quinta-feira, 3 de abril de 2008

Gardenal, doenças da alma e a arte de vencer os preconceitos

Tela: Vang Gogh

Há alguns meses decidi ler mais sobre as doenças da alma. Aquelas que provocam um vazio sufocante a ponto de calar a nossa voz e uma dor que, geralmente, não é maior do que o preconceito que ainda existe de forma petrificada em uma parcela significativa da sociedade. Chamou-me a atenção a forma como alguns seres, inclusive aqueles com acesso à informação, reagem diante das pessoas que têm depressão ou qualquer tipo de transtorno (TOC, humor bipolar, síndrome do pânico). Até mesmo pessoas com nível superior (faço esse destaque da escolaridade porque geralmente alguns indivíduos atribuem aos sem diploma a ignorância, o que refuto com toda a minha força) acabam semeando preconceitos e, às vezes, fazem afirmações tão absurdas que chegam a ser hilárias. Uma da mira dos preconceitos que presenciei é o remédio gardenal, um dos anticonvulsivantes existentes, indicado em quase todas as formas de epilepsia. Que viva o gardenal e todos os medicamentos que estão salvando vidas e curando as doenças da alma! Tenho amigos com epilepsia que fazem produções extraordinárias para a sociedade e, com os remédios, estão superando as crises convulsivas e vivendo com dignidade. Uma boa nova da medicina é a utilização de antiepléticos no tratamento do transtorno bipolar do humor, substituindo em alguns casos o lítio.
E por falar em transtorno bipolar, li durante o carnaval o livroNão sou uma só – Diário de uma bipolar" , da jornalista Marina W., com a apresentação do Pedro Bial. Ela, a partir da sua própria experiência, narra os efeitos do transtorno em sua vida. Os momentos de êxtase, os momentos de angústias, vão nos levando ao labirinto de uma mente diferente e vão desmistificando essa doença, que, hoje, já afeta em torno de 14 milhões de brasileiros e, mesmo, considerada da “moda”, ainda é tão mal compreendida pelas pessoas.
No livro, Marina revela o que muitos já ouviram falar: o transtorno bipolar com seus efeitos de altos e baixos esteve na vida de Fernando Pessoa, Virgínia Woolf, Francis Ford Coppola, Tim Burton, Lars Von Trier, Elizabeth Taylor, Jim Carrey, Tom Waits, Robbie Williams, Axl Rose, Salvador Dali, Marilyn Monroe, Elvis Presley, Van Gogh, e muitos outros. O próximo livro que vou ler será "O Demônio do Meio-Dia – Uma anatomia da depressão", indicação que vi num dos blogs que visito com frequência. E mulheres como Clarice Lispector, que eu amo de paixão, e Sylvia Plaf também experimentaram o furor desse furação demoníaco do meio-dia.
Então, mano, quando você estiver se encantando com a beleza de Marilyn, se deliciando com as palavras de Pessoa e Clarice, ouvindo o som do Elvis ou admirando as cores vivas de Van Gogh, lembre-se do gardenal, ou melhor, reflita sobre os seus preconceitos pícaros.

Lobão - Essa noite, não

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12 comentários:

Anônimo disse...

O pior Nanci querida é que essas pessoas que não compreendem os trasntornos e as dores que esses artistas e demais pessoas vêm passando, demonstram que elas próprias são doentes - doentes de amor, carinho, solidariedade. Acho que doente (e precisa de ajuda)é quem está destruindo a esprança de quem quer viver e fazer algo de bom; quem se acha melhor que os outros; quem não consegue ver beleza em outro modo de ser; quem está destuindo o planeta. Enfim, tem muita gente doente. E se algumas pessoas acabam necessitando de remédio é pq não suportam ver e viver nesse mundo.

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

É verdade...essas pessoas trazem em si amargura, rancor, preconceitos, violência e, em muitos casos, são movidas pelo egoísmo...geralmente carregam em si todos os "ismos" destruidores: machismo, racismo, capitalismo, etnocentrismo etc...Nos meus altos e baixos, principalmente, nos baixos tento abrir a mente para aprender a perdoar e nada melhor do que as palavras sábias do Dalai Lama:
"A compaixão e o amor são as virtudes mais preciosas da vida. Por serem muito simples, são difíceis de serem colocados em prática. A compaixão só poderá ser plenamente cultivada à medida que se reconhece que cada ser humano é parte da humanidade e pertencente à família humana, independente de religião, raça, cultura, cor e ideologia. A verdade é que não há diferença alguma entre os seres humanos.

Sem amor, a sociedade humana encontra-se em situação difícil. Sem amor, iremos enfrentar problemas terríveis no futuro. O amor é o centro da vida.

Se tiver amor e compaixão por todos os seres sencientes, em especial por seus inimigos, este é o verdadeiro amor e a verdadeira compaixão. O amor e compaixão, nutridos por seus amigos, esposa e filhos, não são verdadeiros em sua essência. São apego, e esse tipo de amor não pode ser infinito."

COMPAIXÃO...

Anônimo disse...

Atualmente conheço muitas pessoas que estão utilizando remédios para poderem viver melhor. Gostaria de entender o que está acontecendo conosco - nós mulheres na faixa de 40 anos principalmente, estamos entrando em crise.
Talvez nosso maior mal seja a SOLIDÃO. E todos nos sabemos que podemos ser sozinhos cercados de pessoas.
Não existe mais as visitas às amigas para um "chazinho", para jogar conversa fora. As pessoas se preocupam com os próprios problemas ou com os problemas na nação, mas se esquecem de dar atenção para suas mães, tias, as colegas com quem trabalham todos os dias e para suas amigas. Agente se deixa afastar e afasta outras porque não encaixam no perfil.
Ai, temos que recorrer aos médicos para acalmar nossos corações. Antes fazíamos isso com nossas famílias e amigos, simplesmente conversando, escutando ou falando e aconselhando sobre os nossos e sobre os problemas dos outros. Ou simplesmente dando um “colinho” para quem precisasse.
Ninguém precisa ser perfeito, nos chatos também amamos. Falar que não temos preconceitos e dizer que aceitamos as diferenças é muito fácil, o que não fazemos é trazer os “diferentes” para o nosso meio, para nossa conversa, ficamos procurando os tais semelhantes. Esqueçam isso, viva e conviva intimamente com a diferença e a divergência.

Silvia

Anônimo disse...

Este comentário é semelhante a um que ouvi. Um gay que vivia em crise com sua opção sexual, quando referia a uam pessoa dizia que ela "era da comunidade gay" ou queria entrar. Querer encontrar preconceitos alimentando este debate - da exclusão de pessoas em tratamento - é um forma de preconceito. Isto é problema de quem toma o remédio e de mais ninguém.
Chico

Unknown disse...

Não, Chico, esse debate é muito importante. Existem muitos preconceitos na sociedade em relação às doenças da alma. E o núemro de pessoas com os transtornos aumenta e aumenta muito. Muitos estudos têm sido feitos sobre isso, inclusive, relacionando esse aumento aos problemas ocasioanados pela sociedade pós-moderna: estresse, competição desenfreada no mercado profissional, reestruturação produtiva, cultura consumista...o problema é complexo e sei das dores dos preconceitos porque vivi a síndrome do pânico e todos os problemas oriundos dela.

Unknown disse...

nanci seu texto ficou maravilho...me fez lembrar da enorme dependência que sempre tive da arte...
Literatura, música, filmes, pintura, teatro...escultura...não sei definir o que ela significa em minha vida, é um pouco do ar que respiro, e não sou erudita, pelo contrário, sou intuitiva...popular na pura expressão.
Lembro que a primeira vez que prestei atenção em um poema foi no Morte e Vida Severina...especialmente no final, quando o severino perguntava se não era melhor se atirar no Capibaribe e acabar com aquela “droga de vida”, e a resposta dada pelo pescador “o mestre” foi que mesmo uma vida sendo severina, ela era vida e por isso merecia ser vivida...
Choro toda vez que leio esse final....
Assim...fico pensando que bom que existem pessoas com a capacidade de João Cabral de Melo e Neto, que além de denunciarem um sistema injusto de pouco pão e nenhuma justiça, não matam os severinos no final...dão a eles um pouco de esperança.
Os maiores artistas tem a capacidade de emocionar e são atemporais...essa eternidade ironicamente parece uma compensação pelo tormento de terem nascido com uma “antena” maior que a dos outros para captar as dores do mundo...
Eles não só sentem essas dores como também dão forma, melodia , versos, rimas, cores, gritos, imagens a elas...e para alguns isso é inadmissível e por isso eles julgam e jogam na fogueira!!
_ Cazuza! Aquele viciado...gay!
- Elis aquela drogada!
- Vínícius aquele alcootra!
- Fernando Pessoa, aquele deprimido!
- Van Gonh, aquele doido que cortou a orelha!!!
- Saramago! Ele não sabe escrever não coloca pontos nem vírgulas!!!
Penso que boa parte dos meus ídolos sofreram demais...não é fácil ter o coração e a mente aberta, necessários para produzir algo que consiga atingir importância na história da humanidade.
Quem coloca o dedo na face de alguém é o acusa de não ser “normal”, ainda não percebeu que nossa sociedade é bipolar...nosso tempo é bipolar...nossa era é a dos extremos é a da injustiça...todos precisamos de socorro.
Para os duros a arte socorre, impedindo boa parte de se tornarem monstros...seres desumanizados...
Já os sensíveis demais, aqueles que alimentam a arte... tenho por eles a mais profunda admiração...pois sofrem demais com a insanidade cotidiana, a demência de um sistema global de sobrevivência, a violência contra a humanidade e contra as coisas vivas e essenciais. A sensibilidade aguçada acaba tornando-se um fardo. E por serem em alguns momentos o céu azul da vida dos outros...pagam um preço muito alto...
De volta ao João Cabral, o primeiro poeta que me fez chorar...ele uma vez disse ser viciado em aspirinas(rsr)...mas, isso não tem muita importância, o que mais me instiga a seu respeito é o fato de ter enfrentado grandes contradições para escrever o poema, era filho da oligarquia nordestina da década de 20, seu pai era um dono de engenho, mas mesmo assim foi capaz de escrever Morte e Vida Severina...e não matou o Severino. Não conheço direito a vida dele, mas penso que ninguém consegue sair sem cicatrizes desse caminho.
Irmão das Almas você já chorou pelas dores do mundo?
- Graças as obras dos bipolares, esquizofrênicos, psicóticos, maníacos depressivos, viciados , eu sempre choro..
E quando choro respiro aliviada...ainda não sou um monstro, eles ainda não levaram a minha alma...

Unknown disse...

nanci seu texto ficou maravilho...me fez lembrar da enorme dependência que sempre tive da arte...
Literatura, música, filmes, pintura, teatro...escultura...não sei definir o que ela significa em minha vida, é um pouco do ar que respiro, e não sou erudita, pelo contrário, sou intuitiva...popular na pura expressão.
Lembro que a primeira vez que prestei atenção em um poema foi no Morte e Vida Severina...especialmente no final, quando o severino perguntava se não era melhor se atirar no Capibaribe e acabar com aquela “droga de vida”, e a resposta dada pelo pescador “o mestre” foi que mesmo uma vida sendo severina, ela era vida e por isso merecia ser vivida...
Choro toda vez que leio esse final....
Assim...fico pensando que bom que existem pessoas com a capacidade de João Cabral de Melo e Neto, que além de denunciarem um sistema injusto de pouco pão e nenhuma justiça, não matam os severinos no final...dão a eles um pouco de esperança.
Os maiores artistas tem a capacidade de emocionar e são atemporais...essa eternidade ironicamente parece uma compensação pelo tormento de terem nascido com uma “antena” maior que a dos outros para captar as dores do mundo...
Eles não só sentem essas dores como também dão forma, melodia , versos, rimas, cores, gritos, imagens a elas...e para alguns isso é inadmissível e por isso eles julgam e jogam na fogueira!!
_ Cazuza! Aquele viciado...gay!
- Elis aquela drogada!
- Vínícius aquele alcootra!
- Fernando Pessoa, aquele deprimido!
- Van Gonh, aquele doido que cortou a orelha!!!
- Saramago! Ele não sabe escrever não coloca pontos nem vírgulas!!!
Penso que boa parte dos meus ídolos sofreram demais...não é fácil ter o coração e a mente aberta, necessários para produzir algo que consiga atingir importância na história da humanidade.
Quem coloca o dedo na face de alguém é o acusa de não ser “normal”, ainda não percebeu que nossa sociedade é bipolar...nosso tempo é bipolar...nossa era é a dos extremos é a da injustiça...todos precisamos de socorro.
Para os duros a arte socorre, impedindo boa parte de se tornarem monstros...seres desumanizados...
Já os sensíveis demais, aqueles que alimentam a arte... tenho por eles a mais profunda admiração...pois sofrem demais com a insanidade cotidiana, a demência de um sistema global de sobrevivência, a violência contra a humanidade e contra as coisas vivas e essenciais. A sensibilidade aguçada acaba tornando-se um fardo. E por serem em alguns momentos o céu azul da vida dos outros...pagam um preço muito alto...
De volta ao João Cabral, o primeiro poeta que me fez chorar...ele uma vez disse ser viciado em aspirinas(rsr)...mas, isso não tem muita importância, o que mais me instiga a seu respeito é o fato de ter enfrentado grandes contradições para escrever o poema, era filho da oligarquia nordestina da década de 20, seu pai era um dono de engenho, mas mesmo assim foi capaz de escrever Morte e Vida Severina...e não matou o Severino. Não conheço direito a vida dele, mas penso que ninguém consegue sair sem cicatrizes desse caminho.
Irmão das Almas você já chorou pelas dores do mundo?
- Graças as obras dos bipolares, esquizofrênicos, psicóticos, maníacos depressivos, viciados , eu sempre choro..
E quando choro respiro aliviada...ainda não sou um monstro, eles ainda não levaram a minha alma...

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Kelly, que texto! Que poesia! que amor incondicional pela vida, pela humanidade, que generosidade você expressou por meio das palavras! sou um ser privilegiado por ter ao meu lado pessoas como você...vc fez um rio de água descer pelos meus olhos, lavando o meu peito, onde guardo, como disse o poeta, todos os sentimentos do mundo e onde se esconde um furacão e só eu sei como é difícil mantê-lo adormecido porque também tenho ciência do quanto ardem e queimam as suas lavas sobre mim. Todos que vc citou são luzes nas minhas noites sem estrelas...e, hoje, vi que no céu há um clarão...hoje, a deusa inspiradora da vida, a deusa Pachamama Mama esteve aqui por meio de vc, da sua sensibilidade e do seu amor. Ela sabia que eu precisava ouvir isso. Andei meio distante desta comunhão com a vida (pessoas sem luz estavam me afetando)Olhe, como é lindo o significado da Mãe-Terra, tão indígena. Pacha significa "tempo" na língua Kolla, mas seu significado engloba o universo, o mundo, o tempo, o lugar, enquanto que "Mama" é mãe. A Pachamama agrega um deus feminino, que produz e agrega.A Pachamama veio aqui por vc, que é fonte de luz.
Beijos com amor

Anônimo disse...

Oi gente, nAo quero tirar toda a beleza dessa discussão da Kelly e da NAncy, mas gostaria de responder para o Chico que o problema de tomar remédios é de todo a sociedade sim, e não apenas de qum ingere. E dou um exemplo que aconteceu com minha irmã há duas semanas. Ela não estava bem, precisou ir a um psiquiatra pra melhorar e teve que escutar no trabalho: "Isso é falta de um pau! Daqueles deste tamanho, bem grande mesmo!!!"
Nem preciso falar mais nada, não é mesmo?

Abraços pra tod@s,

Luciana

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Luciana, muito bom esse debate. Um dia desses estava lendo um texto de um psquiatra e ele dizia que na Grécia Antiga as pessoas diferentes eram marcadas com sinais corporais ou “stgmata”. Hoje, as marcas não são deixadas no corpo pelo método grego, mas, sim, pelo preconceito exposto, por exemplo,nos comentários feitos a sua irmã e no que eu ouvi de um ser, que se diz intelectual, ao se referir de forma pejorativa ao gardenal, que ainda não tomei, mas se precisar, tomarei e farei isso com a maior alegria. Esses preconceitos e atitudes críticas vão fazendo com que a pessoa que tem algum tipo de transtorno fique acuada e vai se isolando das demais pessoas, o que aumenta ainda mais o seu sofrimento. O debate é necessário e a mídia pode ajudar as fazê-lo, contribuindo com com combate aos preconceitos.

Paulo Guilherme Cabral disse...

Nanci, esta tela de Vincent - Terraço do café na Place Du Forum, apareceu quase que ao mesmo tempo no seu blog e no meu apartamento. É que o proprietário colocou alguns nas paredes do apartamento onde moro. Um acontecimento.

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Jura, Paulo???
Deve ser a nossa sinergia antenada na alma e na arte...
um beijo