sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Convite à viagem

site: Olhares

Charles Baudelaire

Minha doce irmã,
Pensa na manhã
Em que iremos, numa viagem,
Amar a valer,
Amar e morrer
No país que é a tua imagem!
Os sóis orvalhados
Desses céus nublados
Para mim guardam o encanto
Misterioso e cruel
Desse olhar infiel
Brilhando através do pranto.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Os móveis polidos,
Pelos tempos idos,
Decorariam o ambiente;
As mais raras flores
Misturando odores
A um âmbar fluido e envolvente,
Tetos inauditos,
Cristais infinitos,
Toda uma pompa oriental,
Tudo aí à alma
Falaria em calma
Seu doce idioma natal.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.
Vê sobre os canais
Dormir junto aos cais
Barcos de humor vagabundo;
É para atender
Teu menor prazer
Que eles vêm do fim do mundo.
— Os sangüíneos poentes
Banham as vertentes,
Os canis, toda a cidade,
E em seu ouro os tece;
O mundo adormece
Na tépida luz que o invade.
Lá, tudo é paz e rigor,
Luxo, beleza e langor.

domingo, 30 de novembro de 2008

Fernando Pessoa

Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se existo é um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.

Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

Fernando Pessoa

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Tempo

Por Maristela Brunetto


Sempre tive problemas com o tempo
Nunca o vi como um amigo
Não sei se eu não o entendia
Ou se simplesmente nunca parei para observá-lo.
Não posso dizer que ele é um inimigo
Até porque acho que é generoso comigo
Acho mesmo que nunca olhei para ele
Simplesmente o ignorei,
Como se não existisse
Mas a vida nunca deixa uma negligência impune
Ela me apresentou o tempo
Ela o trouxe até mimE
le chegou e disse: Não dá mais para adiar
Vamos ter uma conversa
E, então, ele se revelou para mim
Só aí eu entendi que o tempo nunca pode ser adversário
Deve ser, sim, aliado
Hoje convivemos em harmonia
Às vezes ele se manifesta sozinho
E é quando acho que as coisas são mais sábias
Mas ainda tenho o desagradável hábito
De querer manipulá-lo
Como se eu tivesse este poder
Acho que logo não teremos mais conflitos
Teremos sintonia
Eu e o tempo

* Maristela Brunetto é jornalista sul-mato-grossense e linda

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Afresco


Seus beijos indóceis,
de efeitos furta-cores,
tatuaram o meu corpo
com traços invisíveis
marcaram a minha pele
com mordidas indolores.

As nuances desse amor
Cortaram a minha carne
geraram espasmos fundos
abriram minha genitália em flor
epiderme em risos, volúpia que arde,
gozo em cor, assombros profundos

O sumo da sua esfinge
Compôs no meu dorso quente
um afresco vivo com textura espessa,
afeto e maledicência, zunidos e vertigem
Nem furtiva nem perene
A sua arte me fez serpente.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

OBAMA, NOVIDADE SIMBÓLICA

* Por Chico Alencar

É inegável: a eleição de Barack Hussein Obama como 44o presidente da República dos Estados Unidos da América do Norte representa uma novidade simbólica para o mundo. Ainda em nossa geração o racismo e a segregação marcavam aquele país, e vitimaram líderes negros grandiosos como Malcolm X e Martin Luther King.A polarização tradicional da política dos EUA, entretanto, esconde uma realidade mais diversa: além de Obama e McCain, também disputaram a presidência da ainda mais forte potência capitalista do planeta candidatos independentes (como o conhecido Ralph Nader) e candidatos do Partido Socialismo e Libertação, do Partido da Constituição, do Partido Libertário, do Partido Verde, do Partido das Proibições, do Partido dos Trabalhadores Socialistas, do Partido Socialista, do Partido Americano e do Boston Tea.Mais imediatamente, a era Bush chega ao fim, o que sempre deve ser saudado. Essa deve ser a alteração mais percebida, inclusive com o fim do conceito e da prática espúrios de "guerra preventiva" e de unilateralidade.Não alimentemos ilusões, porém. Obama é uma alternativa para o capitalismo norte-americano em crise hegemônica. Seu programa de modernização da infra-estrutura energética, de comunicação, da pesquisa científica e da educação, com ampliação das políticas sociais, encontra apoio em representantes do poder econômico americano, como Warnen Buffet. O candidato do Partido Democrata contou também com a adesão de republicanos como Colin Powell.Obama renovou já na campanha, sem dúvida. Aglutinou apoio dos progressistas pela imagem de um jovem negro, idealista e determinado, e tranqüilizava os moderados com seu discurso sereno e disciplinado. Desse modo, envolveu amplos setores formadores de opinião pública: estudantes, jovens intelectuais liberais e ativistas de diversas minorias, até então apáticas pela desilusão política. Conseguiu, pouco a pouco, um raro engajamento popular, por meio de mecanismos como a internet. E recebeu os aportes do grande capital, viabilizadores do acesso à propaganda e à mídia de massas.O setor mais conservador da sociedade norte-americana, que McCain representou, como porta-voz da moralidade individualista, desta vez não ganhou. Os desastres do governo Bush no Iraque e no Afeganistão e o agravamento da crise econômica desde o estouro da "bolha imobiliária" favoreceram Obama. A vice do Republicano, Sarah Palin, no seu arrebatamento ultraconservador, disparava contra Obama, ecoando a linha da campanha, classificando-o como "celebridade", "elitista", "terrorista" e "comunista". Isso por ter ele defendido aumentar em 4,5% a alíquota das rendas acima de U$ 250 mil, auferidas por apenas 2% da população, voltando aos níveis do governo ("socialista", sra. Sarah?) de Bill Clinton. A postura fundamentalista e reacionária acabou por angariar antipatia da maioria da população contra sua própria chapa.Para além do simbolismo da eleição de um descendente afro-americano para a Presidência dos EUA é imperioso refletir sobre os destinos da sociedade, do planeta e da humanidade: é grave a situação da Terra produzida pelo irrefreável aquecimento global. Como lembra Leonardo Boff,: "não basta dizer que o aquecimento é produzido pelo ser humano. Que ser humano? Pelos índios, pelos esquimós? Precisamos dizer com todas as letras: o aquecimento foi produzido por aquela porção de homens que introduziram a produção industrial já há três séculos, aceleraram o consumo energético, inventaram a tecno-ciência que agride ecossistemas (ecologia ambiental), indutora de uma perversa desigualdade social (ecologia social) e devastadora do planeta como um todo (ecologia integral) e projetaram a cultura do consumo ilimitado (ecologia mental). Hoje são corporações industriais globalizadas, gigantes da bioquímica, do agro-negócio e instituições afins. São eles que mais poluem (só os USA, 25%) e que mais resistem às mudanças paradigmáticas. Se eles não se alfabetizarem ecologicamente e não mudarem o rumo do mundo poderão levar a biosfera para um impasse desastroso""Change" foi a senha vitoriosa de Obama. Mudança para valer, em nível global, significa reconhecer que como está não dá mais para continuar. Estamos condenados a inventar um outro modo de conviver, produzir e distribuir os bens necessários, de consumir responsável e solidariamente e tratar, reaproveitando, os dejetos, os resíduos. Precisamos, como enfatiza a Carta da Terra, de "um modo sustentável de viver". O atual já revelou-se não mais sustentável para 2/3 da humanidade. Todas as alternativas energéticas e supostamente ecológicas não vão ao cerne da questão. Em três ou quatro anos vão mostrar sua ineficácia. Dir-se-á: "vocês foram alertados e sabiam, mas preferiram a cegueira voluntária e a nossa perdição para garantir a rota insensata que lhes dava vantagens". É preciso transformar o sistema produtivo e as relações de produção e convivência. Eco-socialismo ou barbárie!Mudar e revolucionar é urgente. Nós, conscientes e organizados, podemos.

*Chico Alencar é educador, escritor e deputado federal do PSol

sábado, 15 de novembro de 2008

Luna


Translúcida
Transparente
Cheia, inteira,
Branca, prata
Me queira
Acesa, acende
Enfeitiça, enlaça
Abraça o firmamento
Ata-me
Escancara a cara
Desnuda a noite
Rasga o ventre
Reluz a vulva
Brilho que seduz
Lua cheia,

Luna, una, única
Lua grávida de amor
Prenda-me livre ao universo
E faça versos
Com o reverso do meu ser

sábado, 8 de novembro de 2008

Suicídio

foto: site olhares
Diante do espelho, rasgo minha tez
Cravo no meu corpo a navalha da verdade,
Minhas vestes primeiras ganham vãos
Abismo vão se abrindo na carne

Dilacero as asas da fantasia,
Deixo despir todo meu ser das máscaras que ergui
Sufoco o grito do desespero
Quebro os saltos da minha alma que me deixaram cair.

Com os cacos da dor estraçalhados pelo chão
Corto os pulsos da insanidade,
Assassino a vida do medo,
Calo a voz da vaidade.

Entre passos e descompassos,
Completamente nua, danço valsa
O amor está escasso
A solidão não me falta.

Yes. We can

Foto: Sebastião Salgado

Sim. Nós podemos. O slogan da campanha vitoriosa de Obama nos Estados Unidos me remete há Janeiro de 2001, quando um encontro extraordinário reuniu, pela primeira vez em Porto Alegre, milhares de lideranças, personalidades e lutadores sociais do mundo inteiro e anunciaram: “Um outro mundo é possível”.
Na época, era imaginável pensar na eleição de um presidente afro-americano para conduzir o império americano, mesmo que esse império estivesse em declínio, em ruínas após a grande crise financeira eclodida em Setembro, com efeitos devastadores em grande parte do planeta.
Tanto o slogan de Obama como o do Fórum Social Mundial provoca no nosso imaginário a certeza de que a mudança é possível, alimenta sonhos, depois de um período em que sonhar era tido como descabido pela ideologia neoliberal...
Porto Alegre tornou-se o símbolo de um movimento internacional, iniciado em Seattle, por uma nova ordem mundial. Representando o multiculturalismo e a diversidade, anunciou o projeto de se construir uma nova globalização, bem diferente da lógica atual que coloca o mercado e o dinheiro como a única medida do valor, que representa a concentração da riqueza, a globalização da pobreza e a destruição do planeta, cujos idealizadores e alimentadores (os fundamentalistas de mercado) estiveram dispostos a tudo para obter mais lucros. Para tal, realizaram vendas abusivas no curto prazo, manipulações, titulação de ativos, especulações, contratos de cobertura de riscos. Esses senhores de Wall Street com ramificações em todo o planeta levaram a economia mundial a ter uma forma de papel, virtual, imaterial, gerando uma febre do proveito fácil que contagiou todo o mundo. A bolha cresceu e agora explodiu.

Paul Samuelson, Nobel de Economia, afirma: “Esta débâcle é para o capitalismo o que a queda da URSS foi para o comunismo”. De acordo com Ignácio Ramonet, terminou o período aberto em 1981 com a fórmula de Ronald Reagan: “O estado não é a solução, é o problema.”
Obama também tornou-se um símbolo de um outro mundo possível, não só por trazer na sua pele a intensidade da melanina e valorizar o seu passado de afrodescendente, reunindo em torno de si o apoio das minorias e da diversidade, mas, sobretudo, por anunciar que irá mudar a postura dos EUA diante do mundo, encerrando a Era Bu$h, uma era bélica, uma era desastrosa de violação aos direitos humanos, aos tratados internacionais, à soberania das nações e que deixa um caos financeiro.

Que Obama cumpra o seu papel histórico, honre a coragem dos seus antepassados e esteja atento ao clamor do mundo, um clamor que ele próprio foi o porta-voz: CHANGE! Mudança. Yes. We can. Sim. Nós podemos. Um outro mundo é possível. SIM. É possível.

YES. WE CAN.

sábado, 1 de novembro de 2008

Arthur Rimbaud

Foto: Sebastião Salgado

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.

Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...

— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.

Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O Vampiro


Baudelaire

tradução Jamil Almansur Haddad

Tu que, como uma punhalada,
Entraste em meu coração triste;
Tu que, forte como manada
De demônios, louca surgiste,
Para no espírito humilhado
Encontrar o leito e o ascendente;
- Infame a que eu estou atado
Tal como o forçado à corrente,
Como ao baralho o jogador,
Como à garrafa o borrachão,
Como os vermes a podridão,
- Maldita sejas, como for!
Implorei ao punhal veloz
Que me concedesse a alforria,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.
Ah! pobre! o veneno e o punhal
isseram-me de ar zombeteiro:
"Ninguém te livrará afinal
De teu maldito cativeiro.
Ah! imbecil - de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!"

sábado, 18 de outubro de 2008

Quem morre? Pablo Neruda





Morre lentamente
Quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem não encontra graça em si mesmo
Morre lentamente
Quem destrói seu amor próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
Quem se transforma em escravo do hábito
Repetindo todos os dias os mesmos trajeto,
Quem não muda de marca,
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou
Não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente
Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções,
Justamente as que resgatam o brilho dos
Olhos e os corações aos tropeços.

Morre lentamente
Quem não vira a mesa quando está infeliz
Com o seu trabalho, ou amor,
Quem não arrisca o certo pelo incerto
Para ir atrás de um sonho,
Quem não se permite, pelo menos uma vez na vida,
Fugir dos conselhos sensatos…

Viva hoje !
Arrisque hoje !
Faça hoje !
Não se deixe morrer lentamente !

- Pablo Neruda -

domingo, 12 de outubro de 2008

Sou Rio de Gabeira


Rio dos morros. Rio do Mar. Rio escandalosamente escancarado. Rio, a cidade mais bonita que conheci, deliciosamente maravilhosa, mas ainda tão desigual. Rio de Cartola, da verde rosa Mangueira. Rio, claro, de Gabeira. Sim. Sou Rio de Gabeira. As eleições cariocas foram as que mais me seduziram neste ano, mesmo morando mais de mil quilômetros de distância. No primeiro turno, além de Gabeira, tinha Chico Alencar (PSOL), por quem nutro um grande respeito e admiração, e tinha também Jandira Feghali (PCdoB). E o Rio surpreendeu o Brasil ao levar para o segundo turno esse mineiro de nascença e carioca de coração, que construiu uma trajetória nada comum. Jornalista que participou da luta armada, do seqüestro do embaixador estadunidense Charles Elbrick, uma ação corajosa e radical contra o regime militar. Foi baleado, preso, torturado. Poucos têm um passado como esse. A minha geração só conheceu essa coragem, essa dor, nas narrativas dos camaradas mais velhos, no cinema e nas leituras. Uma fonte foi o livro "O Que é isso, companheiro?", de autoria do próprio Gabeira, que devorei palavra por palavra quando tinha quinze anos e ainda era uma menina do interior. Li também "O Crepúsculo do Macho" e "Nós que amávamos tanto a Revolução".
É bom que se diga que o Gabeira de hoje não é o mesmo dos anos 60, assim como não somos mais o que fomos na nossa juventude. Mas Gabeira continua revolucionário ao propor e incorporar no seu cotidiano como cidadão e político a defesa do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável, dos direitos das minorias. Por muito tempo, na condição de deputado federal, Gabeira ia trabalhar de bicicleta, pedalando nas vias largas de Brasília, uma atitude coerente com o seu discurso de ambientalista. Lembro-me da sua voz firme e grave enfrentando o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti:
"Vossa Excelência está se comportando de uma maneira indigna de um cargo de Presidente de Câmara. Eu estou reclamando com Vossa Excelência porque não posso ainda entrar no Conselho de Ética contra Vossa Excelência, sou um deputado isolado. Mas eu afirmo, Vossa Excelência está em contradição com o Brasil! A sua presença na Presidência da Câmara é um desastre para o Brasil, um desastre para a imagem do Brasil! Ou Vossa Excelência fica calado, ou começa a ficar calado ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo."
No seu quinto mandato consecutivo no Congresso Nacional, Gabeira continua sendo uma voz ativa em defesa da decência na política, dos direitos dos índios, do fim do trabalho escravo, da qualidade de vida para todos. Por ser assim, conquistou na última semana o apoio público da senadora Marina Silva, contrariando a decisão pragmática do PT que decidiu se aliar ao Eduardo Paes.
Aí, você vem e me pergunta: “Mas Gabeira está com os tucanos. E aí?”. Aí, que depois que até o PT fez alianças com o Demo (DEM), com o PSDB e todos os Ps existentes, não passa a ser parâmetro a famosa frase bíblica: “Diga-me com quem andas que eu te direi quem és “. Confesso que me incomoda ver no programa do Gabeira alguns lacaios do neoliberalismo, mas consigo ver Gabeira muito além disso, assim como vejo Lula além das suas alianças e suas companhias.


Cariocas - Adriana Calcanhoto e Gabeira




Sou Rio de Gabeira


sábado, 11 de outubro de 2008

Maria Sem Vergonha voltou - um retorno no meio da grande crise do capitalismo


Depois de um isolamento forçado, Maria Sem Vergonha do Cerrado sai do casulo e começa a voar com as asas de borboletas azuis. Está certo que é um vôo meio desajeitado, torto, mas livre dos sintomas claustrófobos. É possível respirar outros ares. É possível ver o sol e os desenhos dos seus raios pincelando sombras que se distorcem e se contorcem até aonde o meu olhar pode ir para alcançá-las ...e o coração dispara. Estar viva é muito bom.
E entre as sombras contorcidas vejo o efeitos bombásticos do capitalismo eclodirem no berço do império e em vários lugares do mundo. A impáfia neoliberal estadunidense vai sendo quebrada, a mão do Estado socorre o mercado dominado, até então, pelos agiotas do capital financeiro e já não escuto nenhum paladino do neoliberalismo defendendo as suas teses tão propagadas nos anos 90, quando anunciavam a necessidade do Estado mínimo, a liberalização da economia, o fim da história e a morte da luta de classes, da esquerda e do pensamento marxista.
Lendo uma entrevista com François Chesnais na Agência Carta Maior, é possível compreender com lucidez as raízes e os efeitos da crise, que está apenas começando.

“Estamos diante de um desses momentos em que a crise vem exprimir os limites históricos do sistema capitalista. Não se trata de alguma versão da teoria da "crise final" do capitalismo, ou algo do estilo. Do que sim se trata, na minha opinião, é de entender que estamos confrontados com uma situação em que se exprimem estes limites históricos da produção capitalista. Não quero parecer um pastor com a sua Bíblia marxista, mas quero ler-vos uma passagem de O Capital: "O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital; é o fato de que, nela, são o capital e a sua própria valorização que constituem o ponto de partida e a meta, o motivo e o fim da produção; o fato de que aqui a produção é só produção para o capital e, inversamente, não são os meios de produção simples meios para ampliar cada vez mais a estrutura do processo de vida da sociedade dos produtores. Daí que os limites dentro dos quais tem de mover-se a conservação e a valorização do valor-capital, a qual descansa na expropriação e na depauperação das grandes massas de produtores, choquem constantemente com os métodos de produção que o capital se vê obrigado a empregar para conseguir os seus fins e que tendem para o aumento ilimitado da produção, para a produção pela própria produção, para o desenvolvimento incondicional das forças produtivas do trabalho. O meio empregado - desenvolvimento incondicional das forças sociais produtivas - choca constantemente com o fim perseguido, que é um fim limitado: a valorização do capital existente. Por conseguinte, se o regime capitalista de produção constitui um meio histórico para desenvolver a capacidade produtiva material e criar o mercado mundial correspondente, envolve ao mesmo tempo uma contradição constante entre esta missão histórica e as condições sociais de produção próprias deste regime”.


The Last Laugh - Crisis Subprime - Subtitulos Castellano

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Mídia acoberta terroristas da Bolívia

Altamiro Borges *

Adital -


"Se precisar, vai ter sangue. É preciso conter o comunismo e derrubar o governo deste índio infeliz". Jorge Chávez, líder da oligarquia racista de Tarija.
"Não vejo razão pela qual se deve permitir o Chile se tornar marxista pela irresponsabilidade de seu povo". Henry Kissinger, secretário de Estado do EUA, poucos dias antes do golpe de 11 de setembro de 1973 que derrubou Salvador Allende.
É repugnante a cobertura que o grosso da mídia hegemônica tem dado aos trágicos confrontos na já sofrida Bolívia. Os serviçais da TV Globo tratam os chefões golpistas como "líderes cívicos" e "dirigentes regionais". Mirian Leitão, que esbanjou valentia ao sugerir que o governo brasileiro retirasse o nosso embaixador de La Paz e enviasse tropas às fronteiras quando da estatização do petróleo, agora é toda afável com a oligarquia racista deste país. Outros "colunistas" bem pagos da mídia chegam a insinuar que a culpa pelos violentos conflitos, que já causaram oito mortes, é do presidente Evo Morales, "um radical e populista" que instigou o separatismo regional.
A manipulação é grotesca até na terminologia. No caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que há décadas enfrentam as oligarquias paramilitares e que foram excluídas violentamente da luta institucional no país, os guerrilheiros são estigmatizados como terroristas, narcotraficantes, bandidos. Já os bandos terroristas da Bolívia, organizados e armados pela elite racista que desrespeita o voto popular, são tratados como "comitês cívicos" e "grupos rebeldes". O embaixador estadunidense Philip Goldberg, que acaba de ser expulso da Bolívia por estimular abertamente a divisão do país, é apresentado pela mídia subserviente como "negociador".

A triste lembrança do Chile

O que está em curso na Bolívia é um golpe fascista organizado pela oligarquia local e teleguiado pelos EUA. Seus métodos terroristas lembram o ocorrido no Chile, em setembro de 1973, noutro golpe sangrento orquestrado pelo "império do mal". Visam desestabilizar e derrubar o governo democraticamente eleito de Evo Morales, confirmado em agosto num referendo. Poucos são os veículos midiáticos e os "colunistas" que denunciam esta conspiração, talvez porque torçam pela derrota do que FHC chamou num paper ao governo Bush de "esquerdização da América Latina". Como verdadeiro "partido da direita e do capital", a mídia burguesa não tolera a democracia!

Uma das raras exceções foi o lúcido artigo de Clóvis Rossi, que há muito estava adormecido por seu rancor antiesquerda. "O que está em andamento na Bolívia é uma tentativa de golpe contra o presidente Evo Morales. Segue uma linha ideológica e táticas parecidas as que levaram ao golpe no Chile, em 1973, contra o governo de Salvador Allende, tão constitucional e legítimo quanto o de Evo Morales. Os bloqueios agora adotados nos Departamentos são uma cópia dos locautes de caminhoneiros que ajudaram a sitiar o governo Allende... Nem o governo nem a oposição no Brasil têm o direito ao silêncio", escreveu, relembrando sua perspicácia e coragem do passado.

O criminoso Philip Goldberg

A conspiração golpista na Bolívia, acobertada pelo grosso da mídia nativa, exige rápida resposta das forças progressistas e democráticas do Brasil. Como afirmou Evo Morales, trata-se de "uma violência fascista com o objetivo de acabar com a democracia e dividir o país". Sob o biombo da autonomia regional, governadores de cinco departamentos (estados) e abastados empresários têm financiado bandos terroristas que já assassinaram oito camponeses favoráveis ao governo eleito, saquearam prédios públicos, destruíram uma emissora estatal de televisão, sabotaram gasodutos, bloquearam rodovias e proibiram o próprio presidente de pousar em três aeroportos do país.

Segundo relatos de Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior, na semana passada "grupos de jovens de setores da classe média branca, que não escondem seu sentimento racista em relação a Evo Morales, lideraram as manifestações. Capitaneados pela União Juvenil Cruzense (UJC), eles invadiram o prédio da empresa estatal de telecomunicação para ‘entregá-lo à administração do governo Rubén Costas’, de Santa Cruz. Na Televisión Boliviana/Canal 7, saquearam o escritório, destruíram computadores e fizeram uma fogueira na entrada do prédio". Além de Santa Cruz, as ações terroristas ocorrem em outros quatro departamentos - Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca.

Os EUA estão diretamente metidos no complô. O embaixador Philip Goldberg já foi fotografado em eventos da União Juvenil Cruzense (UJC), grupo terrorista de Santa Cruz que utiliza o slogan "terminemos com os ‘collas’ [indígenas], raça maldita". A embaixada ianque até contratou vários destes bandidos. Goldberg é um fascista convicto. Como embaixador dos EUA na ex-Iugoslávia, ele orquestrou a crise no Kosovo e a sangrenta guerra civil separatista naquele país. Declarado persona non grata, ele finalmente foi expulso da Bolívia. "Não queremos aqui gente separatista, divisionista, que conspira contra a unidade do país", justificou o presidente Evo Morales.

Intensificar a solidariedade internacionalista

O governo, mesmo aberto ao diálogo, não tem se submetido à pressão dos golpistas, que exigem a anulação da nova Constituição e do referendo que aprovou a manutenção do mandato de Evo Morales. Ocorrido em 10 de agosto, por demanda da própria oposição, o referendo confirmou a força do atual presidente. Evo foi ratificado em 95 das 112 províncias do país e, apesar do caos promovido pelos golpistas, teve mais votos do que na eleição presidencial - obteve 67,41% dos votos, bem acima dos 53,3% em 2005. Sua votação cresceu em oito dos nove departamentos e o referendo ainda revogou o mandato de dois governadores ligados às oligarquias racistas.

Desesperada, a elite investe no terrorismo e esbarra na resistência do governo e do povo. "Vamos agir com serenidade, mas também com firmeza", diz Alfredo Rada, ministro da Defesa. Walker Sam Miguel, ministro do Interior, garante que "os fascistas não passarão". O governo já decretou estado de sítio, ameaça deter os chefes terroristas e acionou tropas do exército nos departamentos para garantir o fornecimento de gás e a ordem pública. A derrota dos fascistas, porém, exige o apoio dos governos e dos movimentos sociais na América Latina. O que está em jogo é o avanço da democracia, é a derrota das oligarquias, do "império do mal" e da mídia mentirosa.


* Jornalista

sábado, 13 de setembro de 2008

Manifesto repudia agressões fascistas na Bolívia

Apoio e solidariedade ao governo Evo Morales

Num cenário de tentativas de golpes na Venezuela, Bolívia e Paraguai, estimulados pelas elites fascitas, temos de elevar o nosso olhar para além do umbigo e das divagações egoístas. É hora de erguer a voz e defender nossos países irmãos que resistem aos ventos do Norte e tentam reconstruir suas histórias e seus destinos. Que façamos, nem que seja de forma virtual, um gesto de solidariedade para que a justiça e a liberdade prevaleçam nesses países.
Maria Sem Vergonha do Cerrado

Sobreviviendo - Victor Heredia


Cinco Siglos Igual - Leon Gieco - Victor Heredia



Um grupo de intelectuais, ativistas e lideranças de movimentos sociais e políticos de vários países do continente divulgaram um manifesto em defesa do presidente da Bolívia, Evo Morales, e em repúdio às agressões fascistas contra a democracia. O texto afirma:


“A Bolívia enfrenta o maior atentado contra a democracia e a constitucionalidade. Repudiamos os atos de vandalismo organizados pela oligarquia e grupos fascistas de Santa Cruz, que tentam provocar uma guerra civil ou um golpe de Estado. Defendemos punição aos responsáveis e esperamos que a oposição mantenha seus pleitos por meios legais e democráticos. Não nos manteremos impassíveis frente a estes acontecimentos. Estamos comprometidos com a democracia, a justiça e a autodeterminação dos povos e as defenderemos em qualquer parte do mundo. Hoje é na Bolívia. E Estamos com a Bolívia”.

Já assinaram o manifesto:Estados UnidosImmanuel Wallerstein, Grassroots Global Justice Alliance,MéxicoAna Esther Ceceña, Enrique Leff, José Francisco Gallardo, Angel Guerra, Ricardo Melgar, Manuel Pérez Rocha, Enrique Rajchenberg, Gudrun Lohmeyer, Carlos Lenkersdorf, Alicia Castellanos, Gilberto López y Rivas, Carlos Fazio, Observatorio Latinoamericano de Geopolítica, Alberto Arroyo, Fernando Buen Abad, Beatriz Stolowicz, Carlos Beas, Magdalena Gómez, José Luis Ávila, Aldo Rabiela, Dolores González Saravia, Red Mexicana de Acción frente al Libre Comercio, Marco Antonio Velázquez, Comité Mexicano de Solidaridad con Bolivia, José Steinsleger, Ma. Guadalupe Guadarrama Huerta, Benjamín Tirado, Jaime Estay, Red Nacional Genero y Economía, Marcha Mundial de las Mujeres, Mujeres por el Diálogo AC, Siembra AC, Leonor Aída Concha, Maricarmen Montes C, Rosa Barranco, Angeles González, Lourdes del Villar, Elizabeth Alejandre, Graciela Tapia, Virginia Bahena, Cecilia Bonilla, Marianela Madrigal, Teresina Gutiérrez-Haces, Ezequiel Maldonado López, Héctor de la Cueva, Centro de Investigación Laboral y Asesoria Sindical, Federico Manchón, Aida Lerman, Frente Autentico del Trabajo, Ezequiel Garcia Vargas, Hilda Ramirez Garcia, José Luz Trejo Torres, Cándido Cerón Hernández, Gabino Jimenez, Movimiento Mexicano de Solidaridad con Cuba, Comité de DH "Asís", Héctor Martínez, Ericka Navarro, Rodolfo Castillo, Lucía García, Isabel Pichardo, Josefina Ponce, Juana Quevedo, Alejandro Castillo, Pilar Puertas, Colectivo Cosme Damian, Jaime Cota Aguilar, CITTAC, Dalia Ruiz Avila, ALAMPYME, Adán Rivera, René Fernández, Ciudadanos en Apoyo a los Derechos Humanos A.C., Consuelo Morales Elizondo, CADHAC, Mario Bladimir Monroy Gómez, Paula Ramírez, MACONDO, Raymundo Reynoso, AMATE, Julieta Reynoso, Alejandro Javier Herrera, Arte en Rebeldia, Seeking Heaven Crew, Iniciativas para el Desarrollo de la Mujer Oaxaqueña AC, Josefina Morales, Berence Ramirez, Hida Puerta, Germán SánchezEquadorMaría Augusta Calle (Presidenta de la mesa de soberanía, relaciones internacionales e integración latinoamericana en la Asamblea Constituyente), Ecuador Decide, Paulina Muñoz, SERPAJ Ecuador, Helga Serrano, ACJ Ecuador, Osvaldo León, Sally Burch, Eduardo TamayoHaitíCamille ChalmersFrançaJuan Carlos Bossio Rotondo, Yole Risso BossioAlemanhaDario AzzelliniBrasilTheotonio Dos Santos, Roberto Leher, Plinio de Arruda Sampaio Jr., Confederação Sindical de Trabalhadores/as das Américas, Marcha Mundial das Mulheres, REMTE, Rede Social de Justica e Direitos Humanos, Marcelo Carcanholo,EspanhaJuan Carlos Monedero, Francisco Fernández BueyRepública DominicanaChiqui ViciosoParaguayMartín Almada, Marielle Palau, Orlando Castillo, Iniciativa Paraguaya de Integración de los PueblosColômbiaJuan Manuel Roca, Gilberto Herrera Stella, Emmanuel Rozental, Consejería de la Asociacion de Cabildos Indígenas del Norte del Cauca, Alianza Social ContinentalVenezuelaGustavo Fernández Colón, Edgardo LanderCanadáMichel Lebowitz, Pueblos En Camino, Foro Social de Toronto-Canada, Janet Conway, Judy Rebick y Carlos TorresChileMarta Harnecker, Rafael AgacinoArgentinaMiguel Mirra, Susana Moreira, Emilio Taddei, Víctor Ego Ducrot, Mopassol, Juan Roque, Telma Luzzani, Julio Gambina, Rina Bertacini, ATTAC - Argentina, Diálogo 2000, Nora Cortiñas, Jubileo Sur AmèricasEl SalvadorRaúl Moreno, Red Sinti TechanUruguaySebastian Valdomir, REDES-Amigos de la Tierra, SERPAJ América Latina, Ana Juanche, Antonio Elías,PerúLuis Miguel Sirumbal, Rosa Guillén, Marcha Mundial de las Mujeres de las Americas, Alianza Social Continental - Capitulo Perú, Monica BruckmannGuatemalaMesa Global

O ato de envelhecer

*Kelly Garcia
Há duas semanas tive a oportunidade de assistir ao show do Ney Matogrosso, Inclassificáveis, uma dessas raras vezes da gente ver de pertinho aquele artista que é de fato considerado um ídolo.
Para entender como o Ney Matogrosso ocupou em minha vida essa condição preciso dizer que na infância a música que me deixava maluca de vontade de dançar era o “Vira”...quando escutava aquele comecinho inconfundível ...e aquela voz chamando “o gato preto cruzou a estrada”...que alegria!
Era uma criança e amava o ritmo daquela música e adorava ver aquele cantor todo fantasiado cantado e dançando. Ele era “o máximo” que junto com a “lua iluminava a dança a roda e a festa”.
Sobre o Ney escutava insinuações preconceituosas dos adultos que não entendia..criança naquela época era ingênua, não era “esperta”, talvez porque não fosse necessário escutar “cacos-músicas” maliciosas acompanhadas de bailarinas arrebitando os traseiros para fazer gestos lascivos e vulgares.
Como a gente mata o tempo e ele nos devora... lá estava eu bem distante da menina de trinta anos atrás que dançava em frente a TV branco e preto, esperando
para ver ao vivo e mais colorido que nunca o ídolo da infância.
Abriram as cortinas e lá estava ele... um homem miúdo, um gigante no palco, com voz, corpo e alma, soprando vida a união mais perfeita da história da humanidade, melodia e letra, como uma serpente sensual, absolutamente hipnótico, que ali, especialmente, expressava a sua vivência, e qual era o exato tamanho da energia dos seus assumidos 67 anos de idade, fazendo um “ode à vida” sem deixar de admitir o processo do envelhecimento.
Estar ali naquele momento foi captar num exuberante espetáculo que o artista estava exibindo sua própria vida e o agir do tempo sobre a sua condição humana, e que embora o processo seja por vezes doloroso, esse é o único fio condutor, e viver continua sendo sempre a melhor escolha.
Por que será que hoje é tão sofrível aceitar o envelhecer, até a palavra velho já foi substituída por termos “politicamente corretos” como se ficar velho fosse um delito!
Penso que esse comportamento é também fruto da organização material da sociedade que tem como pilar a produção e o consumo de mercadorias, cuja sobrevivência depende de fazer com que mais e mais pessoas desejem consumir a mercadoria nova mesmo que antiga ainda esteja em perfeitas condições de uso.
Nos moldes de nossa sociedade onde tudo começa e termina na simples palavra “mercadoria” o que é velho somente serve para ser descartado.
O mesmo comportamento de mercado, infelizmente, está presente nas relações sociais, que acabou tornando a inevitável ação natural do envelhecimento um cruel isolamento social, provocando nas pessoas o medo de ser descartado tal qual um sapato “fora de moda”, tornando esse período da vida cheio de sofrimento.
Assim, por todos os lados a publicidade os meios de comunicação exaltam a beleza da juventude, deixando no imaginário a impressão que somente os jovens comem, usam sabonetes, precisam de tênis, gostam de carros, de viajar, o mundo do consumo sem dúvida nenhuma é dos jovens, o problema que essas idéias são assimiladas rapidamente no comportamento humano, pois a mente está onde os pés pisam, e aos poucos vai se massificando a cultura do “descarte humano por tempo de vida”. Essa forma de exclusão somada aos desgastes naturais do corpo acabam por causar a sensação que o envelhecer não é viver mas sim um mero sobreviver.
Sorte de nós os subvertidos, que a humanidade nunca se dobrou de forma uníssona a qualquer idéia, há sempre a resistência e muitos exemplos de vidas são verdadeiros contrapontos diante dessa “sandice mercadológica”, como Cora Coralina que aos 80 anos publicou seu primeiro livro, Gabriel Garcia Marques que fez 90 anos e escreveu Memórias de Minhas Putas Tristes (um otimismo apaixonante), José Saramago que acabou de lançar mais um livro com mais de 80 anos, Oscar Niemayer que continua criando suas obras no seu corpo de 100 anos e também a Profª Maria Luisa Papa, uma campo-grandense que há 50 anos está a frente de uma sala de alfabetização por amor ao magistério, Bibi Ferreira e tantos outros.

De olho naquele ser único no palco a mente buscou aquela criança que no passado dançava o “Vira” na frente da TV, por vezes senti alagar a íris, não por tietagem, ou coisa de fã, mas pelo sentimento que aquele artista foi capaz de provocar, talvez porque como tantas outras pessoas, percebo cada vez mais o tempo correndo envolta do meu corpo e puxando os meus cabelos. E como tantos outros seres, vivencio a angustiante busca do essencial lutando e sofrendo cotidianamente com a contradição de viver em um tempo de necessidades vãs e de muitas insanidades cometidas para que elas sejam satisfeitas.
Hoje além do “Vira” que sempre foi motivo de saudades alegres levarei na lembrança o homem de 67 anos capaz a dizer “o que eu quero assim é ser velho” dá melhor maneira que já pude presenciar .

Não vou lamentar
a mudança que o tempo traz, não
o que já ficou para trás
e o tempo a passar sem parar jamais

já fui novo, sim
de novo, não
ser novo pra mim é algo velho
quero crescer
quero viver o que é novo, sim
o que eu quero assim
é ser velho.

envelhecer
certamente com a mente sã
me renovando
dia a dia, a cada manhã
tendo prazer
me mantendo com o corpo são
eis o meu lema

meu emblema, eis o meu refrão
mas não vou dar fim
jamais ao menino em mim
e nem dar de não mais me maravilhar
diante do mar e do céu da vida
e ser todo ser, e reviver
a cada clamor de amor e sexo
perto de ser um Deus
e certo de ser mortal
de ser animal e ser homem

( Lema – Carlos Rennó e Lakua Kanza)
Dedico esse texto ao filósofo João Roberto Talavera por tudo que sempre foi e será.
* Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Leia a íntegra do voto do Ministro Carlos Ayres Britto pela demarcação contínua de Raposa Serra do Sol

O ministro Carlos Ayres Britto concluiu seu voto pela demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Segundo ele, o laudo antropológico que fundamentou a demarcação da Raposa Serra do Sol não contém vícios, e a Portaria 534/05, do Ministério da Justiça, incluiu somente terras indígenas nos marcos territoriais da reserva. No voto, Ayres Britto determina que seja cassada decisão liminar do STF (AC 2009) que, em abril, impediu a retirada dos não-índios da reserva. O julgamento está suspenso devido a pedido de vista do ministro Menezes Direito.

leia aqui: http://www.cimi.org.br/pub/publicacoes/1219883503_pet3388CB.pdf

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Eu

Foto: blog Prince Cristal
* Floberla Espanca


Até agora eu não me conhecia,
julgava que era eu e eu não era.
Aquela que em meus versos descrevera

Tão clara como a fonte e como o dia.
Mas que eu não era

Eu não o sabia mesmo que o soubesse, o não dissera…
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim… e não me via!

Andava a procurar-me
- pobre louca!
- E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Ah, esses loucos e loucas!

Por Kelly Garcia

Tenho uma relação de dependência da arte...
Literatura, música, filmes, pintura, teatro, escultura... não sei definir o que ela significa em minha vida, é um pouco do ar que respiro, e não sou erudita, pelo contrário, sou intuitiva...popular na pura expressão.
Lembro que a primeira vez que prestei atenção em um poema foi no Morte e Vida Severina...especialmente no final, quando o Severino perguntava se não era melhor se atirar no Capibaribe e acabar com aquela “droga de vida”, e a resposta dada pelo pescador “o mestre” foi que mesmo uma vida sendo severina, era vida e por isso merecia ser vivida.
- Choro toda vez que leio esse final....
Assim...fico pensando que bom que existem pessoas com a capacidade de João Cabral de Melo e Neto, que além de denunciarem o parco pão e nenhuma justiça, não matam os severinos no final...dão a eles um pouco de esperança.
Os maiores artistas tem a capacidade de emocionar e são atemporais...essa eternidade ironicamente parece uma compensação pelo tormento de terem nascido com uma “antena” maior que a dos outros para captar as dores do mundo...
Esses seres não só sentem essas dores como também dão forma, melodia, versos, rimas, cores, gritos e imagens a elas...e para tantos, na sociedade, isso é inadmissível e por isso proferem sentenças ‘moralóides’ e condenam à fogueira da ‘profana inquisição’ !!
_ Cazuza! Aquele viciado...gay!
- Elis aquela drogada!
- Vínícius aquele alcoólatra!
- Fernando Pessoa, aquele deprimido!
- Van Gogh, aquele doido que cortou a orelha!!!
- Saramago! Ele não sabe escrever não coloca pontos nem vírgulas!!!
Penso que boa parte dos meus ídolos sofreram demais...não é fácil ter o coração e a mente aberta, necessários para produzir algo que consiga atingir importância na história da humanidade.
Quem é dado a colocar o dedo na face de alguém e acusar “fulano não é normal”, ainda não percebeu que nossa sociedade é bipolar...nosso tempo é bipolar...nossa era é a dos extremos é a da injustiça...todos precisamos de socorro.
Para os duros a arte socorre, impedindo boa parte de se tornarem monstros...seres desumanizados. Já os sensíveis demais, aqueles que alimentam a arte... tenho por eles a mais profunda admiração...pois sofrem muito com a insanidade cotidiana, a demência de um sistema global de sobrevivência, a violência contra a humanidade e contra as coisas vivas e essenciais.
A sensibilidade aguçada acaba tornando-se um fardo. E por serem em alguns momentos o céu azul da vida dos outros...pagam um preço muito alto...
De volta ao João Cabral, o primeiro poeta que me fez chorar...ele disse uma vez ser viciado em aspirinas, mas, isso não tem muita importância, o que mais me instiga a seu respeito é o fato de ter enfrentado grandes contradições para escrever o poema, era filho da oligarquia nordestina da década de 20, seu pai era um dono de engenho, mas mesmo assim foi capaz de escrever Morte e Vida Severina...e não matou o Severino. Não conheço direito a vida dele, mas penso que ninguém consegue sair sem cicatrizes desse caminho.
- Irmão das Almas você já chorou pelas dores do mundo?
Graças as obras dos bipolares, esquizofrênicos, psicóticos, maníacos depressivos, viciados, eu sempre choro!

Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Chico Buarque e Paula Toller cantam "Dueto"

Lua Cheia no Céu do Cerrado Acaba em Poesia

Por kelly Garcia


Esse final de semana (ele de novo) fomos agraciados com aquelas compensações de viver a estiagem do planalto central. Enquanto aqueles chegados na poltrona assistiam qualquer coisa na TV, os gatos e gatas vira-latas estavam nos telhados e muros, bem longe olhando a LUA CHEIA, que os 18% de umidade fazia transbordar o prateado...
Quando olho para a senhora do céu noturno, lembro da música dos Paralamas “o céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu”.
Foram os “galileus” que disseram ser a lua um satélite natural da terra desprovido de luz própria, um mero refletor do todo poderoso sol. Cientistas possivelmente acham imbecil qualquer tributo ao céu de lua cheia, vez que nem mesmo tem ela luz própria!
Possivelmente, nos dias de lua cheia os que nunca levantam da poltrona para olhar para o céu, os que não tem vontade de sair, subir no telhado, beijar seu amor, escutar uma música, encostar em algum lugar e o olhar simplesmente olhar, tem sobre si o céu de Galileu.
Já aqueles que se enchem como a lua e não cabem nos cômodos da casa, são como o sonhador do Ícaro que queria ganhar o céu...ou ainda como a Jacy a indiazinha tupi que morreu no rio porque foi atrás da sua lua refletida na água.
Quando penso em beleza, penso no céu de lua cheia...
disponível, gratuito, generoso, que farta de encanto todos que ainda tem vontade de voar como Icaro, de se entregar como a Jacy, ou ainda, que sejam, como eu uma reles gata vira-lata que “sobe no telhado” apenas para olhar e pensar numa linda poesia, como essa do Altair de Oliveira que tive a sorte de ter como companhia nesse lindo final de semana de lua gravidamente prateada no céu do cerrado.

HIPÓTESES
I
NUNCA MAIS desfazer,
Se uma vez feito,
Uma gota sequer
Do amor-perfeito
E JAMAIS insistir em desistir
Dum instante qualquer
Que intente rir
Ou da busca de algum contentamento.
EVITAR
As estrada mais pisadas,
As tristezas mostradas pra alegrar
E também disfarçar o querer-bem
Ou o tal de “magôo pro teu bem”
E nem morto
Viver pra revidar.
ATENTAR contra as forças corrompidas,
Amparadas por leis envelhecidas,
Entretidas em sempre escravizar...
QUESTIONAR sobre pesos e medidas,
Sobre iguais mais iguais,
Favorecidos,
Os que impedem o futuro de chegar.
II
Quando aquilo que sonha não quer vir,
Enfadar de esperar e procurar.
Se o que for lhe bastar, nem existir,
nem seguir se não tem o que buscar.
Sem sentir, sensatar e desistir.
Permitir que desgraças possam ir
e que graças que passam o façam rir.
Ter prazer e motivos emotivos
pra doer toda vez que acontecer
dum encanto que canta perecer
ou dum riso mais vivo lhe evitar.
Levitar todas quartas, todas terças,
Inventar de saltar por sobre cercas, sobre cárceres e cordas que encontrar.
(Altair de Oliveira – O Embebedário Diverso )


Kelly Garcia – advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Nanquim

* Por Kelly Garcia

Lá vem ele novamente para azucrinar, o final de semana.
Só que estou ficando mais esperta, desta vez preferi combinar um programa caseiro, com um cardápio gostoso, música e uns filmes, diria um certeiro e seguro programa de sábado à noite.

Entre os filmes selecionados para assistir estava um curta metragem chamado Nanquim, produzido e dirigido por Maurício Copetti, rodado num magnífico cenário de Corumbá, uma obra com “carimbo de origem” sul-mato-grossense.

Foram dezessete minutos de pura sedução da luz sobre o preto e branco. O filme é tão atraente que dá impressão que a gente se tornou parte e que será aos poucos absorvido pelo papel branco, tal qual a própria tinta da china, e que a qualquer momento terá a possibilidade de ser transformado em uma imagem única e extraordinariamente bela capturada por olhos, lentes e sensibilidade daqueles poucos que são capazes de perceber os detalhes e requintes presentes nos mais triviais momentos nos mais singelos lugares e nos seres mais banais.

Poesia escrita com a luz..., extraída da presença e ausência total de cores e do seu contraste essencial para interação do preto e do branco. Olhando atentamente todas as riquezas dos detalhes produzidas graças a essa relação, foi inevitável pensar no que Fernando Pessoa escreveu “ mas o contraste que não me esmaga- liberta-me; e a ironia, que há nele é sangue meu”.

Nenhuma palavra ...ali todas absolutamente desnecessárias. Sutilezas. Todos sabem que o Nanquim é uma substância a base de carvão, e conforme dados históricos, uma das muitas invenções chinesas que o ocidente se apropriou para facilitar a escrita. Doce ironia do poeta das lentes...poema sem palavras feito de nanquim. Coisas da arte e dos espíritos dos artistas, que ajudam a amenizar a rudeza de nossa existência.

E para aqueles que antes de assistirem Nanquim torcerem o nariz e com empáfia classificarem a obra como ‘regional’ direi novamente Pessoa “há na nossa experiência da terra duas coisas só – o universal e o particular. Descrever o universal é descrever o que é comum a toda alma humana e a toda experiência humana – o céu vasto, com o dia e a noite que acontecem dele e nele”.
Tudo no filme é decorrente da primorosa capacidade humana de produzir a beleza de envolver os sentidos dando a entender que contraditoriamente o nada pode ser o tudo e por vezes do tudo se transforma em nada, na linguagem universal da arte.

Quanto ao diretor, Copetti, deve ser daqueles que ao entrar em um cômodo escuro ao notar a luminosidade penetrando pela fresta da porta diz – Nossa! Que luz fantástica
!

* Kelly Garcia é advogada

domingo, 10 de agosto de 2008

Em defesa do povo Kaiowá Guarani

Foto: face guarani - Fernando Gabeira

"Nós, do povo Kaiowá Guarani, que vivemos há milhares de anos nessa região, que inclui o Sul do Mato Grosso do Sul, realizamos na Terra Indígena Sassoró uma Grande Assembléia - Aty Guasu, onde fizemos o batismo dos Grupos de Trabalho de Identificação de nossas terras e de nossos aliados do Ministério Público e outros órgãos e entidades.
Essa é uma celebração histórica, onde a luta e o sonho de muitos anos começa a se tornar realidade. Celebramos também as inúmeras lideranças que derramaram seu sangue defendendo e lutando pela terra sem a qual ficamos como árvores sem raízes, pois o "índio é a terra e a terra é o índio".
Queremos lembrar todo o sofrimento que estamos passando, a fome, a violência, as prisões, os assassinatos, os suicídios, os atropelamentos, o desprezo e ódio com que muitas vezes somos tratados. E para começar acabando com isso, só tem uma saída: ter de volta nossos tekohá, nossas terras tradicionais, onde estão sepultados nossos pais, avós e antepassados.
Tomaram nossas terras, exploraram nosso trabalho, destruíram a mata e toda a riqueza que nela estava, envenenaram as águas e a terra e agora parece que querem nos ver longe, talvez embaixo dessa mesma terra. O governador do nosso estado falou até em nos despejar em outras terras de outros povos indígenas como os Kadiwéu. Perguntamos, será que fazem por não conhecer nada de nosso povo, de nossa história e o que a terra significa para nós ou essa gente não tem coração, não tem civilização, não tem família, não tem filhos, não tem humanidade? Tudo isso não faz o menor sentido.
Queremos dizer que estão espalhando um monte de mentiras para criar confusão e violência e desta forma impedir a demarcação de nossas terras. Apenas queremos justiça, queremos a terra suficiente para viver em paz, criar nossos filhos, fazer voltar a alegria e felicidade às nossas aldeias. Não entendemos por que estão fazendo tanta tempestade, como se nós fossemos criminosos indesejados, e que a devolução de pequena parte de nossas terras, fosse acabar com a economia do Estado, extinguir cidades e desalojar 700 mil pessoas como os políticos de nosso estado vêm falando. Chegaram até a dizem que não somos brasileiros!
Deixem de espalhar mentiras! Jamais isso irá acontecer. Falam essas mentiras para jogar as pessoas que não sabem da verdade todas contra nosso povo. Falam isso como estratégia maldosa para conseguirem o apoio dos mais pobres que são a maioria da população em beneficio dos interesses dos fazendeiros que só pensam em dinheiro, incitando a população à violência e ao racismo contra nosso povo.
Com essas mentiras, fazem essas pessoas terem raiva e ódio dos Kaiowá e Guarani.
Sabemos que os não-índios tem seus direitos, e esses serão assegurados pelo Governo e sem se sobrepor aos nossos direitos. Então, essas mentiras maldosas servem apenas para negar completamente nossos direitos e nos deixar sem perspectivas de futuro, no eterno abandono e as mortes continuando.
A demarcação de nossas terras é boa para todos, pois irá acabar definitivamente com os conflitos e incertezas.
O povo Kaiowá e Guarani não quer mais conflitos, não quer mais violência e morte de nosso povo nem de ninguém, somente quer seus direitos conquistados e garantidos pela Lei e pela Constituição Federal. Aquilo que queremos é muito pouco se contarmos os mais de 500 anos de expulsão de nossas terras e da morte de nossos parentes.
Queríamos ver os senhores de gravata, de montes de dinheiro, que comem e bebem todos os dias à vontade, viver em nosso lugar. Não temos dúvida de que logo mudariam de idéia ou acabariam morrendo.
Mas nós já agüentamos quinhentos anos de invasão e violência. Celebramos nossa sabedoria e resistência. Nhanderu tem muita força e importância. Com eles vamos vencer. Vamos ter nossas terras de volta. Estão começando os primeiros passos.
Sabemos que não estamos sozinhos. Temos muitos amigos e aliados, pessoas que sabem a verdade de todo o sofrimento que estamos passando, aqui mesmo no Mato Grosso do Sul, mas também em todo o Brasil e mundo afora.
Saímos mais unidos, fortalecidos e dispostos nessa grande celebração.
Juntamente com nossos Nhanderu temos a certeza de que vamos vencer!"


Terra Indígena Sassoró, município de Tacuru, Mato Grosso do Sul, 01 de agosto de 2008.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Romântica: espécie em extinção

* por Kelly Garcia


Segunda, terça, quarta, quinta e sexta, antes dizia, oba é sexta-feira , agora digo, - nossa já é sexta! (se eu disser que ando gostando de segunda-feira será que alguém vai solicitar minha interdição por insanidade plena).

Já que é inevitável, final de semana lá vamos nós...n-o-v-a-m-e-n-t-e.

Quando se está há pouco tempo reinserido no mundo da solteirice, os mais antigos na citada condição, prestam solidariedade e inventam o que fazer na tentativa de amenizar o processo de adaptação, pois bem, nessas condições foi que surgiu o convite, - vamos sair para dançar! E assim ficou “combinado” o primeiro compromisso do final de semana...

Uma vez escutei o Augusto Boal dizer em uma entrevista, que a dança é o momento em que o corpo consegue se comunicar com a música, e por isso qualquer pessoa é capaz de dançar, mesmo aquelas com severas limitações físicas provocadas por paralisia cerebral, porque, para ele, qualquer mínima expressão corporal provocada pelo encontro “música e corpo” pode ser considerada uma forma de dança.

Como adoro música, mas não tive disciplina para aprender a tocar um instrumento musical e também nasci desprovida de uma voz afinada, dançar acabou sendo o meu único canal físico de comunicação com a música.

Com tal e único intuito, parti rumo ao dito programa noturno. Lá chegando à primeira coisa que constatei foi que meu corpo não queria saber de papo com a música que estava tocando! - Como era horrível! Sem condições de estabelecer qualquer canal de comunicação.

E, como diz o ditado, “quem não dança segura a criança” fiquei na mesa cuidando as chaves e bolsas do pessoal, que ao contrário de mim, estava conseguindo estabelecer uma comunicação com aquela cacofonia. Nada a fazer, senão, no meio da fumaça e das nuances das luzes indiretas, dar vazão aos pensamentos e ficar observando o movimento da noite.

Bastou um olhar mais cuidadoso nos seres da noite para logo passar a me sentir péssima. Embora tivesse informação sobre o assunto, ver com meus próprios olhos o modus opedandi, e ficar por dentro das novidades “da moda”, no quesito comportamento, em especial o das mulheres, foi no mínimo impactante.

Mulheres procurando insanamente uma fugaz “conquista”, valendo de tudo para tanto, aceitando as regras de um jogo meio insano, expondo sem piedade o corpo, esquecendo que ele é materialização de um ser humano com história de vida, sentimentos, alegrias, dores, conquistas e acima de tudo é único.

Pessoas que não tem nome, no máximo um número de celular para ser colocada em uma ridícula lista de alguém que jamais voltará a ligar.

Olho para o lado e vejo uma criança com maquiagem pesada, expondo seu corpo em um indefectível vestidinho da moda, que hoje dita o curtíssimo, partindo para a quinta boca da noite.

Olho para o outro e vejo um mulher madura tentando parecer a jovem de dezoito, vestindo o mesmo vestido, fazendo questão de expor seu grande investimento em uma prótese de silicone, fazendo as mesmas caras e bocas, tentando pegar outras bocas e sendo o alvo de brincadeiras e piadas dos garotões das mesas vizinhas.

Mulheres solitárias ou meninas na flor da idade procurando emoção e expondo peitos, coxas, barrigas, e outros itens. A saborosa sedução foi substituída pela explicita exposição da carne, tal qual uma mercadoria. E tudo isso só para serem notadas por homens ou outras mulheres que circulam pelos corredores e olham com a mesma expressão de quem aprecia as gôndolas do supermercado.

A ordem é satisfazer as necessidades, - eu te uso e você me usa, ou melhor, eu te consumo e você me consome ... - Então para que gastar conversa, fazer perguntas ou saber o nome? Aliás, saber como alguém se chama, hoje é o cúmulo da intimidade, está “fora de moda”, portanto não serve para os dias atuais. E assim seguem os seres noturnos sem nomes, mas com várias etiquetas de grifes famosas ou suas respectivas piratas.

Minha alma foi invadida por um sentimento perturbador de pena, indignação, chegando em alguns casos a beirar a compaixão. O que tem acontecido com as pessoas, o que o nosso modo de vida fez com o processo histórico de humanização? Na minha cabeça aquela expressão dos peões martelava “aqui o sistema é bruto”.

E essa brutalidade ganhou espaço a partir da gradativa coisificação do ser humano, enquanto indivíduo e também na dimensão das relações sociais. Tudo muito deprimente, e, para piorar, quando ousei manifestar a minha indignação frente à decadência desse comportamento escutei um sonoro conselho:
- Hoje é assim mesmo, o problema é que você é muito romântica, você tem que mudar! (só faltaram dizer sua “bobinha de vestidinho cor-de-rosa”)

Toma! Quem mandou abandonar o José Saramago, ficar com ele teria sido um programa tranqüilo, tudo bem que nos seus livros ninguém tem nome, mas ele denuncia como ninguém a desumanização do ser ! O que, para uma irremediável “romântica” está de bom tamanho!

* Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Equilíbrio e desequilíbrio - viver é caminhar na corda bamba

* Kelly Garcia
Hoje, domingo de estiagem em minha cidade, a falta de umidade sacrifica o corpo...mas durante o dia o céu é profundamente azul, é incomparável (quando não tem fumaça é claro), e também a noite quando a lua é cheia...nossa! E quem é como eu, uma autêntica gata vira-lata, toda a sequidão se torna úmida nos olhos... sem falar da florida dos ipês.

São as compensações...será que essa é a palavra certa. Por que compensar..talvez para amenizar, para equilibrar, e equilibrar para viver, será que de fato esse é o sentido ...equilibrar.

Sair do lugar é um ato de equilíbrio e desequilíbrio. Equilibramos e jogamos um pé para frente, nesse momento desequilibramos, e depois voltamos a nos equilibrar e pronto, avançamos no espaço ..e se darmos sequência a esse processo, passos e mais passos começamos a caminhar, e assim surgiu a idéia, concreta e a simbólica, de caminho e a necessidade do movimento. E tudo começou com contraditória relação do equilíbrio e do desequilíbrio.

Como é simples...pensar o mecânico. E como é dificil viver essa caminhada na dimensão humana, onde nossos passos são intercalados com escolhas. Oh infernais escolhas! A vida é um eterno “ou”. A todo momento estamos diante de algo que é preciso decidir “ou isso ou aquilo”. Gostaria fosse bem maiores as chances da gente dizer “e” , e não “ou”, escolher os “es” , portanto não fazer escolhas.

E nessa sociedade capitalista ...nós pobres mortais assalariados, usamos nosso controles pessoais para ficar anotando os saldos de “ous” ..ou viajo ou pago o dentista, ou compro um computador ou conserto o carro, ou saio com amigos ou pago a prestação da geladeira...irritantes escolhas de mercado!

Dependendo do “ou” as conseqüencias são tão avassaladoras que a única coisa que conseguimos dizer é a letra da música do Arnaldo Antunes “socorro! não estou sentindo nada, nem medo, nem calor, nem fogo...nada! E pior que não sentir nada é sentir culpa...e quando pesada é capaz de deixar a vida sem qualquer sentido e alegria, porque no lugar de não sentir nada, passa se sentir um verdadeiro nada, o mais desprezível dos seres.

Companheira de toda jornada, a escolha, vem em sequência, fileiras de “ous” postas em nossa frente´. Um pensamento angustiante, passa pela cabeça: e se todas nossas racionais escolhas nos conduza por caminhos que de fato possibilitem atingir todos os objetivos traçados, mas que bem no momento em que supostamente seria o ápice, a íris dos sentidos focar a alma...e nesse instante sentirmos na boca o gosto da música do Djavan, "sabe lá o que morrer de sede em frente ao mar."

Novamente...contradição...equilíbrio... desequilíbrio...movimento. Como somos humanos isso dói.
kelly Garcia é advogada, militante e estilista da Maria do Povo

domingo, 20 de julho de 2008

Para Pensar

Enquanto Daniel Dantas continua livre, tomando espumante importada, jovem é preso por furtar dois frascos de shampoo:

"Saulo Fernando Corrêa Andrade, de 24 anos, foi preso neste sábado, às 15 horas, após furtar dois frascos de shampoo e dois de condicionador de um supermercado, na Rua Filinto Müller, no centro de Três Lagoas. O rapaz escondeu os produtos debaixo da roupa e saiu do Três Lagoas Super Atacado sem pagar os produtos. Um segurança percebeu e perseguiu Saulo, que só foi detido alguns metros depois.A polícia foi chamada e Saulo foi entregue com um ferimento no supercílio esquerdo. O supermercado alega que ele esboçou resistência quando o segurança o deteve. "
fonte: Campo Grande News

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Têmis decapitada - Caso Daniel Dantas



* por Kelly Garcia


Graças à operação da Polícia Federal, batizada de satiagraha, um nome sânscrito que significa algo parecido com “firmeza da verdade”, foi dada a inusitada “opportunity-dade” de assistirmos um banqueiro sendo preso.
- Convenhamos, banqueiro preso é raro até na Suíça!
O banqueiro Daniel Dantas, que tem nome de ator de televisão, do tipo galã, mas basta uma olhada na estampa do moço para perceber que está longe disso, tem uma vida, com certeza, mais emocionante que os roteiros das novelas da Globo, as antigas, obviamente.
Dantesca (não resisti o trocadilho) poderíamos chamar a rede de corrupção e “privataria” liderada por essa figura, hoje bem conhecida, que iniciou sua bem sucedida carreira apoiada nada mais nada menos por ACM ( in memorian - como se fosse fácil esquecer!).
Tudo bem que ninguém acreditava que o Dantas permaneceria na prisão, e sua liberdade, por meio de um habeas corpus, seria somente uma questão de horas, e, como todos previam, os doutos e os não doutos, foi só contar: tic tac tic tac tic tac e....mandado de soltura em mãos!
Nada mais, nada menos que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes “canetou” o deferimento.
- Bom, até aqui, tudo tal qual o quartel de Abrantes, sem nenhuma novidade.
Quando todos já estavam acostumados com a idéia do banqueiro se livrar de todas as acusações e ir gozar das benesses de ser milionário, fato que por si só dispensa maiores explicações, é noticiada a segunda prisão do banqueiro e começa o Inferno de Dantas (não resisti de novo!) parte II.
E nesse novo episódio foram exibidas cenas dos serviçais do senhor dos dedos e dos anéis, que, sem o menor pudor, ofereceram uma quantia obscena de dinheiro a um delegado da Polícia Federal para escrevesse um final feliz para a trama. O descaramento era tanto que merecia ter aparecido na tela do Jornal Nacional aquela tarja alertando: “para maiores de 16 anos”.
A ação da Polícia Federal e a prisão desses megas colarinhos brancos seriam absolutamente espetaculares se não tivesse uma coisa ofuscando o cenário do Inferno de Dantas: a insólita posição do presidente Supremo Tribunal Federal, que para a surpresa de todos se pôs contra o juiz que determinou as suas duas prisões.
Tudo bem que nesse mundo quem não está confuso não está bem informado, mas aí também é demais...
Tem um pensamento de Gramsci citado no livro Maquiavel, A Política e o Estado Moderno, que diz ser a má administração da justiça insuportável para o povo, em outras palavras, enquanto os problemas aparentam ser apenas do poder executivo e do poder legislativo existe uma certa tolerância, mas com o judiciário a insatisfação pode tomar rumos diferentes.
Talvez porque no imaginário popular ainda se tem a expectativa que a Justiça ainda dê conta de fazer Justiça. E em momentos como esse que estamos passando, não adianta tentar explicar por meio dos argumentos acadêmicos/filosóficos e também lastimáveis que direito e justiça são conceitos absolutamente diferentes.
O que estamos percebendo é que a inimaginável prisão de Daniel Dantas acabou provocando uma crise interna do poder judiciário e propiciando a rara oportunidade de se ver revelada fragilidade do “poder intocável”.
Toda essa triste exposição me fez lembrar de uma estatueta de gesso da Deusa da Justiça, recebida de presente de formatura, que foi alvo da curiosidade de uma criança de 3 anos, que conseguiu arrancar acidentalmente a cabeça da escultura e sem saber o que fazer com aquela cabeça colocou em uma das bandejas da balança presa as mãos da deusa.
... A Têmis decapitada e pesando a própria cabeça...hoje faz mais sentido que nunca!

Kelly Garcia - advogada sul-mato-grossense

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O que tenho ouvido

Monte Castelo - Legião Urbana

Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria...
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja
Ou se envaidece...O amor é o fogo
Que arde sem se ver
É ferida que dói
E não se sente
É um contentamento
Descontente
É dor que desatina sem doer...
Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor, eu nada seria...
É um não querer
Mais que bem querer
É solitário andar
Por entre a gente
É um não contentar-se
De contente
É cuidar que se ganha
Em se perder...É um estar-se preso
Por vontadeÉ servir a quem vence
O vencedor
É um ter com quem nos mata
A lealdade
Tão contrário a si
É o mesmo amor...Estou acordado
E todos dormem, todos dormem
Todos dormem
Agora vejo em parte
Mas então veremos face a face
É só o amor, é só o amor
Que conhece o que é verdade...

domingo, 13 de julho de 2008

O que tenho lido nos blogs independentes

Blog do Motta - Justiça seja Feita

Então é assim no Brasil. A Polícia Federal faz o que deve fazer, investiga e prende para, depois, a justiça soltar.
Não existe, até hoje, episódio mais exemplar de como as coisas funcionam no Judiciário deste país do que este da soltura relâmpago de Daniel Dantas e auxiliares.
O Supremo Tribunal Federal, na figura de seu presidente, Gilmar Mendes, que assinou a ordem, conseguiu a façanha de desmoralizar, de uma só e definitiva vez, não só a instituição que preside, como todo o Judiciário.
Não é pouco. Anos atrás, o mesmo tribunal deu liberdade para outro "banqueiro", chamado Salvatore Cacciola. Solto, a primeira coisa que vez foi fugir do Brasil para gargalhar, durante vários anos, dos tolos que o haviam prendido.http://cronicasdomotta.blogspot.com/2008/07/justia-seja-feita.html


Luiz Carlos Azenha - Quem dava cobertura a Dantas na MÍdia?
Agora, que a Polícia Federal alega ter desbaratado quadrilhas comandadas por Daniel Dantas e Naji Nahas, seria interessante levantar se jornalistas foram prestadores de serviço das duas quadrilhas na grande mídia brasileira.
Quem são eles? Como foram pagos? Que tipo de favores prestaram e receberam? Não contem com o PIG para isso: os jornalistas se protegem como se fossem integrantes de uma máfia. É hora da Polícia Federal agir e colocar na cadeia os jornalistas ou "comentaristas" quadrilheiros.
http://www.viomundo.com.br/

Amorim: Queiroz dá drible da vaca em Mendes
Daniel Dantas voltou para a cana onze horas depois de sair dela.

Não sentiu o gostinho de um banheiro com papel higienico de folha dupla.
O Supremo Presidente Gilmar Mendes deu fuga a Daniel Dantas com o argumento de que as provas já tinham sido todas colhidas e não havia motivo para deixá-lo preso. . O argumento central do novo pedido de prisão se baseia no fato de que, solto, Dantas continua a ter o poder de subornar politicos e jornalistas.
A Justiça aceitou o argumento da Policia Federal.
Queiroz intimou Dantas a depor imediatamente depois que Mendes deu fuga a ele.
Já estava, aparentemente, tudo planejado.
Quer dizer, foi uma vitoria da metade da Policia que não está a serviço de Dantas
Agora, vamos ver se Dantas continua a usufruir de "facilidades" no Supremo Tribunal. . E, aqui para nós, hein ?
O Delegado Queiroz acaba de dar o drible da vaca no Supremo Presidente Gilmar Mendes ...
Em tempo: Os brasileiros repudiam a Justiça de Gilmar Mendes. E se orgulham do juiz de Sanctis, da Justiça Federal de São Paulo, que abriu o disco rígido e prendeu Dantas duas vezes.

http://www.paulohenriqueamorim.com.br/forum/Default.aspx

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Anjos

Às vezes, recebo a visita de alguns anjos e
ele trazem palavras que reluzem teimosas esperanças
nesses tempos cinzas, tão desbotados de amor...
Hoje, recebi esse poema inédito do Victor Barone:

Jardins Secretos
Que nos permitam jardins secretos
Por entre este deserto de sentidos
Pássaros no olhar em meio ao caos


Que possamos respirar o infinito

Em meio a este mar de negrume
Olhos de anjo por entre os chacais


Que sejamos como vento leve
A acariciar o inquieto furacão
Audazes na cegueira eterna

Victor Barone, autor do livro Outros Sentidos