quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Os povos Guarani daqui no Le Monde Diplomatique

Foto: campanha Guarani

Fazia muito tempo que não sentia orgulho da minha profissão. Mas ontem ao ler no Le Monde Diplomatique uma reportagem sobre os povos Guarani/ Kaiowa, da Aldeia Bororo, em Dourados, meu coração disparou, movido por dois sentimentos antagônicos. Um era a alegria de ver luz no olhar das jornalistas Fabiane Borges e Verenilde Santos, que conseguiram retratar com uma ética invejável a alma e a luta de um povo. Usaram as palavras para expressar o grito sufocante de uma nação que se mata para não morrer... É, o suicídio é para os Guarani também uma forma de dar vida à palavra para que ela volte depois, renasça, ressurja.
Enquanto a mídia brasileira dedica páginas e mais páginas para debater a CPI dos Cartões e outros papagaios replicam nos seus periódicos ou blogs, há um Brasil que grita. É esse Brasil que não freqüenta Daslu, shopping center e nem churrascaria nos domingos para comer picanha assada. Um Brasil que paga com a própria vida os mais de 500 de colonização branca, que já trouxe de Portugal os vícios da corrupção, da ganância. Uma colonização que dizimou grande parte das populações indígenas.
Mas, depois da alegria por ler uma reportagem tão viva, tão humana, veio a indignação: até quando os jovens guarani precisarão continuar morrendo para que um dia os seus patrícios conquistem a terra sem males? Terra... Terra..."o tekoha", o lugar onde “realizam seu modo de ser”, mais do que um simples espaço é onde se produz toda cultura Guarani. Assim, a falta de terra já é a própria morte.
Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do Brasil e é o lugar onde mais morre índios por suicídio e assassinatos. São quase 30 mil indígenas Guarani confinados em pedaços pequenos de terra ou sem terra nenhuma. De acordo com o CIMI, de 2003 a 2005 foram 68 suicídios e 60 assassinatos. Agrava-se a isso as mortes por desnutrição das crianças.
Em manifesto, os Guarani de todo o Continente denunciam que suas terras foram invadidas, enquanto fazendeiros e multinacionais lucram com a exploração dos recursos naturais de seus territórios colhendo em safras bilionárias de soja, cana e celulose, retirando minérios e privatizando turisticamente a natureza, enquanto vivem em situação classificada por organismos internacionais como de genocídio. Situação que, se nada for feito, irá piorar com o processo de implantação desenfreada da indústria da cana.
Enquanto para esses brancos, a economia se baseia na exploração dos seres humanos e na degradação do meio ambiente, os Guarani têm como princípios seculares a economia da reciprocidade, a generosidade, o respeito e equilíbrio com o meio ambiente. Ah, temos tanto a aprender com os Guarani!

Campanha em Defesa dos Guarani


De acordo com o CIMI, estima-se que hoje vivam 50 mil Guarani no Brasil (a maioria em Mato Grosso do Sul), 150 mil na Bolívia, 53 mil no Paraguai e 42 mil na Argentina. A saber, à época do início da invasão, em 1492, os Guarani chegavam a 2 milhões – o dobro da população de Portugal de então. Em todo o Brasil, ainda faltam ser reconhecidas 95% das terras tradicionais guarani.
Para defender as terras do Guarani, sua cultura e tradições, seu tempo distinto, sua singularidade, foi lançada uma campanha nacional. Ela pede o reconhecimento de 32 terras do povo Guarani, o reflorestamento das áreas dizimadas, o respeito e reconhecimento da sua cultura e reivindica, ainda, o acesso ao que há de relevante na sociedade (inter)nacional, levando em conta as conquistas da ciência e da tecnologia. http://www.campanhaguarani.org.br/

Marçal Tupã-i – o Deus pequeno,
o banquela dos lábios de mel

Ao falar dos Guarani, vale a pena lembrar as palavras sábias do banguela de lábios de mel, Marçal de Souza Tupã-i, principal líder Guarani na luta pela terra, assassinado em 1983, por pistoleiros. Ainda hoje ninguém foi punido pelo crime, nem a terra Marangatu pelo qual lutava foi definitivamente reconhecida pelo Estado brasileiro.

Nossas terras são invadidas, nossas terras são tomadas, os nossos territórios são diminuídos, (e) não temos mais condições de sobrevivência. Queremos dizer a Vossa Santidade a nossa miséria, a nossa tristeza pela morte de nossos líderes assassinados friamente por aqueles que tomam nosso chão, aquilo que para nós representa a própria vida e nossa sobrevivência neste grande Brasil, chamado um país cristão.
Santo Padre, nós depositamos uma grande esperança na sua visita ao nosso país. Leve o nosso clamor, a nossa voz para outros territórios que não são nossos, mas que o povo nos escute, uma população mais humana lute por nós, porque o nosso povo, nossa nação indígena está desaparecendo do Brasil” .
Discurso feito por Marçal Tupã-i ao Papa João Paulo II, no ano de 1980, em Manaus.

5 comentários:

Unknown disse...

Arrebatador!!!

ventura disse...

Nanci
estudando a etnologia dos povos ameríndios, alguns estudiosos diziam, e eu acredito,que os guaranis são os povos mais bravos na defesa de sua identidade e cultura.
Mesmo com o confinamento, os suicídios e agora as viúvas de maridos vivos, pela ida dos homens para o corte da cana, os guaranis ainda resistem
Reinterpretam sua cultura, reestabelecem novos significados para sua crença religiosa e mitos, não há uma criança guarani que não fale seu idioma. Eles aprenderam a fazer política de uma maneira coletiva, reunem-se para dialogar, trocar, informar...é um processo belo de ser acompanhar...
Não é lindo, mas quando vou há algumas aldeais percebo que não é aepnas trágico, aprendo que pe luta...
beijos

Ines Mota disse...

É isso..., Nanci.
Pelo menos há as vozes que não se calam. Há ainda os que se indignam e se mobilizam por causas como esta, que não se trata apenas de garantir privilégios a minorias.
De fato,o agronegócio, com a expansão da soja, da cana-de-açúcar e a devastação da floresta para criação de gado, vem cada vez mais pressionando as populações indígenas, que se sentem acossadas, expulsas e privadas do que é seu por direito.
A falta de terra para a população indígena, a fome, a falta de assistência, de justiça, a falta de perspectivas, são apontados como os motivos principais dessas elevadas taxas de violência entre os grupos. Os assassinatos, suicídios, mortes por desnutrição, são as conseqüências imediatas dos desajustes sociais, que a falta de terra impõe.
Infelizmente, a omissão e a inoperância do Estado é muito grande e a política indigenista brasileira é uma política etnocida, totalmente atrelada a interesses econômicos e políticos e as próprias leis, que favorecem os índios, são desrespeitadas. A FUNAI, o órgão que deveria proteger e assistir os índios, tem uma gestão extremamente pífia, de ações equivocadas e desordenadas...
É preciso ações urgentes para garantir terra às populações indígenas, combater assim a fome, a desnutrição, oferecer perspectivas de vida mais digna, com acesso à saúde, à liberdade, ao respeito, à educação.
Um beijo.

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

É impressionante o número de reclamações quanto à postagem de comentários aqui no Maria-sem-vergonha. Hoje, foi a vez do Erisvaldo ficar impedido de contribuir com o nosso diálogo neste coreto virtual. Mas persistente, deixou no orkut:

"Nanci não consegui postar .
vai pelo orkut mesmo.
veja a fala de um jovem guarani .
'meu povo queria apenas a paz, um pedaço de chão para sobreviver. Hoje estão assustados, humilhados pela sociedade por esta não conhecer a verdade ' ( Antônio Rodrigues - Guarani - 18 anos )".

Unknown disse...

Nancizinha,

linda a foto das crianças guaranis.

A morte, a miséria enfim ... a situação do povo indígena não mobiliza jornalistas, ambientalistas, políticos...ONGs...Soube há pouco tempo que $$$$$$$ milhões chegam do exterior em pról do povo guarani para que ONGs exerçam o papel de defensoras...mas o que é feito? Releases, sites quase nada ...

O MPF de Dourados era atuante quando o procurador Charles cuidava desse assunto...aqui em Campo Grande um outro procurador também defendeu o povo terena ... e agora?

KD a Funai? KD os jornais universitários? KD passeatas? Protestos?

Nós como jornalistas precisamos tomar uma atitude e é já!!

Beijo linda fica aqui minha indignação com todos...não é possível o mundo externo gritar pelo povo que é nosso