quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Eu

Foto: blog Prince Cristal
* Floberla Espanca


Até agora eu não me conhecia,
julgava que era eu e eu não era.
Aquela que em meus versos descrevera

Tão clara como a fonte e como o dia.
Mas que eu não era

Eu não o sabia mesmo que o soubesse, o não dissera…
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim… e não me via!

Andava a procurar-me
- pobre louca!
- E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Ah, esses loucos e loucas!

Por Kelly Garcia

Tenho uma relação de dependência da arte...
Literatura, música, filmes, pintura, teatro, escultura... não sei definir o que ela significa em minha vida, é um pouco do ar que respiro, e não sou erudita, pelo contrário, sou intuitiva...popular na pura expressão.
Lembro que a primeira vez que prestei atenção em um poema foi no Morte e Vida Severina...especialmente no final, quando o Severino perguntava se não era melhor se atirar no Capibaribe e acabar com aquela “droga de vida”, e a resposta dada pelo pescador “o mestre” foi que mesmo uma vida sendo severina, era vida e por isso merecia ser vivida.
- Choro toda vez que leio esse final....
Assim...fico pensando que bom que existem pessoas com a capacidade de João Cabral de Melo e Neto, que além de denunciarem o parco pão e nenhuma justiça, não matam os severinos no final...dão a eles um pouco de esperança.
Os maiores artistas tem a capacidade de emocionar e são atemporais...essa eternidade ironicamente parece uma compensação pelo tormento de terem nascido com uma “antena” maior que a dos outros para captar as dores do mundo...
Esses seres não só sentem essas dores como também dão forma, melodia, versos, rimas, cores, gritos e imagens a elas...e para tantos, na sociedade, isso é inadmissível e por isso proferem sentenças ‘moralóides’ e condenam à fogueira da ‘profana inquisição’ !!
_ Cazuza! Aquele viciado...gay!
- Elis aquela drogada!
- Vínícius aquele alcoólatra!
- Fernando Pessoa, aquele deprimido!
- Van Gogh, aquele doido que cortou a orelha!!!
- Saramago! Ele não sabe escrever não coloca pontos nem vírgulas!!!
Penso que boa parte dos meus ídolos sofreram demais...não é fácil ter o coração e a mente aberta, necessários para produzir algo que consiga atingir importância na história da humanidade.
Quem é dado a colocar o dedo na face de alguém e acusar “fulano não é normal”, ainda não percebeu que nossa sociedade é bipolar...nosso tempo é bipolar...nossa era é a dos extremos é a da injustiça...todos precisamos de socorro.
Para os duros a arte socorre, impedindo boa parte de se tornarem monstros...seres desumanizados. Já os sensíveis demais, aqueles que alimentam a arte... tenho por eles a mais profunda admiração...pois sofrem muito com a insanidade cotidiana, a demência de um sistema global de sobrevivência, a violência contra a humanidade e contra as coisas vivas e essenciais.
A sensibilidade aguçada acaba tornando-se um fardo. E por serem em alguns momentos o céu azul da vida dos outros...pagam um preço muito alto...
De volta ao João Cabral, o primeiro poeta que me fez chorar...ele disse uma vez ser viciado em aspirinas, mas, isso não tem muita importância, o que mais me instiga a seu respeito é o fato de ter enfrentado grandes contradições para escrever o poema, era filho da oligarquia nordestina da década de 20, seu pai era um dono de engenho, mas mesmo assim foi capaz de escrever Morte e Vida Severina...e não matou o Severino. Não conheço direito a vida dele, mas penso que ninguém consegue sair sem cicatrizes desse caminho.
- Irmão das Almas você já chorou pelas dores do mundo?
Graças as obras dos bipolares, esquizofrênicos, psicóticos, maníacos depressivos, viciados, eu sempre choro!

Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Chico Buarque e Paula Toller cantam "Dueto"

Lua Cheia no Céu do Cerrado Acaba em Poesia

Por kelly Garcia


Esse final de semana (ele de novo) fomos agraciados com aquelas compensações de viver a estiagem do planalto central. Enquanto aqueles chegados na poltrona assistiam qualquer coisa na TV, os gatos e gatas vira-latas estavam nos telhados e muros, bem longe olhando a LUA CHEIA, que os 18% de umidade fazia transbordar o prateado...
Quando olho para a senhora do céu noturno, lembro da música dos Paralamas “o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu”.
Foram os “galileus” que disseram ser a lua um satélite natural da terra desprovido de luz própria, um mero refletor do todo poderoso sol. Cientistas possivelmente acham imbecil qualquer tributo ao céu de lua cheia, vez que nem mesmo tem ela luz própria!
Possivelmente, nos dias de lua cheia os que nunca levantam da poltrona para olhar para o céu, os que não tem vontade de sair, subir no telhado, beijar seu amor, escutar uma música, encostar em algum lugar e o olhar simplesmente olhar, tem sobre si o céu de Galileu.
Já aqueles que se enchem como a lua e não cabem nos cômodos da casa, são como o sonhador do Ícaro que queria ganhar o céu...ou ainda como a Jacy a indiazinha tupi que morreu no rio porque foi atrás da sua lua refletida na água.
Quando penso em beleza, penso no céu de lua cheia...
disponível, gratuito, generoso, que farta de encanto todos que ainda tem vontade de voar como Icaro, de se entregar como a Jacy, ou ainda, que sejam, como eu uma reles gata vira-lata que “sobe no telhado” apenas para olhar e pensar numa linda poesia, como essa do Altair de Oliveira que tive a sorte de ter como companhia nesse lindo final de semana de lua gravidamente prateada no céu do cerrado.

HIPÓTESES
I
NUNCA MAIS desfazer,
Se uma vez feito,
Uma gota sequer
Do amor-perfeito
E JAMAIS insistir em desistir
Dum instante qualquer
Que intente rir
Ou da busca de algum contentamento.
EVITAR
As estrada mais pisadas,
As tristezas mostradas pra alegrar
E também disfarçar o querer-bem
Ou o tal de “magôo pro teu bem”
E nem morto
Viver pra revidar.
ATENTAR contra as forças corrompidas,
Amparadas por leis envelhecidas,
Entretidas em sempre escravizar...
QUESTIONAR sobre pesos e medidas,
Sobre iguais mais iguais,
Favorecidos,
Os que impedem o futuro de chegar.
II
Quando aquilo que sonha não quer vir,
Enfadar de esperar e procurar.
Se o que for lhe bastar, nem existir,
nem seguir se não tem o que buscar.
Sem sentir, sensatar e desistir.
Permitir que desgraças possam ir
e que graças que passam o façam rir.
Ter prazer e motivos emotivos
pra doer toda vez que acontecer
dum encanto que canta perecer
ou dum riso mais vivo lhe evitar.
Levitar todas quartas, todas terças,
Inventar de saltar por sobre cercas, sobre cárceres e cordas que encontrar.
(Altair de Oliveira – O Embebedário Diverso )


Kelly Garcia – advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Nanquim

* Por Kelly Garcia

Lá vem ele novamente para azucrinar, o final de semana.
Só que estou ficando mais esperta, desta vez preferi combinar um programa caseiro, com um cardápio gostoso, música e uns filmes, diria um certeiro e seguro programa de sábado à noite.

Entre os filmes selecionados para assistir estava um curta metragem chamado Nanquim, produzido e dirigido por Maurício Copetti, rodado num magnífico cenário de Corumbá, uma obra com “carimbo de origem” sul-mato-grossense.

Foram dezessete minutos de pura sedução da luz sobre o preto e branco. O filme é tão atraente que dá impressão que a gente se tornou parte e que será aos poucos absorvido pelo papel branco, tal qual a própria tinta da china, e que a qualquer momento terá a possibilidade de ser transformado em uma imagem única e extraordinariamente bela capturada por olhos, lentes e sensibilidade daqueles poucos que são capazes de perceber os detalhes e requintes presentes nos mais triviais momentos nos mais singelos lugares e nos seres mais banais.

Poesia escrita com a luz..., extraída da presença e ausência total de cores e do seu contraste essencial para interação do preto e do branco. Olhando atentamente todas as riquezas dos detalhes produzidas graças a essa relação, foi inevitável pensar no que Fernando Pessoa escreveu “ mas o contraste que não me esmaga- liberta-me; e a ironia, que há nele é sangue meu”.

Nenhuma palavra ...ali todas absolutamente desnecessárias. Sutilezas. Todos sabem que o Nanquim é uma substância a base de carvão, e conforme dados históricos, uma das muitas invenções chinesas que o ocidente se apropriou para facilitar a escrita. Doce ironia do poeta das lentes...poema sem palavras feito de nanquim. Coisas da arte e dos espíritos dos artistas, que ajudam a amenizar a rudeza de nossa existência.

E para aqueles que antes de assistirem Nanquim torcerem o nariz e com empáfia classificarem a obra como ‘regional’ direi novamente Pessoa “há na nossa experiência da terra duas coisas só – o universal e o particular. Descrever o universal é descrever o que é comum a toda alma humana e a toda experiência humana – o céu vasto, com o dia e a noite que acontecem dele e nele”.
Tudo no filme é decorrente da primorosa capacidade humana de produzir a beleza de envolver os sentidos dando a entender que contraditoriamente o nada pode ser o tudo e por vezes do tudo se transforma em nada, na linguagem universal da arte.

Quanto ao diretor, Copetti, deve ser daqueles que ao entrar em um cômodo escuro ao notar a luminosidade penetrando pela fresta da porta diz – Nossa! Que luz fantástica
!

* Kelly Garcia é advogada

domingo, 10 de agosto de 2008

Em defesa do povo Kaiowá Guarani

Foto: face guarani - Fernando Gabeira

"Nós, do povo Kaiowá Guarani, que vivemos há milhares de anos nessa região, que inclui o Sul do Mato Grosso do Sul, realizamos na Terra Indígena Sassoró uma Grande Assembléia - Aty Guasu, onde fizemos o batismo dos Grupos de Trabalho de Identificação de nossas terras e de nossos aliados do Ministério Público e outros órgãos e entidades.
Essa é uma celebração histórica, onde a luta e o sonho de muitos anos começa a se tornar realidade. Celebramos também as inúmeras lideranças que derramaram seu sangue defendendo e lutando pela terra sem a qual ficamos como árvores sem raízes, pois o "índio é a terra e a terra é o índio".
Queremos lembrar todo o sofrimento que estamos passando, a fome, a violência, as prisões, os assassinatos, os suicídios, os atropelamentos, o desprezo e ódio com que muitas vezes somos tratados. E para começar acabando com isso, só tem uma saída: ter de volta nossos tekohá, nossas terras tradicionais, onde estão sepultados nossos pais, avós e antepassados.
Tomaram nossas terras, exploraram nosso trabalho, destruíram a mata e toda a riqueza que nela estava, envenenaram as águas e a terra e agora parece que querem nos ver longe, talvez embaixo dessa mesma terra. O governador do nosso estado falou até em nos despejar em outras terras de outros povos indígenas como os Kadiwéu. Perguntamos, será que fazem por não conhecer nada de nosso povo, de nossa história e o que a terra significa para nós ou essa gente não tem coração, não tem civilização, não tem família, não tem filhos, não tem humanidade? Tudo isso não faz o menor sentido.
Queremos dizer que estão espalhando um monte de mentiras para criar confusão e violência e desta forma impedir a demarcação de nossas terras. Apenas queremos justiça, queremos a terra suficiente para viver em paz, criar nossos filhos, fazer voltar a alegria e felicidade às nossas aldeias. Não entendemos por que estão fazendo tanta tempestade, como se nós fossemos criminosos indesejados, e que a devolução de pequena parte de nossas terras, fosse acabar com a economia do Estado, extinguir cidades e desalojar 700 mil pessoas como os políticos de nosso estado vêm falando. Chegaram até a dizem que não somos brasileiros!
Deixem de espalhar mentiras! Jamais isso irá acontecer. Falam essas mentiras para jogar as pessoas que não sabem da verdade todas contra nosso povo. Falam isso como estratégia maldosa para conseguirem o apoio dos mais pobres que são a maioria da população em beneficio dos interesses dos fazendeiros que só pensam em dinheiro, incitando a população à violência e ao racismo contra nosso povo.
Com essas mentiras, fazem essas pessoas terem raiva e ódio dos Kaiowá e Guarani.
Sabemos que os não-índios tem seus direitos, e esses serão assegurados pelo Governo e sem se sobrepor aos nossos direitos. Então, essas mentiras maldosas servem apenas para negar completamente nossos direitos e nos deixar sem perspectivas de futuro, no eterno abandono e as mortes continuando.
A demarcação de nossas terras é boa para todos, pois irá acabar definitivamente com os conflitos e incertezas.
O povo Kaiowá e Guarani não quer mais conflitos, não quer mais violência e morte de nosso povo nem de ninguém, somente quer seus direitos conquistados e garantidos pela Lei e pela Constituição Federal. Aquilo que queremos é muito pouco se contarmos os mais de 500 anos de expulsão de nossas terras e da morte de nossos parentes.
Queríamos ver os senhores de gravata, de montes de dinheiro, que comem e bebem todos os dias à vontade, viver em nosso lugar. Não temos dúvida de que logo mudariam de idéia ou acabariam morrendo.
Mas nós já agüentamos quinhentos anos de invasão e violência. Celebramos nossa sabedoria e resistência. Nhanderu tem muita força e importância. Com eles vamos vencer. Vamos ter nossas terras de volta. Estão começando os primeiros passos.
Sabemos que não estamos sozinhos. Temos muitos amigos e aliados, pessoas que sabem a verdade de todo o sofrimento que estamos passando, aqui mesmo no Mato Grosso do Sul, mas também em todo o Brasil e mundo afora.
Saímos mais unidos, fortalecidos e dispostos nessa grande celebração.
Juntamente com nossos Nhanderu temos a certeza de que vamos vencer!"


Terra Indígena Sassoró, município de Tacuru, Mato Grosso do Sul, 01 de agosto de 2008.