sexta-feira, 31 de outubro de 2008

O Vampiro


Baudelaire

tradução Jamil Almansur Haddad

Tu que, como uma punhalada,
Entraste em meu coração triste;
Tu que, forte como manada
De demônios, louca surgiste,
Para no espírito humilhado
Encontrar o leito e o ascendente;
- Infame a que eu estou atado
Tal como o forçado à corrente,
Como ao baralho o jogador,
Como à garrafa o borrachão,
Como os vermes a podridão,
- Maldita sejas, como for!
Implorei ao punhal veloz
Que me concedesse a alforria,
Disse após ao veneno atroz
Que me amparasse a covardia.
Ah! pobre! o veneno e o punhal
isseram-me de ar zombeteiro:
"Ninguém te livrará afinal
De teu maldito cativeiro.
Ah! imbecil - de teu retiro
Se te livrássemos um dia,
Teu beijo ressuscitaria
O cadáver de teu vampiro!"

sábado, 18 de outubro de 2008

Quem morre? Pablo Neruda





Morre lentamente
Quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem não encontra graça em si mesmo
Morre lentamente
Quem destrói seu amor próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
Quem se transforma em escravo do hábito
Repetindo todos os dias os mesmos trajeto,
Quem não muda de marca,
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou
Não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente
Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções,
Justamente as que resgatam o brilho dos
Olhos e os corações aos tropeços.

Morre lentamente
Quem não vira a mesa quando está infeliz
Com o seu trabalho, ou amor,
Quem não arrisca o certo pelo incerto
Para ir atrás de um sonho,
Quem não se permite, pelo menos uma vez na vida,
Fugir dos conselhos sensatos…

Viva hoje !
Arrisque hoje !
Faça hoje !
Não se deixe morrer lentamente !

- Pablo Neruda -

domingo, 12 de outubro de 2008

Sou Rio de Gabeira


Rio dos morros. Rio do Mar. Rio escandalosamente escancarado. Rio, a cidade mais bonita que conheci, deliciosamente maravilhosa, mas ainda tão desigual. Rio de Cartola, da verde rosa Mangueira. Rio, claro, de Gabeira. Sim. Sou Rio de Gabeira. As eleições cariocas foram as que mais me seduziram neste ano, mesmo morando mais de mil quilômetros de distância. No primeiro turno, além de Gabeira, tinha Chico Alencar (PSOL), por quem nutro um grande respeito e admiração, e tinha também Jandira Feghali (PCdoB). E o Rio surpreendeu o Brasil ao levar para o segundo turno esse mineiro de nascença e carioca de coração, que construiu uma trajetória nada comum. Jornalista que participou da luta armada, do seqüestro do embaixador estadunidense Charles Elbrick, uma ação corajosa e radical contra o regime militar. Foi baleado, preso, torturado. Poucos têm um passado como esse. A minha geração só conheceu essa coragem, essa dor, nas narrativas dos camaradas mais velhos, no cinema e nas leituras. Uma fonte foi o livro "O Que é isso, companheiro?", de autoria do próprio Gabeira, que devorei palavra por palavra quando tinha quinze anos e ainda era uma menina do interior. Li também "O Crepúsculo do Macho" e "Nós que amávamos tanto a Revolução".
É bom que se diga que o Gabeira de hoje não é o mesmo dos anos 60, assim como não somos mais o que fomos na nossa juventude. Mas Gabeira continua revolucionário ao propor e incorporar no seu cotidiano como cidadão e político a defesa do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável, dos direitos das minorias. Por muito tempo, na condição de deputado federal, Gabeira ia trabalhar de bicicleta, pedalando nas vias largas de Brasília, uma atitude coerente com o seu discurso de ambientalista. Lembro-me da sua voz firme e grave enfrentando o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti:
"Vossa Excelência está se comportando de uma maneira indigna de um cargo de Presidente de Câmara. Eu estou reclamando com Vossa Excelência porque não posso ainda entrar no Conselho de Ética contra Vossa Excelência, sou um deputado isolado. Mas eu afirmo, Vossa Excelência está em contradição com o Brasil! A sua presença na Presidência da Câmara é um desastre para o Brasil, um desastre para a imagem do Brasil! Ou Vossa Excelência fica calado, ou começa a ficar calado ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo."
No seu quinto mandato consecutivo no Congresso Nacional, Gabeira continua sendo uma voz ativa em defesa da decência na política, dos direitos dos índios, do fim do trabalho escravo, da qualidade de vida para todos. Por ser assim, conquistou na última semana o apoio público da senadora Marina Silva, contrariando a decisão pragmática do PT que decidiu se aliar ao Eduardo Paes.
Aí, você vem e me pergunta: “Mas Gabeira está com os tucanos. E aí?”. Aí, que depois que até o PT fez alianças com o Demo (DEM), com o PSDB e todos os Ps existentes, não passa a ser parâmetro a famosa frase bíblica: “Diga-me com quem andas que eu te direi quem és “. Confesso que me incomoda ver no programa do Gabeira alguns lacaios do neoliberalismo, mas consigo ver Gabeira muito além disso, assim como vejo Lula além das suas alianças e suas companhias.


Cariocas - Adriana Calcanhoto e Gabeira




Sou Rio de Gabeira


sábado, 11 de outubro de 2008

Maria Sem Vergonha voltou - um retorno no meio da grande crise do capitalismo


Depois de um isolamento forçado, Maria Sem Vergonha do Cerrado sai do casulo e começa a voar com as asas de borboletas azuis. Está certo que é um vôo meio desajeitado, torto, mas livre dos sintomas claustrófobos. É possível respirar outros ares. É possível ver o sol e os desenhos dos seus raios pincelando sombras que se distorcem e se contorcem até aonde o meu olhar pode ir para alcançá-las ...e o coração dispara. Estar viva é muito bom.
E entre as sombras contorcidas vejo o efeitos bombásticos do capitalismo eclodirem no berço do império e em vários lugares do mundo. A impáfia neoliberal estadunidense vai sendo quebrada, a mão do Estado socorre o mercado dominado, até então, pelos agiotas do capital financeiro e já não escuto nenhum paladino do neoliberalismo defendendo as suas teses tão propagadas nos anos 90, quando anunciavam a necessidade do Estado mínimo, a liberalização da economia, o fim da história e a morte da luta de classes, da esquerda e do pensamento marxista.
Lendo uma entrevista com François Chesnais na Agência Carta Maior, é possível compreender com lucidez as raízes e os efeitos da crise, que está apenas começando.

“Estamos diante de um desses momentos em que a crise vem exprimir os limites históricos do sistema capitalista. Não se trata de alguma versão da teoria da "crise final" do capitalismo, ou algo do estilo. Do que sim se trata, na minha opinião, é de entender que estamos confrontados com uma situação em que se exprimem estes limites históricos da produção capitalista. Não quero parecer um pastor com a sua Bíblia marxista, mas quero ler-vos uma passagem de O Capital: "O verdadeiro limite da produção capitalista é o próprio capital; é o fato de que, nela, são o capital e a sua própria valorização que constituem o ponto de partida e a meta, o motivo e o fim da produção; o fato de que aqui a produção é só produção para o capital e, inversamente, não são os meios de produção simples meios para ampliar cada vez mais a estrutura do processo de vida da sociedade dos produtores. Daí que os limites dentro dos quais tem de mover-se a conservação e a valorização do valor-capital, a qual descansa na expropriação e na depauperação das grandes massas de produtores, choquem constantemente com os métodos de produção que o capital se vê obrigado a empregar para conseguir os seus fins e que tendem para o aumento ilimitado da produção, para a produção pela própria produção, para o desenvolvimento incondicional das forças produtivas do trabalho. O meio empregado - desenvolvimento incondicional das forças sociais produtivas - choca constantemente com o fim perseguido, que é um fim limitado: a valorização do capital existente. Por conseguinte, se o regime capitalista de produção constitui um meio histórico para desenvolver a capacidade produtiva material e criar o mercado mundial correspondente, envolve ao mesmo tempo uma contradição constante entre esta missão histórica e as condições sociais de produção próprias deste regime”.


The Last Laugh - Crisis Subprime - Subtitulos Castellano