segunda-feira, 31 de março de 2008

DITADURA, NUNCA MAIS!


Fotos:
Fundação Perseu Abramo
Golpe de 64
Estudante assassinado pela polícia no Calabouço
Luta pela Anistia
Cartaz pela Anistia




Para que nenhum coturno volte a pisar sobre os sonhos da nossa juventude.
Para que nenhum tanque triture as bandeiras da igualdade.
Para que nenhum muro da morte assassine as utopias libertárias.
Para que a nossa memória alimente a vida dos que tombaram resistindo aos golpes da tirania.
Para que a liberdade seja viva como uma rosa vermelha com gotas de orvalho.
Para que as noites escuras do passado, sem luas e sem estrelas, sejam faróis a iluminar as nossas consciências na construção de um outro Brasil, uma outra latinoamérica, um outro mundo possível.
Ditadura, Nunca mais!

TRAVESSIA - Milton Nascimento

domingo, 30 de março de 2008

Tapinha dói sim - funkeiros são condenados pela Justiça

Tapinha dói sim e deixa marcas profundas no corpo e na alma. E fazer apologia da violência contra a mulher é crime. Foi o que decidiu a Justiça Federal de Porto Alegre ao condenar o grupo de funkeiros Furacão 2000 a pagar uma indenização de 500 mil pelo CD “Tapinha”, que incluía um “Tapinha Não Dói”. Vibrei com a decisão do juiz Adriano Vitalino dos Santos, da 7ª Vara Cível Federal. Ele entendeu que a música incita a violência contra a mulher. A indenização irá para o Fundo Federal em Defesa dos Direitos da Mulher.
Quando ouvi esse base (substrato de má qualidade do funk) pela primeira vez, considerei-o um atentado contra as mulheres. E apesar de ser contra a censura, acho que a arte, se é que uma produção tão vil pode ser chamada de arte, não tem licença para propagar o sexismo e a misoginia.
Ainda no ano passado, ao fazermos a criação das peças publicitárias da Aula da Cidadania para o 8 de março, da FETEMS, dirigida aos alunos da rede pública de ensino, utilizamos como slogantapinha dói sim”, desmistificando a letra da música que, por força da indústria cultural, se alastrou no meio juventude. O resultado superou as expectativas e o projeto de comunicação ficou entre os sete melhores no Prêmio Nacional da Revista Imprensa/Mídia da Paz.


Joyce - Feminina

sábado, 29 de março de 2008

Um arco-íris contra a homofobia e frangmentos de Virgínia Woolf


Estou participando da criação de uma campanha publicitária contra a homofobia. Se por um lado o movimento gay e seus importantes parceiros conseguiram, com suas paradas, debates e iniciativas corajosas, enfrentar preconceitos, por outro há reações homofóbicas crescentes, principalmente por líderes religiosos pentecostais que sempre associam a homossexualidade a doenças e a práticas criminosas. Além da violência física, há a violência psicológica tão cruel quanto a bofetada.
O desenvolvimento da campanha contra o preconceito e a discriminação é um trabalho voluntário que me faz sentir mais gente, mais útil à vida, numa época em que a descrença e a frustração com as produções de comunicação têm marcado a minha existência. O marketing político está um nojo. Aliás, depois do episódio do Duda Mendonça, com a sua fábrica de ganhar dinheiro e vender políticos como se fossem sabão em pó - "pura limpeza" - tenho ficado cada vez mais distante disso. E o Duda está de volta e parece que vai prestar consultoria até para a Luzianne Lins, prefeita de Fortaleza (PT). Até ela, que se elegeu com uma campanha militante belíssima, contra tudo e contra todos, inclusive sem o apoio de Lula e do PT do Ceará, que conspiraram contra a candidata petista por causa do acordo com o Ciro Gomes - até ela parece se render ao poder do mágico das rinhas de galos. O jornalismo prossegue com seu pedantismo e, em alguns casos, conforme mostrou o Luis Nassif, com o mau-caratismo, cujo maior exemplo é a revista Veja. A publicidade, ora traz o sonho de consumo embalados nos carrões em alta velocidade, ora nas mulheres semi-nuas servidas nas bandejas de cerveja, ora traz os bons mocinhos fazendo as propaganda dos bancos como o símbolo mais puro da responsabilidade sócio-ambiental. É de gargalhar. Banco salvando o planeta, salvando a vida. Os lucros do capital financeiro no nosso país, um dos mais desiguais do planeta, é um escândalo, é um atentado contra a dignidade humana. O que se salva e nos salva é o cinema. E o cinema brasileiro vai muito bem.
Mas voltando à campanha publicitária contra a homofobia, fomos buscar na história alguns homens e mulheres que marcaram a trajetória da humanidade e que vivenciaram relações homoafetivas. A lista é grande. De Alexandre – O Grande, Leonardo da Vinci, Sócrates a Frida Kahlo, Marguerite Yource, Virgínia Woolf. E é sobre Virgínia que quero falar.


Virgínia Woolf
Virgínia Woolf me chama atenção há muito tempo. Ela foi uma das mais importantes escritoras britânicas, romancista, crítica literária e uma das pioneiras do Modernismo inglês. Publicou 9 romances e 4 coleções de contos. Deixou mais de 2000 ensaios coletados, escritos sobre literatura, arte, a questão feminina e o pacifismo.
Filha de um editor, frequentou desde cedo o mundo literário. Ajudou a formar famoso grupo de Bloomsbury, círculo de importantes intelectuais que investiu contra as tradições literárias, políticas e sociais da era vitoriana.
Fez conferências para estudantes dos grandes colégios femininos de Cambridge, nas quais mostra sua verve feminista. A vida desta escritora brilhante está no filme The Hours, que tem no elenco atrizes espetaculares, Nicole Kidman, que pela atuação no filme ganhou o Oscar de melhor atriz, Meryl Streep, Julianne Moore. Entretanto, o filme foi alvo de muitas críticas, inclusive da biógrafa da escritora, Hermione Lee.
Uma estudiosa brasileira da obra de Woolf, Vera Lima, diz que "em nenhum momento, o filme deixa entrever o interesse pelo mundo fora de si mesma, que constituía uma das fontes de matéria-prima de suas criações, ou a doçura e a afabilidade que animavam o caráter da escritora”. Ou seja, Vírgínia não era uma coisa só, assim como ninguém é. Nem tampouco somos feitos em camadas, como as vezes o pensamento determinista insiste em nos dizer. Virgínia consta da relação dos bipolares famosos. Mas isso pouco importa, o que vale é a sua obra, a sua postura, o seu ser complexo. As angústias de ser bipolar ou a sua morte anunciada várias vezes e concretizada com a entrega às águas de um rio em fúria fazem parte de um viver diferente que a normalidade rejeita com seus códigos, discursos e regras morais. É nas tramas da vida, na sua diversidade, nas suas angústias, no mergulho na dor, no êxtase das paixões que alguns e algumas vão tecendo o arco-íris criativo da existência humana. Viver é lilás, é azul, é magenta, é vermelho, mas às vezes também é cinza...e, quando cinza, talvez as águas em fúria sejam o início do arco-íris.

Fragmentos de Virgínia

"Uma vez conformado, uma vez feito o que outras pessoas fazem só porque fazem, e uma letargia infiltra-se em todos os nervos mais finos e faculdades da alma. Ela se torna todo o espetáculo externo e vazio interior; estúpida, rígida e indiferente."

"Esta alma, ou vida dentro de nós, sem opção concorda com a vida exterior. Se alguém tiver a coragem de perguntá-la o que pensa, ela está sempre dizendo exatamente o oposto do que as outras pessoas dizem."

"As coisas se desprenderam de mim. Eu prolonguei certos desejos; eu perdi amigos, alguns para a morte... outros pela incapacidade de atravessar a rua."

"As mulheres serviram todos estes séculos como espelhos possuindo o poder de refletir a figura do homem duas vezes maior que seu tamanho natural."

Gal - Paula e Bebeto

Qualquer maneira de amor vale a pena

Shirle de Moraes - Paula e Bebeto

Qualquer maneira de amor vale a pena




sexta-feira, 28 de março de 2008

Uma noite na confraria das bruxas: lançamento do livro Gênero e Políticas Públicas


Um novo livro chega às livrarias. Traz todas as nuances do lilás e a força das palavras com o rigor científico necessário na abordagem da questão da mulher e políticas públicas. Apresenta uma coletânea de artigos que discutem desde violência, turismo e exploração sexual de crianças e adolescentes, sistema de cotas nas eleições até o direito das mulheres à posse da terra. As organizadoras da obra são Jacy Curado, professora da UCDB e Daniela Auad, professora da Universidade Federal de São Paulo. Duas grandes estudiosas, feministas e protagonistas de projetos e intervenções na área da igualdade de gênero, além de belas, inteligentes, sensíveis e senhoras à frente do nosso tempo. O livro é resultado do único curso de Pós-Graduação em Gênero e Políticas Públicas da América Latina e vai ser levado não só para as universidades do País, mas também da Europa, por ser inédito e por ser produzido com excelência acadêmica.
O lançamento do livro Gênero e Políticas Públicas hoje, à noite, foi emocionante. Primeiro porque reencontrei muitos amigos e amigas que, de uma forma ou de outra, têm uma relação afetiva com o livro. Depois porque, movida pela inspiração das bruxas e das deusas, com alma, paixão e útero, fiz a criação da capa, fazendo com que o lilás em movimento desse formas aos desafios femininos neste novo milênio. E lá, nas palavras, na organização do conhecimento, na leitura e na interpretação da realidade à luz da teoria, estavam companheiras que ousaram construir na história de Mato Grosso do Sul iniciativas, projetos e movimentos que pautaram a questão da mulher nas políticas públicas de Mato Grosso do Sul, especialmente a partir de 1999. Entre elas, Bárbara, Sandra, Marlene, Rosana (...e Maria Rosana, uma ausência percebida), que insurgem e ajudam a desmoronar o dualismo platônico mente/corpo, razão/emoção, que foi a base do pensamento ocidental cartesiano, fazendo a racionalização do exercício do poder expresso nas relações binárias senhor/escravo, homem/mulher, opressor/oprimido.
Enfim, nesta noite, participei de uma verdadeira confraria das bruxas contemporâneas, que deliciosamente serviram a poção mágica do conhecimento, nos dando força para prosseguir com a nossa rebeldia necessária, transgredindo aquilo que nos oprime, construindo e reconstruindo pensamentos, idéias e práticas.
E foi nessa confraria que conheci Daniela Auad. Que bruxa linda! Que mulher marcante pela inteligência e pela transgressão! E a noite não podia acabar de uma forma melhor. Ao sair do Museu das Nações Indígenas, dei de cara com uma grande reunião de capivaras, de todos os tamanhos e de todas as idades. Elas dormiam sob a luz calma da lua minguante, entre o verde escuro do Parque das Nações. Uma noite abençoada pelas deusas e bruxas.



Musa Híbrida - Caetano

quinta-feira, 27 de março de 2008

Cinema, Política e História



* Mario Doraci

Vende-se arte. A arte sempre teve um preço. O cinema, os quadros, as pinturas, as exposições plásticas, a música, a dança e o teatro. Assim vive a humanidade depois que o mundo é feito de gente. A arte nos enriquece, nos emociona fazendo rir ou chorar, nos passa algo sensível e amável. Aprendemos com ela. O cinema…por falar em cinema, os irmãos Auguste e Louis Lumière (1862-1954/1864-1948) descobriram esta magnífica forma de entrar no imaginário humano com sensações de aventura, de amor e de humor para recontar episódios da vida dos outros e do cotidiano. La vie des autres (A vida dos outros) mostra a forma de interrogar de uma escola dos alemães que impuseram o nazismo para conter o socialismo na Alemanha. O filme pega um caso particular do controle da vida alheia. E mais ou menos o mesmo método utilizado pela KGB na ex-URSS, pelo Chile com o DIVA (Departamento de Investigações da Vida Alheia) ou o SNI brasileiro que todos conhecem en passant, mas não sabem do que eles eram capazes. Na França há judeus para todo quanto é canto, no parlamento, no mundo literário e principalmente nos negócios…eles são os pais do capitalismo atual. Na Europa, apesar de 60 anos depois, a história do holocausto está presente - presente na imprensa, na vida dos descendentes e dos que conseguiram escapar andando somente de noite durante vários dias para alcançar a fronteira de países vizinhos. Há quatro anos o Ministério dos Transportes, ainda na era Jacques Chirac, quis inovar com uma exposição na avenida mais bela do mundo, o Champs Elysées, com os trens. Lógico, o TGV, as primeiras máquinas, o avanço de tudo que diz respeito ao progresso nesta área…mas como não podia deixar de faltar, um dos trens de carga, que serviu para enviar crianças, mulheres e famílias inteiras para Auschwitz, Sobibor, Birkenau, Monowitz, também estava lá…Aquele trem, se falasse, poderia contar quantas centenas de milhares de pessoas carregou pra câmara de gás com promessas alemãs de irem ao leste pra trabalhar… Entrada principal do principal campo de Auschwitz porque havia três Auschwitz. Entrada do inferno ou sala de espera do céu. O cinema francês ajuda a manter viva esta história também porque os judeus de hoje financiam qualquer projeto sério neste sentido, embora este filme tenha sido produzido por alemães. A comunidade internacional se comoveu a favor dos judeus, da pilhagem de seus bens, da falta de uma pátria, de um chão, de uma terra. E o Estado de Israel foi criado...mas nem tudo é luz na cidade Lumière, nem tudo resplende e brilha na moral dos homens. Hoje há um conflito entre os palestinos e o poder político e militar de Israel. Todos se comovem por Israel, talvez porque eles foram vítimas de um genocídio, porque é a Pátria citada por Jesus que também era judeu e foi morto por um complô dos judeus. A vida dos outros, daqueles que vivem na Cisjordânia, na faixa de Gaza, também é importante, mas a eles não se dá a mínima. Enfim, cinema, arte e política, por mais que queiram se manter desligadas, estão unidas pelo cordão financeiro do capital e da historia.

* Mario Doraci é jornalista sul-matogrossense, Mestre em Ciências Políticas da Comunicação, doutorando em Ciências Políticas e Sociologia, em Paris.
Rosa de Hiroshima - Ney Mato Grosso

quarta-feira, 26 de março de 2008

Lua Cheia, Dalai Lama e a paz necessária no Tibet, aqui e em mim


Dalai Lama e lua cheia. Duas referências de paz para a minha mente tão inquieta. Duas fontes de luz que acalmaram as minhas noites na semana passada. A lua cheia, grávida de amor, me fez parar o carro, respirar fundo, sentir o silêncio das estrelas e agradecer aos deuses e às deusas por aquele momento. Dalai Lama me encheu de forças pela sua capacidade de mostrar que paz não é ausência de conflito e que a insurgência também é sabedoria. A sua postura na defesa da autonomia do povo tibetano é íntegra, sábia e profética.
O desejo de experimentar essa paz silenciosa tem me acompanhado nas últimas semanas. Tenho tentado ficar menos tempo diante do computador, apenas o necessário que a minha profissão exige e que a minha alma necessita para se alimentar do amor, insurgência e conhecimento dos meus amigos, dos sábios, dos poetas e dos artistas. Confesso que o ciberespaço, as redes e as novas tecnologias me atraem de forma absurda. Por isso, tenho me disciplinado abrir menos no orkut e os e-mails pessoais. Começo a pensar na possibilidade de dedicar uma parte do meu tempo a retomada de algum tipo de militância, como fiz durante toda a minha vida. Porém, agora, não mais num partido político, mas em algum movimento que consiga reacender e manter viva a minha esperança teimosa. Tenho me esforçado a reaprender a ver beleza e sentido nas pequenas coisas e a experimentar por mais tempo a felicidade, que sempre me escapa das mãos e do coração.
Isso ficou tão vivo e latente no domingo, depois que assisti ao filme Antes de Partir, que retrata a essência da dialética humana: vida-morte-renascer. Um filme que me fez sair do cinema lembrando do que afirma Fernando Pessoa: "Há um tempo em que é preciso abandonar as
roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
Esse sentido da vida é abordado com maestria pelo Chico Alencar, no texto que posto abaixo. Um texto que me deu uma boa chocalhada.


PÁSCOA, UM MOMENTO DE REFLEXÃO!
* por Chico Alencar


Semana Santa é provocação à meditação sobre o sentido da existência. Por isso tem um valor universal - imanente e transcendente - que ultrapassa os limites das instituições religiosas cristãs. Mas o próprio cristianismo dá uma contribuição perene para a caminhada humana no planeta, mesmo para aqueles que não consideram o profeta da Galiléia, filho de Maria e José, como encarnação de Deus.A dialética vida-morte-ressurreição está presente a todo momento em nossa trajetória. Perceber, como pede o poeta Hermínio Bello de Carvalho, que "a vida não é só isso que se vê/ é um pouco mais/ que os olhos não conseguem perceber/ as mãos não ousam tocar/ os pés recusam pisar", é dar uma saudável dimensão sagrada à materialidade humana. Somos seres em formação, em processo de humanização, feitos de ensaios e erros, de lama e luz.Vida, "sempre desejada por mais que esteja errada" (Gonzaguinha), é sopro de beleza. É o bem maior que se recebe. Mas ela é necessariamente gregária, social. Nosso destino é ser: ser-com-os-outros.Morte é a negação da vida. O maior pecado social hoje, é o egoísmo produzido em série. O sistema capitalista move-se pelo individualismo e pela competição. Nele, os gestos fraternos e solidários valem bem pouco. Reproduzo aqui um trecho de magistral crônica de Arnaldo Bloch, (O Globo, 26/01/2008) em que comentava o excelente filme "A culpa é do Fidel": "No Brasil, depois do fiasco moral da experiência petista, as direitas espumantes, em reação violenta, mergulham como urubus em carniças, em qualquer discurso que pregue algum tipo de consciência distributiva, em qualquer ideal que não seja o de submissão rastejante ao mercado.Ao mesmo tempo, o culto à experiência individual deslocada paira acima de qualquer integração fora do modelo competitivo, do jogo, do paredão, do Orkut, das sondagens, dos percentuais que tudo fingem dizer sobre tudo, das verdades determinadas em tempo real e totemizadas para serem deletadas logo mais, pois nada dizem, nada além valem do gozo aguado/valor agregado no pote global do entretenimento.Espírito de grupo, hoje - com exceção de parcas experiências que nascem espontaneamente da sociedade civil -, só vale e funciona mesmo quando é lobby empresarial ou religioso, formação de quadrilha, marketing de rede. Ou então aquelas iniciativas motivacionais de RH pós-nipônicas que invadem as empresas e incutem na cabeça do funcionariado a idéia de que ele vive, naquela organização, algum tipo de processo místico de crescimento pessoal através da força coletiva, em que a meta alcançada corresponde quase a uma passagem de casta espiritual".Cremos na ressurreição, na Páscoa, na passagem da morte para a vida, na teimosia da utopia, na força revolucionária do Amor, numa outra Humanidade possível.O ovo, seu símbolo, "guarda um sol ocluso: o que vai viver espera" (Adélia Prado).Uma Páscoa de superação de trevas e vida renovada na esperança e na solidariedade para todos.

* Chico Alencar é professor, historiador e deputado federal do PSol/RJ
Enya - May it be

terça-feira, 25 de março de 2008

Zé Dirceu derruba a censura contra a Maria-Sem-Vergonha

Foto: Portal Vermelho

Gente, o gatão do Zé Dirceu derrubou a censura. A minha amiga Miti descobriu e eu fui lá conferir. Os posts da Maria-sem-vergonha foram publicados hoje mesmo no blog do Zé, inteirinhos, até com os erros de digitação, com um atraso de "apenas" 36 horas. A Maria está podendo, está toda, toda...Reclamar, espernear, falar e botar a boca no trombone, às vezes, funciona.
Na polêmica, várias amigas também fizeram coro aos elogios da Maria. Apenas um tucanóide contestou e reclamou. A Miti, com toda razão, lembrou que o bom mesmo é o Chico Alencar (que eu amo e admiro de paixão). O restante reafirmou que o caramada é gato. A Kelly, a mais sapeca, chegou a dizer: "Também acho aquele homem um gato!!! Dígno de ser devorado, tal Caetano ao Cappri". hehehehehehe! Hoje, isso aqui virou o maior coreto. É, podem falar o que quiser, mas que ele é, É MESMO. Quem desejar conhecer o espaço virtual do Zé Dirceu, o caminho é este:http://www.zedirceu.com.br/ E se o comentário com críticas não for publicado, faça como a Maria: reclame.

Mais Cazuza - Exagerado
Hoje, acordei e vou dormir ouvindo Cazuza. Adoro a música "Exagerado". A minha alma é assim: exagerada, jogada a seus pés com mil rosas roubadas.

O Clip acima é parte do filme Cazuza - Eu preciso dizer que te amo

Barão Vermelho - Eclipse Oculto

segunda-feira, 24 de março de 2008

Maria-sem-vergonha censurada pelo Zé Dirceu


Gente, ontem, pela primeira vez, a Maria-sem-vergonha foi visitar o blog do Zé Dirceu. É. O Zé Dirceu mesmo. Foi lá de coração aberto para ler as opiniões do Zé sobre o Brasil. Não adianta torcer o nariz. A Maria-sem-vergonha acha o Zé um gato, ou melhor, um gatão, charmoso (só não gosta do sotaque de caipira, mas daqueles cabelos grisalhos...hum! E ele de óculos escuros. Nossa! ). Espere aí, gente, ninguém pode negar que o cara é muito inteligente, determinado, corajoso, arrojado e foi um lutador (tá certo que comandou o PT com mão de ferro, chegou no Palácio do Planalto já picado pela mosca azul, aliás todo mundo deveria ler o livro A Mosca Azul, do frei Betto)..me lembro dele sempre nessa foto clássica do movimento estudantil...movimento estudantil me lembra sempre revolução, mudança, transformação...me lembro do Henfil e da retomada da UNE com a nossa chapa “Pra sair dessa maré”.., mas voltando ao Zé Dirceu e à Maria-sem-vergonha, ela imaginou que iria chegar lá e ver um blog no estilo dos blogs dos seres normais. Primeiro engano. Lá estava o blog enquadrado, engessado num site. Claro, , Maria-sem-vergonha? Ele é o Zé Dirceu, o homem mais forte do governo Lula até aquela merda toda acontecer. E que merda! Zé Dirceu é Zé Dirceu (gato demais). Mesmo, assim, a Maria-sem-vergonha deixou a timidez de lado, leu os posts e, atrevida do jeito que é, decidiu deixar um comentário para o Zé. No início ficou na dúvida: será que o Zé lê o que deixam escrito para ele? Será que é ele mesmo que administra o blog ou será que são os assessores, na maioria das vezes puxa-sacos que não gostam de ver o chefe chateado? Acho um porre puxa-saco, porre e brega. Na dúvida, a nossa Maria ultrapassou o sinal, claro, e deixou um comentário sobre a Reforma Tributária...um post lindo, palavras bonitas, sem xingamento, alto nível...A Maria-sem-vergonha até se sentiu uma intelectual, discutindo cobrança do ICMS no destino, propondo uma maior taxação dos lucros, principalmente, do capital financeiro...pobrezita, chegou a propor até a desoneração do consumo, afinal, no Brasil, quem mais paga imposto é pobre. Maria-sem-vergonha dormiu radiante, mas eis que hoje ao voltar ao blog do Zé: que frustração! O seu comentário não estava lá, não foi para o ar. Ficou pensando: "putz! Será censura? " Não, Maria, foi só um descuido do Zé...também você foi logo falando de igual para igual, não derramou elogios, chamou até ele de Zé...Você, heim!
Maria, desavergonhadamente, foi lá e deixou um outro post. Desta vez, primeiro elogiou a política externa do governo Lula e, depois, foi logo reclamando de dedo do tratamento dado a ela pelo Zé... e ainda convidou-o a visitá-la aqui...Até se atreveu a falar que em blog o que vale é a interação criativa, a diversidade, a pluralidade, o encontro das idéias ora divergentes, ora convergentes...Essa Maria! Ela se acha...ou será que é o Zé que se acha??? É, o Zé é o Zé...um gatão, bem felino.
Ideologia - Cazuza

A Vida dos Outros: o cinema no olhar de quem atua nos palcos

Foto:
ADELIAS por J. Ravedutti
Projeto Funarte
Peça dirigida por Nill Amaral


* Por Nill Amaral


Um ministro da Alemanha Oriental ordena que o maior dramaturgo do país seja vigiado pelo serviço secreto, apesar de nada haver contra ele. Num primeiro momento, parece que estamos diante de um filme político, frio, lento e cansativo. A Vida dos Outros não é (apenas) político, não é frio, tão pouco cansativo, nada disso. O filme “é mais que um filme”. Aos poucos, se percebe que o grande trunfo do filme, está na narrativa, poderia se dizer “fria”, lenta, com cores que revelam as camadas de cada frase dita e burilada pelo diretor, mérito dele, com certeza. Na realidade, o cineasta utiliza os primeiros minutos da ação para jogar o espectador no sombrio mundo da ausência total de liberdade. Tudo é escuro, mecânico, quase sem sentimentos. Deste universo cinzento e metálico, emerge a depressiva figura do capitão Gerd, agente especial da polícia secreta da Alemanha Oriental que tem como única finalidade servir cegamente ao seu totalitário país. Seu rosto é impassível, sua fala é monocórdica, seu apartamento é de uma tristeza estéril. Gerd desafoga as tensões contratando uma prostituta tão mecânica e friamente profissional quanto ele. Do outro lado da vida, está Georg, um homem das artes, diretor de teatro apaixonado pela namorada Christa , que tem a rara habilidade de se equilibrar habilmente entre a liberdade dos palcos e a opressão da ditadura. O que une estes homens tão diferentes e de nomes tão parecidos é um punhado de escutas clandestinas instaladas no apartamento de Georg. Quanto mais Gerd ouve e percebe a vida de Georg, mais ele mergulha num inesperado mar de sensações antes impensadas. Georg age como instrumento modificador de Gerd, mesmo sem ter a mínima consciência disso. Os fios que unem microfones e fones de ouvido desta escuta tão vil acabam funcionando com um cordão umbilical entre os personagens.
A pergunta que fiz ao sair do cinema será que o personagem foi se transformando a partir da leitura de um poema de Brecht? Eu mesmo respondi, sim, sim, foi essa a transformação visilmente estampada na trajetória desse personagem.




* Nill Amaral é ator, dramaturgo e diretor de teatro. Atuou nos palcos do Rio de Janeiro e São Paulo. Em Campo Grande dirigiu Adélia, um projeto desenvolvido no Presídio Feminino, e No Gosto Doce e Amargo das Coisas de Que Somos Feitos, com base na Obra de Clarice Lispector.

domingo, 23 de março de 2008

Encontros na poesia

Foto: Malu
Caminito - La Boca - Argentina
Registro da viagem de Malu, Natal e
Macarrão a Argentina
"...caminito amigo,
yo también me voy...
Caminito que todas
las tardes feliz
recorría cantando mi amor..."


Existem pessoas que nos visitam e enchem o nosso coração de alegria. Aqui, no Maria-sem-vergonha tenho experimentado doces encontros. Hoje, foi a vez de Maristela Brunetto, uma jornalista especial que, agora, leva a sua competência para o mundo do Direito. Perde o Jornalismo, ganha a Justiça. Além da visita, Maristela me mandou poemas de sua autoria. Que bela surpresa! Palavras vão ganhando forma, presenças, ausências, sentimentos, poesia...

Maristela Brunetto

Porque você deixou se passar tanto tempo
Foi uma eternidade
Suficiente para tanto virar tão pouco
Seu rosto, seu olhar, seu sorriso forte
Agora são uma imagem disfusa, fora de foco
Seu cheiro se dissipou
Seu sabor não mora mais na minha boca
Suas mãos, seus toques
Uma sensação distante
Nossa confusão a dois, misturados,

conjugados em um só
Por tantas vezes
O que viramos? Chegamos a ser um Nós?
Hoje temos dois pronomes: eu, você
Não há nós.Tudo tão implacável
Restamos cada um para o seu lado.

Atilla József


E um outro encontro com a poesia neste domingo me fez feliz: Atilla József (1905-1937). Ele viveu apenas 32 anos, mas tempo suficiente para se tornar um dos mais importantes poetas húngaros do século XX. Filho de um operário romeno e de uma lavadeira, József conheceu cedo a dor da miséria e do abandono. O pai deixou a família quando ele tinha apenas três anos de idade. A sua mãe faleceu quando József estava com quatorze anos. Publicou o seu primeiro volume de poesia aos 17 na principal revista literária húngara, Nyagat. Aos 19 anos ingressou, na Universidade de Szeged para estudar literatura francesa e húngara, mas foi expulso no ano seguinte devido a publicação do poema “Com um Coração Puro” (“With a Pure Heart”). Depois da expulsão, parte para Viena, em seguida para Paris, onde é admitido na Sorbonne. Em 1927 volta a Budapest e passa a militar no clandestino Partido Comunista. Em face das suas críticas ao Partido, foi expulso do PC em 1930. Este acontecimento marca um período de crescente depressão. Apesar de vários períodos de tratamento Attila József atirou-se para baixo de um comboio no dia 3 de Dezembro de 1937.
(fonte: http://livrariapodoslivros.blogspot.com/2008/02/attila-jzsef.html)

Rato primitivo espalha praga entre nós:
pensamento impensado
Rói adentro todo o nosso alimento
e corre de um homem ao outro.
Por isso o beberrão ignora que ao afogar as mágoas em champanhe
engole em seco o insípido caldo
do pobre apavorado.

E já que a razão falha em exigir
direitos fecundos das nações
nova infância se levanta a incitar
as raças umas contra as outras.
A opressão grasna em esquadrões,
aterra no coração vivo, como em carniça -
e a miséria escorre pelo mundo todo,
tal qual a baba no rosto de idiotas.

tradução de Lucienne Scalso

BADI ASSAD - Ai Que Saudade D'ocê
Ela arrasa na voz, no violão, nos sons, nos tons...estupendo. Badi encanta Nova Iorque. Você precisa conhecê-la.

sábado, 22 de março de 2008


Nova Coleção da Maria do Povo

Está linda, colorida, leve e solta a nova coleção da Maria do Povo. Estou encantada com os vestidos que, com fitas, cores e tecidos alternativos, vão deixar o outono mais tropical. As bolsas, então, surpreendem: bordados com rostos do Che Guevara, Nega Maluca e muitos detalhes com xadrez. Quando entro no ateliê da Kelly respiro criatividade, beleza e uma harmonia subversiva. Vale à pena conferir.

Filme: A vida o Outro

Ainda não fui ainda assistir a esse filme, mas confio na indicação do meu amigo Nill Amaral, diretor de teatro arrojado, movido por tesão, paixão e grande profissionalismo, que, em breve, estará novamente com seus espetáculos nos palcos de Campo Grande. Estarei neste fim de semana na platéia do Cine Cultura. Aliás, aquele cinema é muito confortável e tem uma ótima programação, mas infelizmente é pouco frequentado. É, fazer cultura na terra do boi não é fácil. Já os shows dos agroboys lotam.
Sinopse: Nos anos 80, quando a Alemanha ainda era dividida pelo Muro de Berlim, o bem-sucedido dramaturgo Georg Dreyman (Sebastian Koch) e sua companheira, a famosa atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), vivem em meio à elite intelectual da Alemanha Oriental. Quando o Ministro da Cultura (Thomas Thieme) interessa-se pela atriz, o agente do serviço secreto Wiesler (Ulrich Mühe) recebe a missão de observar o casal, passando a achar suas vidas e personalidades cada vez mais fascinantes.

Livro: Os melhores contos de Loucura

Todas as vezes que viajo, não coloco na bagagem os livros que estou lendo. Pratico um ritual há muito anos: adquirir um livro novo nas livrarias dos aeroportos ou nas livrarias das cidades que visito. Assim tenho a sensação de estar acompanhada de um novo amigo e, por isso, experimento toda magia do encanto, das descobertas, da conquista. Na última viagem ao Rio, comprei no Aeroporto Santos Dumont o livro Os melhores Contos de Loucura, organizado por Flavio Moreira da Costa. Ele traz uma seleção de contos (alguns inéditos) que apresentam a literatura como tema e a loucura como um fio condutor. Um encontro antológico que reúne Machado de Assis, Van Gogh, Luigi Pirandello, João do Rio, Antonin Artaud, Bukowski, entre outros. Na obra, você poderá experimentar sentimentos diversos e até alguns delírios, misturando risos, angústias, inquietudes, tristeza... Ah, a loucura humana! Em alguns casos, a loucura é tão viva na genialidade, tão necessária. Basta ver a obra de Van Gogh, Artaud.


Blog do Luis Nassif - Dossiê Veja

Não deixe de conhecer o blog do Luis Nassif e ler o dossiê sobre a revista Veja. É uma verdadeira aula sobre como esse periódico se transformou em algo bem abaixo de um panfleto, um exemplo de anti-jornalismo. “O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.” Luis Nassif

Para quem passou pelo Maria-Sem-vergonha e reclamou dos comentários que fizemos sobre a postura de Veja, a leitura do dossiê do Nassif é obrigatória. http://www.projetobr.com.br/web/blog/5


Música: Dueto - Chico Buarque e Paula Toller
Autoria: Chico Buarque

Consta nos astros, nos signos, nos búzios
Eu li num anúncio, eu vi no espelho, tá lá no evangelho, garantem os orixás
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos autos, nas bulas, nos dogmas
Eu fiz uma tese, eu li num tratado, está computado nos dados oficiais
Serás o meu amor, serás a minha paz
Mas se a ciência provar o contrário, e se o calendário nos contrariar
Mas se o destino insistir em nos separar
Danem-se os astros, os autos, os signos, os dogmas
Os búzios, as bulas, anúncios, tratados, ciganas, projetos
Profetas, sinopses, espelhos, conselhos
Se dane o evangelho e todos os orixás
Serás o meu amor, serás, amor, a minha paz
Consta na pauta, no Karma, na carne, passou na novela
Está no seguro, pixaram no muro, mandei fazer um cartaz
Serás o meu amor, serás a minha paz
Consta nos mapas, nos lábios, nos lápis
Consta nos Ovnis, no Pravda, na Vodca

Anjos e Judas desta Sexta-feira Santa

Foto: Sebastião Salgado
Hoje, Sexta-feira Santa, a memória me levou até a infância em Ivinhema. Dois acon-tecimentos marcavam esta data tão cristã, tão católica. Uma era a procissão com seus anjos e o Cristo na cruz. Sonhava em me vestir de anjo, com as asas brancas decoradas com papel crepom. Desde pequena, tenho uma curiosidade aguçada para desbravar e fazer descobertas não só o mundo dos humanos, mas também o mundo do “sagrado”, mas só consigo ir até o limite da nossa galáxia, a Via Láctea.
O outro acontecimento era a malhação de Judas no Sábado de Aleluia, um costume trazido pelos portugueses. Sempre ajudava o meu pai a construir o boneco a ser malhado, geralmente, confeccionávamos com cabeça de mamão e roupas velhas. Hoje, assistindo ao Jornal Nacional, essas duas imagens tão antagônicas – anjo e Judas – me apareceram simultaneamente, quando vi uma criança de oito meses ser enterrada num caixão branco, era um anjinho. Ela fora mais uma vítima do descaso brasileiro com a saúde pública. Vítima da dengue, a pequena e milhares de outros brasileiros, como o meu próprio filho fora no ano passado, pagam caro pela falta de seriedade no combate a uma epidemia característica de país subdesenvolvido. A dengue, a febre amarela e a leishimaniose são doenças que já tinham sido erradicadas, mas voltam com toda força não só por causa da crescente urbanização, do desmatamento, mas principalmente pela ineficiência das campanhas e ações preventivas, cujas verbas escassas acabam em outras contas. A morte pode ser anunciada não só pela picada do mosquito transmissor, mas também pela falta de atendimento nas unidades de saúde pública, sempre lotadas, sem número de médicos e profissionais de saúde suficientes. A morte do bebê, a dor e o lamento da sua mãe, o desespero de outros pais nas filas de atendimento nos remetem às chagas de milhões de brasileiros que carregam as cruzes das injustiças e das desigualdades. Fiquei pensando na lista de judas que deveríamos malhar neste Sábado de Aleluia.
E por falar em anjos, deixo abaixo um trecho do filme Anjos do Sol, de Rudi Lagemann, que aborda a prostituição e a exploração sexual de crianças e adolescentes, uma realidade vergonhosa que ainda rouba os sonhos e os futuros dos nossos meninos e meninas. E ainda tem gente que está preocupada em escrever sobre a jaqueta do presidente da República.
Filme Anjos do Sol

quarta-feira, 19 de março de 2008

Um Lugar na Platéia no Cine Cultura - vale a pena você procurar o seu


Para quem gosta de cinema. Para quem tem paixão por Paris, mesmo sem conhecê-la como é o meu caso. Para quem só de ouvir os nomes de Sartre, Simone de Beauvoir, Truffaut, Depardieu, Binoche fica com os olhos brilhando, não pode deixar de escolher o seu lugar no Cine Cultura e assistir a película francesa, de Danièle Thompson, Um Lugar na Platéia. Esses ilustres seres humanos não são personagens do filme, mas são recorrentes as referências a eles, obviamente mantendo uma necessária distância, a exceção da abordagem que faz de Sartre e Beauvoir. Estes ganharam mais destaques e são mostrados de uma forma mais humana, tirando a aura de casal perfeito de intelectuais, exemplos para muitas gerações.
Um lugar na platéia não provoca cargas de adrenalina, não gera muitas gargalhadas, não faz as lágrimas descerem e nem faz a gente sair do cinema repensando profundamente a nossa existência. É um filme bonito, uma comédia-romântica, que, com bom-humor, coloca algumas questões para serem refletidas, principalmente, a dicotomia entre sucesso e felicidade, morte e vida, equilíbrio e loucura. Mas isso sem choques e sem pancadas no estômago. Tudo é muito sereno. Um certo glamour está presente na película, principalmente, no ambiente onde se desenrola a história: a Avenue Montaigne da Paris Cultural, com seus cinemas, teatros, óperas, artes plásticas e televisão. Esse glamour ganha mais luminosidade numa das poucas panorâmicas aéreas da Cidade Luz.
O filme se centra na história de Jéssica, uma jovem interiorana que cuida de sua avó que, no passado, trabalhou no luxuoso Hotel Ritz. A garota chega a Paris e consegue um emprego como garçonete num café na Avenue Montaigne, vizinho a um teatro, uma sala de concertos, uma casa de leilões e o próprio Ritz. Jéssica passa a conviver num cenário de arte e artistas. Todos os protagonistas têm em comum uma data, na qual, simultaneamente, estrearão uma peça e um concerto e será realizado um importante leilão de arte. Com sutileza, alegria e uma certa ingenuidade, a menina consegue ser mais do espectadora dos dramas desses protagonistas:um concertista em crise que deseja mudar de vida e levar a música para a população em geral, para os doentes, para os mais pobres - desejo que esbarra na vida burguesa da sua esposa; uma atriz, estrela de uma novela, que quer desesperadamente um papel no filme que vai narrar a história de Simone de Beauvoir e Sartre; um colecionador de arte que está deixando para trás o legado de uma vida e seu crítico filho incapaz de compreendê-lo; um diretor de Hollywood e outros personagens com suas ambições, egos, frustrações e desejos. A diretora constrói uma colcha de retalhos de personagens que se cruzam, interagem e descobrem outros caminhos.

Um Lugar na Platéia me fez sair do cinema melhor do que entrei. Vale a pena você encontrar o seu lugar na platéia do Cine Cultura.

Piaf - Non, Je Ne Regrette Rien

segunda-feira, 17 de março de 2008

Menino deus, menino índio - filho do sol, luz do arco-íris


Um menino índio fez a dança da chicha no meu coração. Encarnou um ritual de amor sob o arco-íris, incorporando o elo entre o humano e o divino, entre o tangível e o intangível, entre o real e o sonho, anunciando a chegada de uma divindidade. Um pouco de Eros, o deus grego do amor, filho de Zeus e de Afrodite, a deusa que me guia. Um menino deus, com um pé no Olimpo e outro aqui, no mundo dos homens e das mulheres, que lança nos corações humanos flechas de sensibilidade, de encanto, de esperanças libertárias. Menino sol, menino luz, farol a indicar caminhos nas noites sem lua cheia, nas noites sem poesias, sem tertúlias. Menino anjo, mensageiro do sonho de justiça e igualdade, guardião de um outro mundo possível, de um futuro de beleza para humanidade, mesmo que uns ainda teimem em negá-lo.
Menino índio, menino deus, menino sol, menino da cor do arco-íris, menino Dídio, MAIAKÓVSKI para você (Feliz aniversário!)


Estrela - Maikóvski
Escutai! Se as estrelas se acendem
será por que alguém precisa delas?
Por que alguém as quer lá em cima?
Será que alguém por elas clama,
por essas cuspidelas de pérolas?
Ei-lo aqui, pois, sufocado, ao meio-dia,
no coração dos turbilhões de poeira;
ei-lo, pois, que corre para o bom Deus,
temendo chegar atrasado,
e que lhe beija chorando a mão fibrosa.Implora!
Precisa absolutamente
duma estrela lá no alto!Jura!
Que não poderia mais suportar
essa tortura de um céu sem estrelas!
Depois vai-se embora,
atormentado, mas bancando o gaiato
e diz a alguém que passa:
"Muito bem! Assim está melhor agora, não é?
Não tens mais medo, hein?"Escutai, pois!
Se as estrelas se acendem
é porque alguém precisa delas.
É porque, em verdade, é indispensável
que sobre todos os tetos, cada noite,
uma única estrela, pelo menos, se alumie.

O Amor - Maiakóvski

Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos, apareça
numa alameda do zoo, sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela, que, por certo, hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo Século ultrapassará o exame de mil nadas,
que dilaceravam o coração.
Então,
de todo amor não terminado seremos pagos
em enumeráveis noites de estrelas. Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano! Ressuscita-me,
nem que seja só por isso! Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo de casamentos,
concupiscência, salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.
E que, ao primeiro apelo:- Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira. Para viver
livre dos nichos das casa.
Para que doravante
a família seja o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe, pelo menos a Terra.
(ou a mãe seja o Universo e o pai a Terra ou sejamos todos Terra e Universo - Maria-sem-vergonha pede licença ao poeta)

Menino Deus - Caetano Veloso

Por que Fidel e Cuba incomodam tanto?

Estou meio boquiaberta. É. Sabe aquela expressão de “OH!” permanente no rosto? Nunca imaginei que o texto sobre Fidel e a Veja, de autoria da minha dulcíssima amiga Kelli Garcia, fosse dar tanta repercussão e reação aqui no Maria-sem-vergonha. Por que Fidel e Cuba incomodam tanto? Deixo a resposta para Emir Sader na entrevista que publico abaixo. Alguns comentários aqui no coreto virtual beiraram a intolerância, chegando a afirmar que o blog está criando um bando de fundamentalistas e recomendando “usar o nosso tempo dedicado ao ócio, para compartilhar o conhecimento específico em Economia Doméstica, Esportes, Justiça etc com vizinhos, associações de moradores, órgãos de representação de classe e afins”. Digo a esse visitante que ele não nos conhece, não nos conhece mesmo. E, por isso, a sua ignorância será perdoada (ignorância no bom sentido: estado de quem não tem conhecimento de alguma coisa). Ao comentário dessa pessoa respondi: “temos uma história de atuação em defesa dos direitos humanos, especialmente, em defesa daqueles e daquelas que a sociedade capitalista joga literalmente no lixo. Uma coisa que aprendi desde cedo é enxergar o que está diante do meu nariz, sou filha de um retirante nordestino, um sobrevivente da fome e da cerca...sei muito bem o que é ser filha da miséria, por isso olho o mundo a partir da minha aldeia...Este blog existe para falar sobre tudo, basta você olhar os textos postados...falo da minha aldeia e falo de outras aldeias, inclusive sobre Cuba, isla hermosa, ...aqui nada é proibido...volte sempre que desejar...”
Acrescento: É, claro, que esse “aqui nada é probido” tem limites e tem que ter mesmo. Nunca será publicado um texto em defesa do machismo, do sexismo, do capitalismo, do etnocentrismo, do racismo, da pena de morte, da homofobia, da misoginia, do fundamentalismo, da ditadura da economia de mercado, da ditadura da beleza, das desigualdades sociais e econômicas, da exploração sexual de crianças e adolescentes e muito menos do jornalismo abaixo de panfleto praticado, por exemplo, pela Revista Veja. Acrescento mais:
E quanto ao tempo que dedicamos a escrever, brindar, contestar, protestar, amar e se deliciar com poesias, história, arte e cultura, isso é um privilégio nosso, um privilégio de quem sabe experimentar e democratizar as novas tecnologias, acreditando, sim, que o ciberespaço é um espaço que vai além da interação social e que pode, inclusive, ajudar na revolução das idéias. Sinto muito se algumas pessoas ainda têm um pensamento linear, do início do século passado. Posso usar minhas madrugadas para escrever e fazer o quiser, afinal enquanto muitos ficavam em casa sonhando em obter sucesso com suas carreiras ou em se tornar fazendeiro ou ganhar na mega-sena ou em comprar o carro do ano, eu usava meus dias, noites e madrugadas na luta pela democracia, não por essa democracia burguesa, mas por uma democracia plena: social, política, econômica e cultural.
Quanto à Cuba, Fidel e o povo Cubano sempre terão o nosso respeito, admiração e destaque. Fica aqui uma entrevista de Emir Sader, doutor em Ciências Políticas, na qual fala sobre a renúncia de Fidel e sobre o destino de Cuba - Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Atualmente, Sader atua como coordenador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais e é professor da Universidade de Oxford e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).


IHU On-Line – Pensando na perspectiva da esquerda latino-americana e mundial, quais são os aspectos do pensamento de Fidel que o senhor considera ainda hoje pertinentes?

Emir Sader – Pode-se falar de uma esquerda latino-americana de antes e depois de Cuba e Fidel. Ele introduziu a questão do socialismo no coração da América Latina, na vigilância dos Estados Unidos. Também introduziu questões fundamentais, como a de que apenas uma sociedade não fundada no mercado pode terminar com o analfabetismo, universalizar direitos de saúde, de educação e culturais para toda a população. Isso tudo fazendo com que um pequeno país sem grandes produtos de exportação, com baixo valor de carteira no mercado internacional, pudesse ter a projeção que teve. Essa é a posição interna. Cuba acredita que deve seguir sendo o país mais solidário do mundo, uma referência em saúde no mundo todo e o que tem mais médicos trabalhando ativamente fora do país. Isso para não falar na escola latino-americana de Medicina, que está formando as primeiras gerações de médicos pobres, provenientes inclusive do Brasil. Possui também a Operação Milagre, que é a recuperação de milhões de latino-americanos de forma gratuita. A sociedade cubana tem um grande espírito de solidariedade totalmente contraditório com o espírito mercantil que o capitalismo difunde pelo mundo afora. Então, o Fidel é um marco da história da América Latina, da história da periferia do capitalismo.

IHU On-Line – O que significa a renúncia de Fidel para a América Latina?


Emir Sader – Na verdade, a renúncia veio a partir de uma transição, pois o Fidel foi deixando aos poucos de assumir funções. A renúncia foi só uma formalização. Significa que a América Latina hoje não pode preferir Cuba. Na verdade, ela tem outros regimes que estão construindo sociedades alternativas, como Equador, Bolívia, Venezuela, e que estão na esteira, no caminho que foi plantado por Fidel. Então, a atualização dele hoje é a atualização presente, por exemplo, na ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), em que se constrói a experiência mais avançada, aquela que o Fórum Social Mundial pregava: a de um comércio justo, em que cada país oferece o que tem e recebe o que necessita, e assim por diante. Tudo isso feito a partir desse espírito de solidariedade que contém. Então, o Fidel se retira, mas a presença do que ele sonhou é constante, ou seja, continua contemporâneo na América Latina. Esse é um final de carreira digno de quem construiu uma trajetória extraordinária.

IHU On-Line – Podemos esperar algum tipo de mudança na forma de Raul Castro conduzir a política cubana e as articulações com os outros países da América Latina?

Emir Sader – Nada significativo.

IHU On-Line – A renúncia de Fidel tem relação com a nova estrutura da esquerda na América Latina, que está sendo chamada de Nova Esquerda?

Emir Sader – Não, não tem nenhuma relação. A história específica da esquerda na América Latina não tem ligação com a renúncia de Fidel. A renúncia de Fidel representa a continuidade do sistema político mais além do seu grande líder fundador, não mais do que isso. Fidel já instruiu aqueles que irão dirigir a Revolução Cubana.

IHU On-Line – De que forma a renúncia de Fidel pode influenciar a esquerda atual que está se formando na América Latina?

Emir Sader – Fidel está fora da presidência há um ano e meio, então não tem nada para influenciar agora. O que tinha para influenciar já influenciou. O que ele sonhou já está tendo continuidade em outros governos.

IHU On-Line – Então, Cuba continua sendo um modelo socialista para a América Latina?

Emir Sader – Uma referência, não um modelo. Estão sendo construídos diversos modelos novos influenciados por Cuba, por isso é uma referência.

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a declaração de Bush de que a renúncia de Fidel deva ser um começo para a democracia cubana?

Emir Sader – O fim do governo Bush pode ser o começo para a democratização dos Estados Unidos. Eu não tenho previsão para as eleições, até porque não sou especialista, mas creio que todos os candidatos, de alguma maneira, rejeitam o governo Bush. Bush sairá do poder sozinho, como ele mesmo disse, só ele e seu cachorro, o que não é o caso do Fidel. Este sai com o apoio do povo cubano.

Silvio Rodriguez canta Fidel

Será que Silvio, Pablo Milanes e tantos outros artistas cubanos são assim tão imbecis, subservientes, medrosos como afirmam os que atribuem ao povo cubano a submissão ao regime por medo?


sexta-feira, 14 de março de 2008

Hoje é Dia de Poesia



14 de março – Dia Nacional da Poesia,
dia em que nasceu o poeta do Romantismo, Castro Alves

Palavras que rasgam a alma como se fossem navalhas afiadas. Desnudam a noite. Cortam sentimentos. Fazem o vazio da solidão transbordar. Provocam gozos múltiplos com metáforas. Possibilitam a dança de sentimentos desconexos. Alimentam espíritos famintos de vôos livres. Fazem um sapateado de luz com o brilho das estrelas. Despertam desejos oníricos. Levam a lucidez onde a loucura contagia corpos desvalidos. POESIA....P O E S I A... POESIA ...Não dá para ousar entrar no labirinto das palavras percorrido pelos poetas sem citar Borges: “Há versos, é claro, que são belos e sem sentido. Porém ainda assim têm um sentido – não para a razão, mas para a imaginação (...). E a vida, tenho certeza, é feita de poesia. A poesia não é alheia, como veremos, está logo ali, à espreita. Pode saltar sobre nós a qualquer instante”.
E ela salta... e, hoje, Dia Nacional da Poesia, ela saltará ainda mais sobre mim, sobre você, sobre nós, experimentando o gozo anunciado por Alice Ruiz: “quem ri quando goza é poesia até quando é prosa”.

BYRON

Estâncias para Música

Alegria não há que o mundo dê, como a que tira.
Quando, do pensamento de antes, a paixão expira
Na triste decadência do sentir;
Não é na jovem face apenas o rubor
Que esmaia rápido, porém do pensamento a flor
Vai-se antes de que a própria juventude possa ir.
Alguns cuja alma bóia no naufrágio da ventura

Aos escolhos da culpa ou mar do excesso são levados;
O ímã da rota foi-se, ou só e em vão aponta a obscura
Praia que nunca atingirão os panos lacerados.
Então, frio mortal da alma, como a noite desce;

Não sente ela a dor de outrem, nem a sua ousa sonhar;
toda a fonte do pranto, o frio a veio enregelar;
Brilham ainda os olhos: é o gelo que aparece.
Dos lábios flua o espírito, e a alegria o peito invada,
Na meia-noite já sem esperança de repouso:
É como na hera em torno de uma torre já arruinada,
Verde por fora, e fresca, mas por baixo cinza anoso.
Pudesse eu me sentir ou ser como em horas passadas,

Ou como outrora sobre cenas idas chorar tanto;
Parecem doces no deserto as fontes, se salgadas:
No ermo da vida assim seria para mim o pranto.

Baudelaire
Uma Passante


A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;
Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Brilho... e a noite depois! - Fugitiva beldade
De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

Augusto dos Anjos
Pecadora

Tinha no olhar cetíneo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simb’lo do Pecado.
Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.
No entanto, esta mulher de grã beleza,
Moldada pela mão da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil.
Do fado,
Do destino fatal, presa, morria
Uma noite entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!


Maria Tereza Horta

Minha senhora de mim

Comigo me desavim
minha senhora
de mim
sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito

Castro Alves
Beijo eterno


Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue.
Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!
Fora, repouse em paz
Dormindo em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa,
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!...
Diz tua boca: "Vem!

"Inda mais! diz a minha, a soluçar... Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"

Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!
Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue:

acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!


Pablo Neruda
Gosto quando te calas

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.
Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.
Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.
Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.
Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

Victor Barone

Minha língua fundida na tua,
na sagrada mistura,
absorve, segura,
teus olhos e os meus.
As mãos,
enlaçadas em nó
apertam, profanas,
bocados de nós.
Tua essência me escorre na pele.
Despejo palavras em teu ventre.

Fernado Pessoa
Alberto Caeiro

Da minha aldeia

Da minha aldeia vejo quando da terra se pode ver no Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.

Lya Luft
Todos esses anjos

Todos esses Anjos que à noite
agitam cortinas e sussurram frases
que temes entender:se te tomarem nos braços
se te beijarem na boca,se te entrarem no corpo,
não te darão certeza de que morrer, viver,
são igualmente suaves e difíceis
loucos e sensatos, e urgentíssimos?
Poderás enfim amar, rendendo-te aquilo
que te aflora com suas asas,
te chama com suas vozes,
te vara constantemente com essa luz,
essa dor.

Olavo Bilac
Delírio

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!
Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.
Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.
No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci....