segunda-feira, 17 de março de 2008

Por que Fidel e Cuba incomodam tanto?

Estou meio boquiaberta. É. Sabe aquela expressão de “OH!” permanente no rosto? Nunca imaginei que o texto sobre Fidel e a Veja, de autoria da minha dulcíssima amiga Kelli Garcia, fosse dar tanta repercussão e reação aqui no Maria-sem-vergonha. Por que Fidel e Cuba incomodam tanto? Deixo a resposta para Emir Sader na entrevista que publico abaixo. Alguns comentários aqui no coreto virtual beiraram a intolerância, chegando a afirmar que o blog está criando um bando de fundamentalistas e recomendando “usar o nosso tempo dedicado ao ócio, para compartilhar o conhecimento específico em Economia Doméstica, Esportes, Justiça etc com vizinhos, associações de moradores, órgãos de representação de classe e afins”. Digo a esse visitante que ele não nos conhece, não nos conhece mesmo. E, por isso, a sua ignorância será perdoada (ignorância no bom sentido: estado de quem não tem conhecimento de alguma coisa). Ao comentário dessa pessoa respondi: “temos uma história de atuação em defesa dos direitos humanos, especialmente, em defesa daqueles e daquelas que a sociedade capitalista joga literalmente no lixo. Uma coisa que aprendi desde cedo é enxergar o que está diante do meu nariz, sou filha de um retirante nordestino, um sobrevivente da fome e da cerca...sei muito bem o que é ser filha da miséria, por isso olho o mundo a partir da minha aldeia...Este blog existe para falar sobre tudo, basta você olhar os textos postados...falo da minha aldeia e falo de outras aldeias, inclusive sobre Cuba, isla hermosa, ...aqui nada é proibido...volte sempre que desejar...”
Acrescento: É, claro, que esse “aqui nada é probido” tem limites e tem que ter mesmo. Nunca será publicado um texto em defesa do machismo, do sexismo, do capitalismo, do etnocentrismo, do racismo, da pena de morte, da homofobia, da misoginia, do fundamentalismo, da ditadura da economia de mercado, da ditadura da beleza, das desigualdades sociais e econômicas, da exploração sexual de crianças e adolescentes e muito menos do jornalismo abaixo de panfleto praticado, por exemplo, pela Revista Veja. Acrescento mais:
E quanto ao tempo que dedicamos a escrever, brindar, contestar, protestar, amar e se deliciar com poesias, história, arte e cultura, isso é um privilégio nosso, um privilégio de quem sabe experimentar e democratizar as novas tecnologias, acreditando, sim, que o ciberespaço é um espaço que vai além da interação social e que pode, inclusive, ajudar na revolução das idéias. Sinto muito se algumas pessoas ainda têm um pensamento linear, do início do século passado. Posso usar minhas madrugadas para escrever e fazer o quiser, afinal enquanto muitos ficavam em casa sonhando em obter sucesso com suas carreiras ou em se tornar fazendeiro ou ganhar na mega-sena ou em comprar o carro do ano, eu usava meus dias, noites e madrugadas na luta pela democracia, não por essa democracia burguesa, mas por uma democracia plena: social, política, econômica e cultural.
Quanto à Cuba, Fidel e o povo Cubano sempre terão o nosso respeito, admiração e destaque. Fica aqui uma entrevista de Emir Sader, doutor em Ciências Políticas, na qual fala sobre a renúncia de Fidel e sobre o destino de Cuba - Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Atualmente, Sader atua como coordenador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais e é professor da Universidade de Oxford e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).


IHU On-Line – Pensando na perspectiva da esquerda latino-americana e mundial, quais são os aspectos do pensamento de Fidel que o senhor considera ainda hoje pertinentes?

Emir Sader – Pode-se falar de uma esquerda latino-americana de antes e depois de Cuba e Fidel. Ele introduziu a questão do socialismo no coração da América Latina, na vigilância dos Estados Unidos. Também introduziu questões fundamentais, como a de que apenas uma sociedade não fundada no mercado pode terminar com o analfabetismo, universalizar direitos de saúde, de educação e culturais para toda a população. Isso tudo fazendo com que um pequeno país sem grandes produtos de exportação, com baixo valor de carteira no mercado internacional, pudesse ter a projeção que teve. Essa é a posição interna. Cuba acredita que deve seguir sendo o país mais solidário do mundo, uma referência em saúde no mundo todo e o que tem mais médicos trabalhando ativamente fora do país. Isso para não falar na escola latino-americana de Medicina, que está formando as primeiras gerações de médicos pobres, provenientes inclusive do Brasil. Possui também a Operação Milagre, que é a recuperação de milhões de latino-americanos de forma gratuita. A sociedade cubana tem um grande espírito de solidariedade totalmente contraditório com o espírito mercantil que o capitalismo difunde pelo mundo afora. Então, o Fidel é um marco da história da América Latina, da história da periferia do capitalismo.

IHU On-Line – O que significa a renúncia de Fidel para a América Latina?


Emir Sader – Na verdade, a renúncia veio a partir de uma transição, pois o Fidel foi deixando aos poucos de assumir funções. A renúncia foi só uma formalização. Significa que a América Latina hoje não pode preferir Cuba. Na verdade, ela tem outros regimes que estão construindo sociedades alternativas, como Equador, Bolívia, Venezuela, e que estão na esteira, no caminho que foi plantado por Fidel. Então, a atualização dele hoje é a atualização presente, por exemplo, na ALBA (Alternativa Bolivariana para as Américas), em que se constrói a experiência mais avançada, aquela que o Fórum Social Mundial pregava: a de um comércio justo, em que cada país oferece o que tem e recebe o que necessita, e assim por diante. Tudo isso feito a partir desse espírito de solidariedade que contém. Então, o Fidel se retira, mas a presença do que ele sonhou é constante, ou seja, continua contemporâneo na América Latina. Esse é um final de carreira digno de quem construiu uma trajetória extraordinária.

IHU On-Line – Podemos esperar algum tipo de mudança na forma de Raul Castro conduzir a política cubana e as articulações com os outros países da América Latina?

Emir Sader – Nada significativo.

IHU On-Line – A renúncia de Fidel tem relação com a nova estrutura da esquerda na América Latina, que está sendo chamada de Nova Esquerda?

Emir Sader – Não, não tem nenhuma relação. A história específica da esquerda na América Latina não tem ligação com a renúncia de Fidel. A renúncia de Fidel representa a continuidade do sistema político mais além do seu grande líder fundador, não mais do que isso. Fidel já instruiu aqueles que irão dirigir a Revolução Cubana.

IHU On-Line – De que forma a renúncia de Fidel pode influenciar a esquerda atual que está se formando na América Latina?

Emir Sader – Fidel está fora da presidência há um ano e meio, então não tem nada para influenciar agora. O que tinha para influenciar já influenciou. O que ele sonhou já está tendo continuidade em outros governos.

IHU On-Line – Então, Cuba continua sendo um modelo socialista para a América Latina?

Emir Sader – Uma referência, não um modelo. Estão sendo construídos diversos modelos novos influenciados por Cuba, por isso é uma referência.

IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a declaração de Bush de que a renúncia de Fidel deva ser um começo para a democracia cubana?

Emir Sader – O fim do governo Bush pode ser o começo para a democratização dos Estados Unidos. Eu não tenho previsão para as eleições, até porque não sou especialista, mas creio que todos os candidatos, de alguma maneira, rejeitam o governo Bush. Bush sairá do poder sozinho, como ele mesmo disse, só ele e seu cachorro, o que não é o caso do Fidel. Este sai com o apoio do povo cubano.

Silvio Rodriguez canta Fidel

Será que Silvio, Pablo Milanes e tantos outros artistas cubanos são assim tão imbecis, subservientes, medrosos como afirmam os que atribuem ao povo cubano a submissão ao regime por medo?


7 comentários:

Unknown disse...

Nanci você ainda tem dúvidas para que veio ao mundo??? Depois do seu texto para mim restaram apenas os olhos e se eles cegarem, ...como diz a música do Alma J'en, "ainda resta o coração"

Augusto Araújo disse...

Nanci eu faço aqui um desafio

Vc tem coragem de colocar uma música q está no Youtube a respeito de Cuba e Fidel?

Vi duas boas, vc pode escolher.E foram feitas por cubanos viu.

Augusto Araújo disse...

E vou responder uma pequena coisa ao seu texto, apenas ao título, talvez serei duro pela primeira vez.

Cuba não me incomoda.O q me incomoda são pessoas imbuídas de um pretenso sentimento humanitário defendendo um ditador genocida comunista.

Só isso.

Se não fazemos coro com vcs, devemos estar concordando com os humanistas genocidas. Se somos contra, vem essa frase:
"Pq Cuba incomoda tanto?"

Nao foi a primeira vez q ouvi isso.

Me incomoda um ditador assassino. Me incomoda Hitler, Stalin, Mao, Pol-Pot, Pinochet, Idi Amin

Me incomoda Fidel.

E me incomoda inocentes úteis com devaneios romanticos e enganosos.

Respondi o título do seu texto?

ventura disse...

O que me incomoda é uma coisa chamada preconceito de classe
para mim no Brasil, no mundo, mas aqui é cruel, sádico e ignorante ele permeia, sustenta, alimenta todas as outras formas de discrimanção...
me incomoda a negação da história, ou pior a escrita da história pela mediocridade dominante deste modelo irreal de mundo que a gente vive, ainda me lembre das primeiras aulas de ciência política, do Mito da Caverna...
Porque muitos ainda preferem viver no mundo das sombras, mesmo sabendo do mundo para além de seus grilhões que os mantém lá presos...
Porque as pessoas temem tanto a luz...
Estranho essa gente né que concorda com genocídio de populações étnicas, violência de gênero e de identidade de gênero, de raça, de credo...graças a história a Che, Fidel, Florestan, Paulo Freire, Rimbaud, Frida, Mães da Praça de Maio, Zuzu Angel, Cazuza, Chico, Bethânia, Gertrude Stein, Marx, Mauss, Weber, Clarice, Guimarães Rosa e entre muitos não sou assim...

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Augusto Araújo, esparava que na sua relação de genocidas também estivessem Bush Jr. e Bush pai, a Ku Klux Klan,a colonização portuguesa que assassinou milhões de indígenas no Brasil, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana que levou à fogueira cerca de 9 milhões de pessoas na Santa Inquisição, o capitalismo que faz com que 842 milhões de pessoas vão dormir com fome toda a noite.
Não farei aqui a defesa do Fidel. Prefiro deixar as palavras sábias de Ignácio Ramonet, grande jornalista do Le Monde Diplomatique:

“A coisa mais surpreendente que eu achei sobre esse homem, em mais de cem horas que passamos juntos em conversas para a compilação de sua memória, foi o quanto ele era modesto, humano, discreto e respeitoso. Ele tem uma enorme moral e senso ético. Ele é um homem de princípios rigorosos e existência sóbria. Ele também é – eu descobri – apaixonado pelo meio ambiente.Ele não é nem o homem que a mídia ocidental pinta nem o super-homem que a imprensa cubana às vezes apresenta. Ele é um homem normal, ainda que um homem incrivelmente batalhador. É um estrategista exemplar, que conduziu sua vida com permanente resistência. Ele contém uma curiosa mistura de idealismo e pragmatismo: ele sonha com uma sociedade perfeita, mas sabe que as condições materiais são muito difíceis de serem transformadas. Ele deixa seu gabinete confiante que o sistema político de Cuba está estável. Sua preocupação atual não é mais sobre o socialismo no seu país do que a qualidade de vida ao redor do mundo, onde muitas crianças são iletradas, famintas e sofrendo de doenças que poderiam ser facilmente curáveis.”

Augusto Araújo disse...

Ignacio de Ramonet, Chomsky, Emir Sader, Marilene Felinto, Marilene Chauí,James Petras, Harold Pinter, Alfonso Sastre, Jean Paul Sartre, Frei Beto, Leonardo Boff, "Chic" Buarque, Luis Fernando Verissimo, Oscar Niemeyer, Eduardo Galeano e por ae vai

Nao sao poucos q construiram os alicerces da mentira, casas de papel.

Nanci, seus dados sao discutiveis, nao conheço esse total de mortes pela inquisiçao e graças ao capitalismo o mundo evoluiu, é pela falta dele q ainda muitos lugares estao no atraso

e mesmo q fossem procedentes isso justificaria o regime e os assassinatos q Fidel promoveu?

Acho q jah sou pessoa non grata. Como disse acho q algumas comus do orkut sao mais apropriadas ao debate

este blog é seu, lá no meu farei força pra abandonar este tipo de debate, embora logo postarei 3 textos sobre o tema (pra ver se fecho isso)

Já q vc gosta de poesia e literatura deveria fazer como Saramago, q deixou de apoiar Fidel após ele dar ordens de execuçao a 3rapazes q tentavam fugir de Cuba numa lancha de uma turista

q humanista hein

abs!

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Augusto, vc tem razão...não chegaremos nunca a um consenso. Estamos em margens opostas, bem opostas. Melhor mesmo vc se dedicar a escrever sobre o tema no seu blog. Confesso que outras pautas estão me inspirando a escrever, a delirar...uma delas é a poesia. A outra é a vinda do Lula à terra pantaneira. A outra é a questão indígena, que me fascina. A outra é o futuro incerto e talvez caótico com a instalação de mais de 50 usinas de álcool em MS...volte sempre que desejar fazer visitas...o nosso coreto virtual respeita os diferentes, mesmo discordando com veemência das suas idéias.