quinta-feira, 31 de julho de 2008

Romântica: espécie em extinção

* por Kelly Garcia


Segunda, terça, quarta, quinta e sexta, antes dizia, oba é sexta-feira , agora digo, - nossa já é sexta! (se eu disser que ando gostando de segunda-feira será que alguém vai solicitar minha interdição por insanidade plena).

Já que é inevitável, final de semana lá vamos nós...n-o-v-a-m-e-n-t-e.

Quando se está há pouco tempo reinserido no mundo da solteirice, os mais antigos na citada condição, prestam solidariedade e inventam o que fazer na tentativa de amenizar o processo de adaptação, pois bem, nessas condições foi que surgiu o convite, - vamos sair para dançar! E assim ficou “combinado” o primeiro compromisso do final de semana...

Uma vez escutei o Augusto Boal dizer em uma entrevista, que a dança é o momento em que o corpo consegue se comunicar com a música, e por isso qualquer pessoa é capaz de dançar, mesmo aquelas com severas limitações físicas provocadas por paralisia cerebral, porque, para ele, qualquer mínima expressão corporal provocada pelo encontro “música e corpo” pode ser considerada uma forma de dança.

Como adoro música, mas não tive disciplina para aprender a tocar um instrumento musical e também nasci desprovida de uma voz afinada, dançar acabou sendo o meu único canal físico de comunicação com a música.

Com tal e único intuito, parti rumo ao dito programa noturno. Lá chegando à primeira coisa que constatei foi que meu corpo não queria saber de papo com a música que estava tocando! - Como era horrível! Sem condições de estabelecer qualquer canal de comunicação.

E, como diz o ditado, “quem não dança segura a criança” fiquei na mesa cuidando as chaves e bolsas do pessoal, que ao contrário de mim, estava conseguindo estabelecer uma comunicação com aquela cacofonia. Nada a fazer, senão, no meio da fumaça e das nuances das luzes indiretas, dar vazão aos pensamentos e ficar observando o movimento da noite.

Bastou um olhar mais cuidadoso nos seres da noite para logo passar a me sentir péssima. Embora tivesse informação sobre o assunto, ver com meus próprios olhos o modus opedandi, e ficar por dentro das novidades “da moda”, no quesito comportamento, em especial o das mulheres, foi no mínimo impactante.

Mulheres procurando insanamente uma fugaz “conquista”, valendo de tudo para tanto, aceitando as regras de um jogo meio insano, expondo sem piedade o corpo, esquecendo que ele é materialização de um ser humano com história de vida, sentimentos, alegrias, dores, conquistas e acima de tudo é único.

Pessoas que não tem nome, no máximo um número de celular para ser colocada em uma ridícula lista de alguém que jamais voltará a ligar.

Olho para o lado e vejo uma criança com maquiagem pesada, expondo seu corpo em um indefectível vestidinho da moda, que hoje dita o curtíssimo, partindo para a quinta boca da noite.

Olho para o outro e vejo um mulher madura tentando parecer a jovem de dezoito, vestindo o mesmo vestido, fazendo questão de expor seu grande investimento em uma prótese de silicone, fazendo as mesmas caras e bocas, tentando pegar outras bocas e sendo o alvo de brincadeiras e piadas dos garotões das mesas vizinhas.

Mulheres solitárias ou meninas na flor da idade procurando emoção e expondo peitos, coxas, barrigas, e outros itens. A saborosa sedução foi substituída pela explicita exposição da carne, tal qual uma mercadoria. E tudo isso só para serem notadas por homens ou outras mulheres que circulam pelos corredores e olham com a mesma expressão de quem aprecia as gôndolas do supermercado.

A ordem é satisfazer as necessidades, - eu te uso e você me usa, ou melhor, eu te consumo e você me consome ... - Então para que gastar conversa, fazer perguntas ou saber o nome? Aliás, saber como alguém se chama, hoje é o cúmulo da intimidade, está “fora de moda”, portanto não serve para os dias atuais. E assim seguem os seres noturnos sem nomes, mas com várias etiquetas de grifes famosas ou suas respectivas piratas.

Minha alma foi invadida por um sentimento perturbador de pena, indignação, chegando em alguns casos a beirar a compaixão. O que tem acontecido com as pessoas, o que o nosso modo de vida fez com o processo histórico de humanização? Na minha cabeça aquela expressão dos peões martelava “aqui o sistema é bruto”.

E essa brutalidade ganhou espaço a partir da gradativa coisificação do ser humano, enquanto indivíduo e também na dimensão das relações sociais. Tudo muito deprimente, e, para piorar, quando ousei manifestar a minha indignação frente à decadência desse comportamento escutei um sonoro conselho:
- Hoje é assim mesmo, o problema é que você é muito romântica, você tem que mudar! (só faltaram dizer sua “bobinha de vestidinho cor-de-rosa”)

Toma! Quem mandou abandonar o José Saramago, ficar com ele teria sido um programa tranqüilo, tudo bem que nos seus livros ninguém tem nome, mas ele denuncia como ninguém a desumanização do ser ! O que, para uma irremediável “romântica” está de bom tamanho!

* Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Equilíbrio e desequilíbrio - viver é caminhar na corda bamba

* Kelly Garcia
Hoje, domingo de estiagem em minha cidade, a falta de umidade sacrifica o corpo...mas durante o dia o céu é profundamente azul, é incomparável (quando não tem fumaça é claro), e também a noite quando a lua é cheia...nossa! E quem é como eu, uma autêntica gata vira-lata, toda a sequidão se torna úmida nos olhos... sem falar da florida dos ipês.

São as compensações...será que essa é a palavra certa. Por que compensar..talvez para amenizar, para equilibrar, e equilibrar para viver, será que de fato esse é o sentido ...equilibrar.

Sair do lugar é um ato de equilíbrio e desequilíbrio. Equilibramos e jogamos um pé para frente, nesse momento desequilibramos, e depois voltamos a nos equilibrar e pronto, avançamos no espaço ..e se darmos sequência a esse processo, passos e mais passos começamos a caminhar, e assim surgiu a idéia, concreta e a simbólica, de caminho e a necessidade do movimento. E tudo começou com contraditória relação do equilíbrio e do desequilíbrio.

Como é simples...pensar o mecânico. E como é dificil viver essa caminhada na dimensão humana, onde nossos passos são intercalados com escolhas. Oh infernais escolhas! A vida é um eterno “ou”. A todo momento estamos diante de algo que é preciso decidir “ou isso ou aquilo”. Gostaria fosse bem maiores as chances da gente dizer “e” , e não “ou”, escolher os “es” , portanto não fazer escolhas.

E nessa sociedade capitalista ...nós pobres mortais assalariados, usamos nosso controles pessoais para ficar anotando os saldos de “ous” ..ou viajo ou pago o dentista, ou compro um computador ou conserto o carro, ou saio com amigos ou pago a prestação da geladeira...irritantes escolhas de mercado!

Dependendo do “ou” as conseqüencias são tão avassaladoras que a única coisa que conseguimos dizer é a letra da música do Arnaldo Antunes “socorro! não estou sentindo nada, nem medo, nem calor, nem fogo...nada! E pior que não sentir nada é sentir culpa...e quando pesada é capaz de deixar a vida sem qualquer sentido e alegria, porque no lugar de não sentir nada, passa se sentir um verdadeiro nada, o mais desprezível dos seres.

Companheira de toda jornada, a escolha, vem em sequência, fileiras de “ous” postas em nossa frente´. Um pensamento angustiante, passa pela cabeça: e se todas nossas racionais escolhas nos conduza por caminhos que de fato possibilitem atingir todos os objetivos traçados, mas que bem no momento em que supostamente seria o ápice, a íris dos sentidos focar a alma...e nesse instante sentirmos na boca o gosto da música do Djavan, "sabe lá o que morrer de sede em frente ao mar."

Novamente...contradição...equilíbrio... desequilíbrio...movimento. Como somos humanos isso dói.
kelly Garcia é advogada, militante e estilista da Maria do Povo

domingo, 20 de julho de 2008

Para Pensar

Enquanto Daniel Dantas continua livre, tomando espumante importada, jovem é preso por furtar dois frascos de shampoo:

"Saulo Fernando Corrêa Andrade, de 24 anos, foi preso neste sábado, às 15 horas, após furtar dois frascos de shampoo e dois de condicionador de um supermercado, na Rua Filinto Müller, no centro de Três Lagoas. O rapaz escondeu os produtos debaixo da roupa e saiu do Três Lagoas Super Atacado sem pagar os produtos. Um segurança percebeu e perseguiu Saulo, que só foi detido alguns metros depois.A polícia foi chamada e Saulo foi entregue com um ferimento no supercílio esquerdo. O supermercado alega que ele esboçou resistência quando o segurança o deteve. "
fonte: Campo Grande News

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Têmis decapitada - Caso Daniel Dantas



* por Kelly Garcia


Graças à operação da Polícia Federal, batizada de satiagraha, um nome sânscrito que significa algo parecido com “firmeza da verdade”, foi dada a inusitada “opportunity-dade” de assistirmos um banqueiro sendo preso.
- Convenhamos, banqueiro preso é raro até na Suíça!
O banqueiro Daniel Dantas, que tem nome de ator de televisão, do tipo galã, mas basta uma olhada na estampa do moço para perceber que está longe disso, tem uma vida, com certeza, mais emocionante que os roteiros das novelas da Globo, as antigas, obviamente.
Dantesca (não resisti o trocadilho) poderíamos chamar a rede de corrupção e “privataria” liderada por essa figura, hoje bem conhecida, que iniciou sua bem sucedida carreira apoiada nada mais nada menos por ACM ( in memorian - como se fosse fácil esquecer!).
Tudo bem que ninguém acreditava que o Dantas permaneceria na prisão, e sua liberdade, por meio de um habeas corpus, seria somente uma questão de horas, e, como todos previam, os doutos e os não doutos, foi só contar: tic tac tic tac tic tac e....mandado de soltura em mãos!
Nada mais, nada menos que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes “canetou” o deferimento.
- Bom, até aqui, tudo tal qual o quartel de Abrantes, sem nenhuma novidade.
Quando todos já estavam acostumados com a idéia do banqueiro se livrar de todas as acusações e ir gozar das benesses de ser milionário, fato que por si só dispensa maiores explicações, é noticiada a segunda prisão do banqueiro e começa o Inferno de Dantas (não resisti de novo!) parte II.
E nesse novo episódio foram exibidas cenas dos serviçais do senhor dos dedos e dos anéis, que, sem o menor pudor, ofereceram uma quantia obscena de dinheiro a um delegado da Polícia Federal para escrevesse um final feliz para a trama. O descaramento era tanto que merecia ter aparecido na tela do Jornal Nacional aquela tarja alertando: “para maiores de 16 anos”.
A ação da Polícia Federal e a prisão desses megas colarinhos brancos seriam absolutamente espetaculares se não tivesse uma coisa ofuscando o cenário do Inferno de Dantas: a insólita posição do presidente Supremo Tribunal Federal, que para a surpresa de todos se pôs contra o juiz que determinou as suas duas prisões.
Tudo bem que nesse mundo quem não está confuso não está bem informado, mas aí também é demais...
Tem um pensamento de Gramsci citado no livro Maquiavel, A Política e o Estado Moderno, que diz ser a má administração da justiça insuportável para o povo, em outras palavras, enquanto os problemas aparentam ser apenas do poder executivo e do poder legislativo existe uma certa tolerância, mas com o judiciário a insatisfação pode tomar rumos diferentes.
Talvez porque no imaginário popular ainda se tem a expectativa que a Justiça ainda dê conta de fazer Justiça. E em momentos como esse que estamos passando, não adianta tentar explicar por meio dos argumentos acadêmicos/filosóficos e também lastimáveis que direito e justiça são conceitos absolutamente diferentes.
O que estamos percebendo é que a inimaginável prisão de Daniel Dantas acabou provocando uma crise interna do poder judiciário e propiciando a rara oportunidade de se ver revelada fragilidade do “poder intocável”.
Toda essa triste exposição me fez lembrar de uma estatueta de gesso da Deusa da Justiça, recebida de presente de formatura, que foi alvo da curiosidade de uma criança de 3 anos, que conseguiu arrancar acidentalmente a cabeça da escultura e sem saber o que fazer com aquela cabeça colocou em uma das bandejas da balança presa as mãos da deusa.
... A Têmis decapitada e pesando a própria cabeça...hoje faz mais sentido que nunca!

Kelly Garcia - advogada sul-mato-grossense

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O que tenho ouvido

Monte Castelo - Legião Urbana

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja
Ou se envaidece...O amor é o fogo
Que arde sem se ver
É ferida que dói
E não se sente
É um contentamento
Descontente
É dor que desatina sem doer...
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
É um não querer
Mais que bem querer
É solitário andar
Por entre a gente
É um não contentar-se
De contente
É cuidar que se ganha
Em se perder...É um estar-se preso
Por vontadeÉ servir a quem vence
O vencedor
É um ter com quem nos mata
A lealdade
Tão contrário a si
É o mesmo amor...Estou acordado
E todos dormem, todos dormem
Todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade...

domingo, 13 de julho de 2008

O que tenho lido nos blogs independentes

Blog do Motta - Justiça seja Feita

Então é assim no Brasil. A Polícia Federal faz o que deve fazer, investiga e prende para, depois, a justiça soltar.
Não existe, até hoje, episódio mais exemplar de como as coisas funcionam no Judiciário deste país do que este da soltura relâmpago de Daniel Dantas e auxiliares.
O Supremo Tribunal Federal, na figura de seu presidente, Gilmar Mendes, que assinou a ordem, conseguiu a façanha de desmoralizar, de uma só e definitiva vez, não só a instituição que preside, como todo o Judiciário.
Não é pouco. Anos atrás, o mesmo tribunal deu liberdade para outro "banqueiro", chamado Salvatore Cacciola. Solto, a primeira coisa que vez foi fugir do Brasil para gargalhar, durante vários anos, dos tolos que o haviam prendido.http://cronicasdomotta.blogspot.com/2008/07/justia-seja-feita.html


Luiz Carlos Azenha - Quem dava cobertura a Dantas na MÍdia?
Agora, que a Polícia Federal alega ter desbaratado quadrilhas comandadas por Daniel Dantas e Naji Nahas, seria interessante levantar se jornalistas foram prestadores de serviço das duas quadrilhas na grande mídia brasileira.
Quem são eles? Como foram pagos? Que tipo de favores prestaram e receberam? Não contem com o PIG para isso: os jornalistas se protegem como se fossem integrantes de uma máfia. É hora da Polícia Federal agir e colocar na cadeia os jornalistas ou "comentaristas" quadrilheiros.
http://www.viomundo.com.br/

Amorim: Queiroz dá drible da vaca em Mendes
Daniel Dantas voltou para a cana onze horas depois de sair dela.

Não sentiu o gostinho de um banheiro com papel higienico de folha dupla.
O Supremo Presidente Gilmar Mendes deu fuga a Daniel Dantas com o argumento de que as provas já tinham sido todas colhidas e não havia motivo para deixá-lo preso. . O argumento central do novo pedido de prisão se baseia no fato de que, solto, Dantas continua a ter o poder de subornar politicos e jornalistas.
A Justiça aceitou o argumento da Policia Federal.
Queiroz intimou Dantas a depor imediatamente depois que Mendes deu fuga a ele.
Já estava, aparentemente, tudo planejado.
Quer dizer, foi uma vitoria da metade da Policia que não está a serviço de Dantas
Agora, vamos ver se Dantas continua a usufruir de "facilidades" no Supremo Tribunal. . E, aqui para nós, hein ?
O Delegado Queiroz acaba de dar o drible da vaca no Supremo Presidente Gilmar Mendes ...
Em tempo: Os brasileiros repudiam a Justiça de Gilmar Mendes. E se orgulham do juiz de Sanctis, da Justiça Federal de São Paulo, que abriu o disco rígido e prendeu Dantas duas vezes.

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/forum/Default.aspx

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Anjos

Às vezes, recebo a visita de alguns anjos e
ele trazem palavras que reluzem teimosas esperanças
nesses tempos cinzas, tão desbotados de amor...
Hoje, recebi esse poema inédito do Victor Barone:

Jardins Secretos
Que nos permitam jardins secretos
Por entre este deserto de sentidos
Pássaros no olhar em meio ao caos


Que possamos respirar o infinito

Em meio a este mar de negrume
Olhos de anjo por entre os chacais


Que sejamos como vento leve
A acariciar o inquieto furacão
Audazes na cegueira eterna

Victor Barone, autor do livro Outros Sentidos

Camille Claudel : arte e paixão consumida pela loucura


* Por Mario Doraci

Nascida em 8 de dezembro de 1864, no interior da França numa região rochosa, Claudel descobre a vocação desde os 6 anos, quando começa a modelar. Ela põe em desespero a mãe, mas agrada o pai amante de arte. Ele vai até Paris para que a filha possa desenvolver o desejo artístico. Aos 17 anos Claudel se matricula na Académie Colarossi, onde encontra o escultor Alfred Boucher. Pouco depois ela abre seu próprio atelier e começa a expor suas obras. Em 1884, ela se torna não somente aluna de Rodin, mas ela se torna a sua fonte de inspiração, a modelo, a confidente, a cara metade, a palavra, a rosa, a pessoa mais importante. Quando ela expôs suas obras no Champs Elysées, em 1899, todo mundo murmurava que ela havia plagiado Rodin. Seu talento era incontestável.
Rodin, 44, baixinho, roliço, barbudo, míope, russo, casado, gênio em estado bruto, era o mestre inconteste na escultura e ele dispensa os alunos para ter como musa e única aluna Camille Claudel. Amor, paixão e arte se misturam…eles se apaixonam e ela se torna a amante. Rodin era louco pelo entusiasmo artístico, pela inspiração e talento de Claudel. Rodin passa a viver em estado de graça, pela graça que a graça de Camille traçava em sua vida...um período de influência do expressionismo.
Rodin revive a vida sexual esquecida, morta pelo casamento de mais de vinte anos enquanto sua musa é carne fresca, um filé mignon acompanhado de tudo que sua esposa não tinha. Os anos passam, a paixão não diminui, o estilo de Claudel é singular, perfeito, inimitável. Ela era melhor que Rodin em muitas de suas obras…ela conseguira esculpir a ternura e a melancolia feminina. Mas ela não consegue vender seus trabalhos. O mercado era fechado para o mundo feminino. E Rodin não deixaria sua esposa por Claudel. A relação entre eles se degradara porque a esposa de Rodin abriu o conflito. Ele não viria ao socorro dela. Ele se aproveitou o quanto pôde. Cansada da relação de dez anos, frustrada e abandonada, ela se entrega a evidência. Vive mal em duas peças na Ilha São Luis, ao lado da catedral Notre Dame, rodeada de doze gatos. Indiretamente, Rodin vampiriza Claudel, ele contrata críticos para persegui-la, denegrir seus trabalhos. Para ela tudo se torna delírio e tempestade.
Em 1907, o Estado compra de Claudel a obra « O abandono ». Os últimos anos viram pesadelo e a razão de Camille vacila. Ela passa fome e come os restos que a zeladora do prédio joga aos gatos. Perseguida pelo sentimento de auto-destruição, ela quebra a golpes de martelo as obras em mármore e gesso de seu atelier. Paranóica, abandonada, internada num sanatório em 1913, ela sofre o silêncio da perseguição de Rodin e o preço de sua paixão. Se diz nos corredores que a obra famosa de Rodin « O pensador » foi feita por Claudel assim como outras. Claudel abre caminho para outras mulheres e enfrenta cedo o machismo dominante. Claudel começara a enxergar o oportunismo de Rodin ao afirmar que as obras dela eram frutos da inspiração dele. Ela não precisava de Rodin para voar sozinha, porque seu talento nato tinha forma, sentido e sentimento.
A ruína de Claudel foi entregar-se a um homem casado ? Foi por causa da confiança que ela depositou no mestre ? Por sua paixão mal resolvida, pelo machismo da época, pela falta de espaço ? Ela morreu em 1943 aos 48 anos no esquecimento do sanatório. Há um filme interessante sobre sua vida, vale a pena ver.


*Mario Doraci é jornalista sul-matogrossense, amigo admirável, Mestre em Ciências Políticas da Comunicação, doutorando em Ciências Políticas e Sociologia, em Paris.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Nando Reis e a nossa infantilização



E no meio daquela multidão, encontrei um velho e belo amigo, um intelectual honesto, coerente, que não mudou de lado na interpretação e na leitura do mundo contemporâneo, um ser especial por quem nutro um respeito profundo. Traz sempre no rosto um sorriso aberto que me faz lembrar os velhos tempos do movimento cineclubista. Traz também uma crítica necessária que nos faz pisar no chão e olhar para cima e, assim, perceber que o mundo atual é muito mais complexo do que as nossas análises apaixonadas conseguem perceber...nem por isso, ele deixa de exalar paixão pela vida e pela arte. E não é que no meio daquele mar de gente, no show do Nando Reis, na noite de ontem, Paulinho me olha e me diz: "eu acho as músicas dele pobres, superficiais e levam à infantilização. Só estou aqui por causa dessa massa. Venho a todos os shows. Não perco um"...abri um sorriso largo e me dei o direito de dançar e ser menina...adoro Nando Reis, como adoro as sábias palavras de Paulinho...e o show não poderia ter acabado de uma outra forma mais bonita: Nando e Os Infernais distribuindo flores para o público.


Mantra - Nando Reis

sexta-feira, 4 de julho de 2008

A poética necessária do Subcomandante Marcos


Tenho andado cansada...um cansaço que vai além do corpo....as palavras não brotam, não fluem. Acho até que as palavras conspiram contra mim, fazendo um silêncio absoluto. Elas sabem que quase tudo já foi dito...ou será que ainda não foi?
Deixo, então, um texto lindo do Subcomandante Insurgente Marcos, de Chiapas, México...aqui as palavras fazem sapateado e dançam.

As três flores da Esperança

À sociedade civil onde quer que se encontre.

Desculpe, senhora sociedade civil, que a distraia de suas múltiplas ocupações e reiteradas angústias. Escrevo-lhe apenas para dizer que aqui estamos, que continuamos sendo nós mesmos, que a resistência é ainda nossa bandeira e que ainda acreditamos na senhora. Aconteça o que acontecer, continuaremos acreditando. Porque a esperança, senhora de rosto difuso e nome gigante, já é um vício entre nós.Vossa Excelência já sabe que o horizonte se cobre de um cinza que muda para o preto com a mesma celeridade com que andam vendendo nossa história. No entanto, fique sabendo que a liberdade continua estando à nossa frente, que continua sendo necessário lutar e que a história ainda está esperando quem complete suas páginas. Assim são as coisas, e receando que não nos vejamos de novo, aceite três definições muito apropriadas para dias tão nefastos como o que nos esperam:Liberdade: Diz Durito que a liberdade é como a manhã. Alguns a esperam dormindo, porém alguns acordam e caminham à noite para alcançá-la. Eu digo que os Zapatistas somos os viciados em insônia que desesperam a história.Luta: O Velho Antonio dizia que a luta é como um círculo. Pode começar em qualquer ponto, mas nunca termina.História: A história não é mais que garatujas escritas por homens e mulheres no solo do tempo. O poder escreve sua garatuja, a elogia como escrita sublime e a adora como se fosse a única verdade. O medíocre limita-se a ler as garatujas. O lutador passa o tempo todo preenchendo páginas. Os excluídos não sabem escrever... ainda.Aceite, senhora, estas três flores. As outras quatro chegarão logo... se é que chegam. Tudo bem. Saúde e lembre-se que a sabedoria consiste na arte de descobrir, atrás da dor, a esperança.Das montanhas do sudoeste mexicano,

Subcomandante insurgente Marcos.

P.S.: Estava esquecendo de recomendar, senhora, que não se deixe enganar por funcionários, colunistas e etc. que fazem da mentira um eco infinito. Nada está resolvido, tudo está quebrado. E, no essencial, existe duas apostas: a deles, a da guerra, é de que a senhora continuará indiferente; a nossa, a da paz, que a senhora vai dançar um sapateado que fará tudo tremer, assim como treme o amor quando é verdadeiro.