, política, cinema, música, poética, estética, revolução, insurgência, rebeldia, passado, presente futuro....Ah! tudo isso faz parte da vida e alma de Maria-Sem-Vergonha e para inaugurar o blog, que acaba de nascer, publico aqui, um texto de minha autoria, que recriei para um dos 8 de Março passados:



Já são tantas. Milhares. Milhões. Uma verdadeira rama, florescendo por todo o planeta. Lilás. São Maria- sem-vergonha de ser mulher. Não são só florzinhas. São mulheres se agrupando, misturando suas cores, gritando seus encantos, exibindo suas verdades. São domésticas, bailarinas, médicas, estudantes, bancárias, professoras, escritoras, garis, brancas, negras, índias, meninas...São sem vergonha de lutar, acreditar, denunciar, exigir, reivindicar, sonhar...São sem vergonha de dizer que ainda falta trabalho, sálario digno, respeito...Que ainda são vítimas de violência física, da porrada, do assédio, do estupro, do aborto, da prostituição, da falta de assistência...São Maria- sem-vergonha de se indignar diante do preconceito, da escravidão, da injustiça, da discriminação aos seus cabelos pixaim e da sua pele negra...São Maria-sem-vergonha de brigar por creches, meio ambiente, pelo direito de ter ou não ter filhos...São Maria- sem-vergonha de ficar bonita, de pintar a boca e da sua boca soltar um beijo, que não vem de sua boca, mas de seu ser inteiro, indivisível, solidário. São Maria- sem-vergonha de dizer NÃO, de buscar alegria, prazer... Sem vergonha de se cuidar, de usar camisinha e de se apaixonar. Atrevidas, Maria- sem-vergonha de decidir, fazer política, escolher e ser escolhida. São essas sem vergonha que a cada tempo mudam a história, conquistam direitos, dão a vida. Geram outras vidas insistentemente. Desavergonhadamente vão tecendo de cor e beleza, o desbotado das relações humanas, sem medo, sem disfarce, sem vergonha de ser feliz vão parindo com dores e delícias um novo mundo para mulheres e homens, um novo mundo para "comunidade dos seres": terra, ar, seres, animais, plantas e água.