quinta-feira, 24 de abril de 2008

Liberdade midiática: eu quero uma pra viver

Graúna, do Henfil

Um dia desses fui dar uma palestra sobre a Mídia no Século XXI numa conferência partidária. O evento me surpreendeu. Há entre as pessoas que pensam um desejo enorme de debater o papel dos meios de comunicação na sociedade contemporânea e suas gritantes contradições. Vivemos numa sociedade democrática, mas na mídia não circulam pensamentos diferentes, não há confronto de idéias. Basta você olhar nas bancas as manchetes dos jornais nacionais: o mesmo título, a mesma abordagem. Como diz o grande mestre Bernardo Kucinski, “a ideologia de todos os veículos de grande imprensa possui o mesmo código genético”. Um parodoxo se formos comparar com a ditadura militar. Naquela época, o jornalismo vivia sob o corte nefasto da tesoura autoritária da censura e, mesmo assim, existiam veículos, como por exemplo o Correio da Manhã, que ousavam criticar o regime. Hoje, quando a sociedade reivindica o direito de ser plural, a mídia tem um pensamento único e arcaico e se comporta sob o efeito de uma auto-censura, elege as pautas que considera importante para sociedade, exclui outras sob o argumento de que é dententora de um saber especial e pode selecionar aquilo que é relevante para a opinião pública e, muitas vezes, para se apresentar como “independente” (de quem, cara pálida???), entra na era do denuncismo, não para criticar o sistema, o Estado capitalista, mas para entrar apenas no campo da moral, no superficialismo. Uma postura que Emir Sader analisa com profundidade e mostra que, em nenhum momento, do bombardeio midiático contra a corrupção se questionou o modelo de Estado. Claro, não interessa ao poder midiático as transformações sociais e econômicas e nem o pensamento elaborado, a complexidade. Cada vez mais, se trilha o caminho do maniqueísmo. Busca-se infantilizar o cidadão, por meio do entretenimento, da comoção.
Basta ver o tratamento dado domingo pelo Fantástico às eleições paraguaias e o caso da menina Isabella. Mais uma vez, um exemplo de anti-jornalismo. A revista eletrônica da Globo, emissora de maior audiência, dedicou cerca de dois minutos para falar do grande fato histórico no Paraguai, ou seja, o fim de seis décadas de tirania do Partido Colorado, e, na mesma edição, num jogo de cena dramático, pior do que novela mexicana, usou dois blocos do programa para uma entrevista de quase trinta minutos com o pai e a madrastra da menina Isabella. Em nenhum momento, a morte da garota foi contextualizada no cenário de violência contra a infância e a juventude, que vitimiza milhares de crianças nas favelas, becos e vilas.
Esse comportamento midiático é chamado por Chomsky de “fábrica de consenso”. E nessa fábrica, que opera em âmbito mundial, o pensamento divergente fica à margem. O fenômeno teve origem nos Estados Unidos e engendra um sistema de controle muito eficaz porque é subliminar, é como o ar que não vemos. “Funciona como uma certa lavagem cerebral em liberdade”. E dentro deste contexto, estão muitos jornalistas, ao mesmo tempo algozes e vítimas de suas crenças neoliberais, de sua auto-censura, do jogo competitivo. Kucinski faz um diagnóstico precioso: os jovens jornalistas sofrem muito mais do mal da censura interna, da restrição à liberdade de expressão e de criação do que o jornalistas que trabalhavam nos anos de chumbo. Os meninos e meninas da mídia compartilham os valores do neoliberalismo, como o sucesso pessoal, o individualismo, o espírito de competição e relativo descaso com os problemas sociais. “Mas a sua aplicação pelos patrões como modelo de controle das redações voltou-se contra os próprios jornalistas. Um padrão mais autoritário do que nunca, que se vale da ameaça de demissões, marca hoje as relações funcionais nas redações. A rotatividade chega a 30% ao ano”, afirma o professor.
É, por isso, que neste século XXI, são imprescindíveis os movimentos pela democratização da comunicação, resgatando-a como uma direito civil (liberdade de expressão), direito político (participação no exercício do poder público diretamente) e direito social (produção e consumo de comunicação, informação e cultura). Mas as raras exceções existem e elas são preciosas na nossa terra guaicuru.

7 comentários:

Unknown disse...

Liberdade midiática: eu quero uma pra viver, eu quero infra para ir pra rua, cobrir a eleição em Assunção, mostrar como vivem as famílias dos bolivianos presos que formam verdadeiras favelas em Corumbá, ficar dias em meio aos nossos indígenas, mostrar o que fazem os jovens em Campo Grande de Norte a Sul de Leste a Oeste....mas o furo, a competição a encheção de saco..ai ai ai isso tudo irrita e me deixa careca (literalmente)...ainda bem que tem o MSV pra gente desabafar...NANCI TE LOVE...O ARTIGO ESTÁ MUITO BEM ESCRITO..VC TEM QUE DAR AULAS..HÁ MUITOS JOVENS QUE PRECISAM E MERECEM CONHECE-LA!!

Augusto Araújo disse...

Os meninos e meninas da mídia compartilham os valores do neoliberalismo, como o sucesso pessoal, o individualismo, o espírito de competição e relativo descaso com os problemas sociais.


Alguem ae jah estudou na facul algum autor liberal

me citem um

nao vale o Mises q mandei um ebook pra Nanci

tudo eh culpa do neoliberalismo, ai ai ai

Unknown disse...

hehe. diria que estamos num círculo. a mídia precisa de notícias que dêem ibope ou vendem o famoso jabá, pensando somente no patrocinador e sobrevivência - então não forma ou informa e talvez até mesmo deforma o público "consumidor" - e sendo mal formado, esse por sua vez não exige a informação que todos deveriam ter.
jornalismo isento tá difícil. lembro q salete lemos foi demitida por críticas da cultura.
notícias que não dão rendimento de alguma forma, são algo semelhante com pesquisa básica, que não tem aplicação direta, com impacto econômico, mas são importantes p/ formação... ih. sem tempo. vou parar por aqui mesmo. rsrs

Unknown disse...

Jack concordo plenamente com você. A Nanci precisa estar presente nos espaços de formação, não só de jornalistas mas também daqueles que não acreditam que não há alternativas para além dessas oferecidas pela organização material da sociedade.
- essa mulher tem um potencial imenso, e seu diferencial e energia vêm da militância. (doa a quem doa)
O texto ficou esplêndido, muitíssimo bem escrito.
Lendo me veio à cabeça uma imagem figurativa.
...um corpo (a massa) sob efeito de uma “anestesia geral” sendo preparado para uma operação - a de extração total do “direito ao grito”, como disse a Clarice Lispector. E advinha que é o anestesista... a MÍDIA.
Assim é o papel desse poder...que divide com o Estado funções importantes nesse processo.
O Estado para o avanço do sistema produtivo foi fundamental, ele preparou o terreno para expansão do capital, seja produzindo guerras, invadindo terras de outras nações, ou como regulador da economia global, mexendo aqui ou ali, seja interferindo mais diretamente estruturando políticas, como no estado do bem-estar-social, ou atuado com distanciamento das políticas públicas em detrimento de se tornar um “empregado” dos grandes investidores mundiais.
Para expansão do capital foi imprescindível o Estado atuando diretamente por meio de todos os seus aparelhos, para a manutenção e conservação das estruturas. Assim também consiste o papel da mídia, ou seja foi e é essencial, pois de certa forma, da conta de fazer frente a um dos grandes causadores de instabilidades, aquele pequeno defeito de fabricação da humanidade, que Tom Zé, denomina “o defeito de pensar”...
E esse defeito de fabricação, o pensar, alimentou a busca por novas possibilidades de produção, que por sua vez deu condições concretas para a humanidade buscar novos caminhos e superar o modelo escravista de produção, e posteriormente o modelo feudal e está, ainda, firme e forte contestando o atual modelo econômico, pois não ignora as contradições do atual sistema (miséria de muitos, desemprego, violência , desigualdades sociais, dano ambiental em larga escala), até porque elas estão escancaradas... e quem pensa percebe.
E como estamos atravessando um momento crucial, pois não esta dando mais para inventar soluções a longo prazo para as crises..e também não dá para criar um 3º guerra mundial para distrair todo mundo...porque ela iria destruir tudo, e isso não é lucrativo!!! Temos um mercado muito favorável para essa ilustre anestesista atuar...que também nas horas vagas por lazer dá uma de ilusionista...
Todavia, como tento organizar a minha forma de pensar à moda Heráclito ( o cara da água do rio e do homem), buscando compreender o mundo a partir da continua transformação, percebo que a Mídia também enfrenta suas contradições, e a que mais acho interessante é a provocada pela invasão das novas tecnologias, que hoje são imprescindíveis, para sua competente atuação globalizada. E esses novos instrumentos tão importante para sua sobrevivência também é um pouco do seu veneno...por isso tenho esperança. Esperança no defeito de fabricação humano...e a consciência que as armas colocadas servem para os dois lados...os fuzis servem para a guerra e para a revolução (Rosa) que aqui trocaria por: “o pensar serve para os conservadores e para a os revolucionários”. No mais a necessidade será a senhora...e somente a história dará a resposta.
ÒHHH tormento dos mortais porque vivemos tão pouco!!! Talvez seja por isso que há tantos tão apegados à conservação. No fundo é frustrante saber que somos tão efêmeros...É confortável acreditar que seu mundinho é para sempre. (deve ser devido ao conforto do sofá, mas quem está sentado em banco de madeira...levanta logo!!!)

Unknown disse...

kkkk. maravilhoso texto, kelly.
a imagem na sua cabeça pra mim já estava virando um filme.
o contexto inteiro é perfeito e sincronizado. esse chá de consciência é realmente fabuloso.
acrescento aos que estão sentados no chão. pena não ter tempo agora p/ comentar alguns pontos. depois eu volto.

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

é verdade, Miti, o enredo construído pela Kelly dá roteiro de filme...quem sabe, um dia, nós, da maria-sem-vergonha, não nos atreveremos a fazer descobertas e sem-vergonhices no mundo da ficção cinematógráfica, né?..heheheh
Mas dando uma atenção ao Augusto, digo o seguinte e com muita humildade: compreender a formação educacional é muito mais do que avaliá-lo apenas a partir da bibliografia. A escola de comunicação como as demais reproduzem as mesmas desigualdades da sociedade e compreendê-las exige analisar o discurso oculto presente no habitus, no capital cultural dos sujeitos envolvidos e na aplicação do currículo. Há mais de 14 anos cansei de ouvir no curso de jornalismo que precisávamos nos preparar para o mercado local (sorte que no curso existiam professores que fugiam à regra). Não preciso relatar como funciona o mercado de comunicação daqui. De lá para cá, as coisas só pioraram com a precarização do ensino superior, inclusive o das universidades públicas. Então, voltando ao habitus, como explica Pierre Bourdieu, o aluno, o acadêmico traz do seu ambiente familiar um capital cultural, no qual estão presentes valores. Para ele, o sujeito da ciência é parte do objeto da ciência, afastando a ilusão de "intelectuais sem laços nem raízes". Todos sabem quais são os valores incutidos pelo neoliberalismo. Junto com isso, Augusto, sabemos que as redações também são influenciadas por esses valores e, cada vez mais, os meninos do marketing estão na gestão das empresas de comunicação. Também não preciso dizer o que prega o marketing e os valores que movem os administradores de empresa, né?
é assim que vai se engendrando o sistema que alimenta os paradoxos levantados com muita propriedade por Bernardo Kucinski e que a Kelly tão bem desenhou a partir de uma linguagem metafórica. é assim que os meminos e meninas jornalistas querem ser cada vez mais louros, magros, com cabelho chapinha para um dia fazer uma passagem no jornal nacional....heheheheheh

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

digo: fazerem uma passagem no Jornal Nacional.