segunda-feira, 14 de abril de 2008

FMI: nada mudou

A Liberdade guiando o povo
(1830, Louvre, Paris)
é uma das obras mais célebres
de Delacroix.
(tenho paixão por esta tela)
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A Maria-Sem-Vergonha recebe mais uma contri-buição importante. Um texto de um jornalista especial, amigo e companheiro, com quem já partilhei boas lutas e muita esperança na defesa dos Direitos Humanos, que atravessou o Atlântico e está em Paris. E, lá, manteve os olhos abertos e a consciência acesa. No Artigo abaixo, Mario Doraci faz um resgate da história do FMI, da dependência brasileira e como age, agora, o Fundo sob a chefia de um socialista francês. Não deixe de ler. Rende um bom debate.
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* Por Mario Doraci

"Você sabe o que é caviar ? Nunca vi,
nem comi, eu só ouço falar… "

O FMI nasceu em 1944 e foi posto em prática um ano depois. No início era para ajudar na reconstrução dos países europeus massacrados pela segunda guerra, administrar um sistema de índice de trocas fixas e enquadrar os movimentos de capitais internacionais. Bretton Woods, o banco que detém o aval de 180 chefes de estado para o fundo monetário, é sediado em Washington. O FMI não é monastério, não é entidade filantrópica, é banco como qualquer outro, e é formado por pessoas de linha dura, ultra conservadoras na linguagem econômica. Sua política é draconiana. Ele empresta dinheiro, mas impõe um regime quase impossível de se obedecer, é quase comparável a um agricultor que bate à sua porta para comprar um trator, sabe, lidar com uma roça de vinte hectares…alimentar a família e vender na feira livre direto ao consumidor. O banco sai ileso porque não perde, mas o pobre agricultor teve que hipotecar a terra, os bens materiais e o produto de seu trabalho durante anos. O FMI não é diferente e não perdoa maus administradores. Na verdade, os banqueiros ganham em cima de gente que administra mal os investimentos porque os juros não esperam a crise passar e não detém o curso da história das bolsas de valores. O Brasil emprestou com JK para construir Brasília. Depois veio a ditadura e o « milagre econômico » de 1968 a 1973. Por que o milagre não continuou? Lembremos que o salário era muito baixo, as greves e piquetes eram proibidos, havia carestia, inflação galopante, o trabalhador era escravo do emprego, havia toque de recolher, e, sem carteira assinada, na rua depois das seis, o elemento, no jargão policial, era bandido. Em 1973, teve a crise do petróleo e a guerra do Yon Kypur…e de moeda desvalorizada o Brasil militar novamente foi ao FMI. Pedir ao FMI é o mesmo que se entrevistar com o diabo e pedir a ele recomendações de como ir para o céu…alguém ja viu um país endividado, em crise econômica, sair do buraco com « ajuda » do FMI ? Quando um país está se afogando, eles jogam a corda sim, mas com as duas pontas. Aquele presidente, não é amnésia, mas ele pediu para esquecê-lo, também pediu emprestado, depois Sarney e FHC. Segundo analistas econômicos franceses e americanos, na era FHC, não era preciso pedir socorro ao banco internacional, mas ele o fez. A dívida ronda a casa dos 250 bilhões de dólares. O pior é que, à partir de 1974, a política interna do FMI mudou, ficou mais severa, triplicou os juros e as formas de reembolso e nessa quem ficou com a pior foi o Brasil.
Segundo o diretor geral do FMI, Dominique Strauss-Khan, ex-candidato presidencial pelo Partido Socialista que perdeu a vaga para a concorrente do mesmo partido, Ségolène Royal, está pedindo socorro. Nomeado ao cargo pelo inimigo politico e atual presidente francês, Nicolas Sarkozy, e aprovado por integrantes do G5, ele diz que “é preciso desbloquear o sistema de indexação”. A razão de ter aceito a indicação é que ele era prefeito de um vilarejo na periferia de Paris, sem luzes para si mesmo, muitas vezes em meio aos conflitos sociais de imigrantes árabes e africanos. DSK afirma também que é preciso pensar e ajudar os quase trinta países com falta de trigo, feijão, arroz e açúcar…veja bem, nem carne, nem leite, nem vestes…apenas o produto primário do pão. Mas o FMI atualmente parece mais humano…seria seu novo presidente « socialista » dirigindo uma entidade capitalista até os cabelos do pé ? Nada disso, isso seria o paradoxo do objetivo do capital. Enquanto o povo haitiano, africano e de outras tantas nações comem bolacha de argila, do outro lado se come caviar e champanhe francês, Dom Pérrinhom, o mais caro. O que querem os investidores do FMI ? Salvar uma parte do planeta ? Se tornar defensores da fome? Não! Apenas novos clientes pra continuar a sangria de dólares e salvar nações ricas.
Numa entrevista concedida ao Financial Times, DSK diz « a crise é global » e que « os países ricos devem se unir para evitar o problema que derrubou as bolsas em 1929 ». Antes de assumir o cargo de diretor do FMI, DSK afirmara em Paris que resgataria a credibilidade do sistema financeiro e facilitaria os empréstimos aos países com economia estagnada. Felizmente o Brasil parou de pedir dinheiro ao FMI no governo Lula, apenas envia pra eles uma parcela considerável do PIB (desconheço o valor) que serviria para realizar a dita reforma agrária, investir na saúde e educação.

*Mario Doraci é jornalista sul-matogrossense, Mestre em Ciências Políticas da Comunicação, doutorando em Ciências Políticas e Sociologia, em Paris.

8 comentários:

Unknown disse...

Já estou capotando aqui, amanhã vou ler com calma o que escreveu Darci. Gostei da repercusão do teu post sobre os Guarani. Tomara que o presidente receba muitas cartas. Valeu e boa semana!!!

Unknown disse...

é impressionante como querem controlar o mundo em favor dos interesses dos "grandes". temos pessoas "descartáveis" para serem eliminadas quando não mais necessárias (remete-me a situação da áfrica em que é imaginável ser um local de experiências médicas - lá onde surgem algumas doenças novas (fabricadas?) e devem fazer testes de novos remédios também), e povos em uma quase semi-escravidão sustentando suas mordomias. eh mundo.

Unknown disse...

Nanci muito bom o texto dele, gostei da linguagem também, fácil de entender. Ah, como eu queria ter o dom da escrita...

mariodoraci disse...

Dica de filme sobre o FMI. Bamako é um filme rodado no Senegal em 2006. Melé est cantora, seu marido Chaka ta desempregado e o casal enfrenta crises. No patio da casa que eles dividem com outras familias, um tribunal foi instalado. Os representantes da sociedade civil africana engajaram um procedimento judicial contra o Banco mundial e o FMI que eles julgam responsavel pelo drama que sacode a Africa. Entre acusações e testemunhas, a vida continua no patio. Chaka parece indiferente a esta vontade inédita da Africa em reclamar seus direitos…

O FMI perdeu dois grandes clientes em 2005, Argentina e Brasil. Esses paises eram responsaveis por 90% das açoes do FMI e rendiam um lucro danado aos investidores do Bretton Woods. Em 2002 o então presidente da Argentina, Nestor Kirchner havia acusado o fundo monetario de não socorrer seu pais na crise econômica…e de fato outros economistas de renome defenderam o argentino asism como o prêmio Nobel Joseph Stiglitz. A noticia de acabar com a divida e parar de emprestar soou muito mal aos ouvidos dos investidores do FMI porque, ora bolas, os coitados vivem apenas de lucros que recebem de paises endividados. O FMI pode falir e não vamos sentir falta. Por isso o atual presidente sugere que os paises ricos se unam pra acabar com a fome no mundo, como se eles sempre tivessem mostrado preocupação com a miséria dos outros. Banqueiro não faz caridade. E como dizia Marx, « o dinheiro é divino…compra tudo o que pode e se esquece das necessidades alheias, dos outros ».

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Mario, valeu a dica do filme. Vou colocar na minha lista. Publico abaixo um artigo interessante sobre a nossa dívida externa, do pessoal da auditoria cidadã. Vale a pena lê-lo.

Rodrigo Vieira de Ávila
Economista da Campanha Auditoria Cidadã da Dívida / Rede Jubileu Sul Brasil
22/02/2008

Depois de divulgar amplamente o pagamento antecipado ao FMI, em 2005, dia 21 de fevereiro de 2008 o governo anunciou mais um suposto marco histórico: o de que os ativos do país no exterior, constituídos fundamentalmente pelas reservas internacionais, superaram a dívida externa pública e privada. Alega o governo que esta é uma evidência da superação do problema da dívida.
Em primeiro lugar, cabe ressaltar que este suposto recorde não passa de manipulação estatística, originada em 2001, durante o Governo FHC, e perpetuada no governo Lula: a exclusão dos empréstimos intercompanhia (dívidas de filiais de transnacionais no Brasil com suas matrizes no exterior) do cálculo da dívida externa. Estes empréstimos dobraram em 2007, passando de US$ 20 bilhões para US$ 42 bilhões, mas são ignorados pelo governo, para que possa propalar um suposto marco histórico.
Em segundo lugar, o que está por trás deste acúmulo desenfreado de reservas cambiais? Uma verdadeira farra dos especuladores nacionais e estrangeiros, que trazem seus dólares em massa ao Brasil para comprar títulos da dívida "interna", em busca dos juros mais altos do mundo. O resultado disto é a explosão da dívida interna, que atingiu R$ 1,4 TRILHÃO em dezembro de 2007, tendo crescido 40% em apenas 2 anos!
Em 2007, o governo federal gastou R$ 237 bilhões com juros e amortizações da dívida interna e externa (sem contar o refinanciamento, ou seja, a chamada "rolagem" da dívida), enquanto apenas gastou R$ 40 bilhões com a saúde, R$ 20 bilhões com a educação e R$ 3,5 bilhões com a Reforma Agrária. E o governo ainda tem coragem de afirmar que a dívida não é problema!
Conforme denunciado na 3ª Edição da Cartilha "ABC da Dívida" (que estará sendo lançada em breve pela Campanha Auditoria Cidadã da Dívida / Rede Jubileu Sul Brasil), a recente isenção fiscal de Imposto de Renda sobre os ganhos dos estrangeiros, o estabelecimento e a manutenção de taxas de juros altíssimas, e a total liberdade de movimentação de capitais têm gerado as condições para um verdadeiro ataque especulativo contra o Brasil. Os investidores estrangeiros trazem seus dólares para investir na Bolsa e em títulos da dívida interna, e assim forçam a desvalorização do dólar frente à moeda brasileira (o Real). Os bancos e empresas nacionais também se aproveitam disso, tomando empréstimos no exterior (mais baratos devido às baixas taxas de juros) para emprestar ao governo brasileiro, por meio da compra de títulos da dívida interna, recebendo uma fortuna em troca disso, devido às altíssimas taxas de juros do Brasil. Não há limite algum para estas operações, e o Banco Central (BC) compra estes dólares e fornece títulos da dívida interna de acordo com o fluxo de moeda estrangeira ao país. Quando recebem seus lucros e juros em reais, os investidores podem trocá-los por maior quantidade de dólares – uma vez que a moeda brasileira se valorizou – e assim cumprir seus compromissos com o exterior, tendo um lucro extra.
Em 2007, o Real se valorizou 20% frente ao dólar. Portanto, o investidor estrangeiro que no início de 2007 trouxe dólares para aplicar na dívida interna brasileira ganhou, durante o ano, 13% em média de juros, e mais 20% quando converteu seus ganhos em dólar. Portanto, em 2007, os estrangeiros ganharam uma taxa real de juros (em dólar) de mais de 30% ao ano!
Por outro lado, o Banco Central, comprando a moeda estrangeira trazida pelos especuladores, termina ficando com o mico, ou seja, o dólar, que está se desvalorizando. O BC também aplica os dólares (recebidos dos investidores e exportadores) , só que em títulos do Tesouro Americano (que ajudam Bush a financiar seu déficit e suas políticas, como a invasão do Iraque), que rendem perto de um terço dos juros pagos pelo governo brasileiro pelos títulos da dívida interna. Além do mais, como o dólar está em forte desvalorização, os juros pagos pelo Tesouro Americano são, na realidade, negativos para nós.
O resultado disto tudo é um imenso prejuízo para o Banco Central: chegou a R$ 58,5 bilhões apenas de janeiro a outubro de 2007. Este prejuízo é bancado pelo Tesouro Nacional, e correspondeu ao dobro de todos os gastos federais com saúde no mesmo período. Por outro lado, os banqueiros, que se beneficiam desta manobra, não páram de bater recordes de lucro.
Portanto, este suposto marco histórico divulgado pelo governo esconde, na realidade, uma verdadeira reciclagem do velho mecanismo de espoliação da dívida externa, com uma nova máscara: o endividamento "interno". Este mecanismo é altamente rentável aos investidores estrangeiros, uma vez que, desta forma, eles ficam imunes à desvalorização da moeda americana, recebendo seus lucros e juros em uma moeda que não pára de se fortalecer frente ao dólar.
Além do mais, quando o governo alega que possui recursos para pagar toda a dívida externa, faz uma apologia ao pagamento de uma dívida ilegítima e já paga várias vezes com o sangue e suor do povo, desde os anos 80, quando os EUA, de modo unilateral e ilegítimo, multiplicou as taxas de juros incidentes sobre a dívida externa, levando o Terceiro Mundo à recessão e ao desemprego.
Não há saída para o endividamento sem uma ampla e profunda auditoria, que quantifique quantas vezes já pagamos esta dívida e a que custo social e ambiental. Somente assim poderemos nos libertar dessa amarra que continua nos aprisionando, apesar do governo prosseguir em sua manobra diversionista, tentando sistematicamente, através da divulgação de dados manipulados e parciais, desqualificar os movimentos sociais em favor da auditoria da dívida, na tentativa de esconder que o endividamento continua sendo, cada vez mais, o centro dos problemas nacionais.

Unknown disse...

ah. esse blog, o que é uma percepção, uma suspeita, se confirma com cada um trazendo uma informação nova. gosto também das opiniões divergentes. pra poder situar o que cada lado consegue perceber. e com todos os dados possíveis, conseguimos formar melhor nossa visão.

sobre o aumento da taxa de juros:
escutei um economista dizendo que qdo se aumenta, 1º é preciso se
preocupar com os gastos, e ter cautela com os investimentos e 2º q. quando aumentam isso sinaliza algum problema, alguma instabilidade e é preciso ter
receio.

agora o ipea (rsrs. o mesmo que foi acusado por causa do pochman, q demitiu pesquisadores contrários ao governo) explica, pelo menos é bastante aceitável a
explicação... segue

http://economia.uol.com.br/ultnot/2008/04/15/ult4294u1219.jhtm

Aumentar juros agora seria temeroso, diz Ipea
Da Redação
Em São Paulo

Um estudo produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o IPEA, apontou que não há necessidade de alta na taxa básica de juros, a Selic. A nova taxa será divulgada nesta quarta-feira (16), depois de uma reunião do Copom. "Nós temos evidências na análise que mostram que não é verdade que temos um excesso de demanda com relação às capacidades de oferta", diz Miguel Bruno, coordenador do Grupo de Análises e Previsões do Instituto.
Temos dados que mostram a evolução bastante favorável dos ganhos de
produtividade da indústria de transformação e estabilidade da massa salarial como proporção do PIB. Dados que apontam para um crescimento normal do nível de atividade."

O economista explica que alta de preços não provém necessariamente de pressões de demanda. "Você pode ter pressões que vêm do lado da oferta, de custo de produção", pontua. "Alimentos, por exemplo, temos problemas associados a aumentos de preços internacionais, casos do milho, do trigo e da soja, e que refletem nos preços internos, fora as sazonalidades, como quebra de safra. Nesses casos, como não é inflação proveniente de demanda, aumento de taxas de juros são inócuos", afirma.

"Se você tem um problema de pressão de custo, um aumento de taxa de juros não corrige isso", analisa Bruno. "Você simplesmente pode limitar os investimentos, não só conter a demanda, que viriam a corrigir o eventual problema de capacidade de oferta."

"Aumentar taxas de juros agora seria algo no mínimo temeroso. A gente pode ter conseqüências negativas para as expectativas empresariais, que são fundamentais para o país continuar nesse ritmo de crescimento mais elevado que não tem há quase 25 anos", conclui Miguel Bruno.

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Ufa, Mi! ainda bem que o IPEA também se posiciona contra o aumento das taxas de juros. Só o Banco Central que não quer ver e nem escutar as outras avaliações. claro, né, é dirigido por um ex-funcionário de um grande banco privado, ouse seja, quanto maior a taxa de juros, mais lucros terão os agiotas do mercado financeiro...hehehehe me lembrei da Heloisa Helena

Unknown disse...

mario, escreva sempre no blog, eu tento sempre acompanhar o movimento da europa, porque, as crises dos países digamos de "capitalismo mais avançado", fornece elementos..valiosos para comprrensão do conjunto. É bom termos olhos por aí...