domingo, 24 de fevereiro de 2008

Queridos Amigos e Invasões Bárbaras


Queridos Amigos. Que saudades! Assistindo à minissérie, de Maria Adelaide, me lembrei de imediato de velhos e queridos amigos e, claro, do filme Invasões Bárbaras, do diretor canadense Denys Arcand. Quem não assistiu a essa obra cinematográfica deve colocá-la logo na agenda. É de arrepiar. As palavras cortam feito navalha ao deixar nu um período pós-queda do muro de Berlim e pós-queda das torres gêmeas. Mostra o vazio do discurso único da pós-modernidade, do fim da história. Os diálogos machucam quem um dia viveu intensamente a ideologia da transformação social e dos “ismos” (anarquismo, socialismo, comunismo...) que poderiam nos levar à construção de uma sociedade igualitária e livre, mas hoje se depara com sonhos desfeitos, com a solidão no nosso casulo egoísta e intolerante que, muitas vezes, nos afasta do outro e nos leva para os guetos, sejam eles na sociedade real ou na sociedade cibernética. Revela o encontro de quem teve um passado de esquerda com os filhos, que estão na geração yuppie globalizada e neoliberal. Anteriormente, Denys já tinha ido fundo no período pós-muro de Berlim no seu filme “O Declínio do Império Americano”.
A ironia do filme é que, próximo da morte, vítima de câncer, o personagem Rémy, intelectual de esquerda e com seus sonhos interrompidos, é “salvo” justamente por aqueles que nós, da esquerda, chamamos de “bárbaros”: o filho executivo (o capital financeiro), uma jovem dependente química que consegue no tráfico de drogas a dose necessária de heroína para Rémy suportar a dor do câncer (a degradação humana), a polícia que indica o caminho para se conseguir a droga e uma beata papa-hóstia (a igreja) que aplica as injeções de heroína no professor.
Em sua volta do hospital, no leito de morte, reúne-se um grupo de amigos: professores universitários, ex-amantes, ex-mulher e um casal gay. Entre eles, diálogos que levam a uma certa autofagia, diálogos cortantes, críticas e humor totalmente sem preconceitos. Mas também há a revelação do amor e do carinho, sem nenhum maniqueísmo.
Nestes encontros, está a reflexão profunda de uma geração que acreditou nas mudanças e que agora se defrontra com a morte numa era das guerras, da globalização, do individualismo, da ditadura do corpo, da estética, da degradação das novas gerações. E nessa era, vi prevalecer o consumismo desenfreado, a cultura do aqui/agora, sem passado e sem futuro. Percebo que, muitas vezes, caímos na cilada da autofagia, com nossa arrogância e intolerância, deixando prevalecer debates intermináveis em torno das nossas relações pessoais em substituição à solidariedade e à cumplicidade que existiam nos projetos coletivos.

Esse cenário de morte, passado de esquerda, reencontro, frustrações e autofagia também estão presentes na minissérie Queridos Amigos, mas a abordagem e os diálogos são superficiais, às vezes, caricatos, muito aquém do filme de Arcand. Agora, a trilha é maravilhosa e a abertura com os desenhos de Elifas Andreato fazem com que eu sinta cair no sofá da minha sala a chuva de estrelas que acompanha o menino negro com a bandeira do Brasil.

Querido amigos “pantaneiros”

Penso como seria um encontro com velhos e queridos amigos. Mas confesso que o reencontro com o passado me traz uma certa apreensão. Como seria uma festa para falar sobre o que viramos, as nossas vidas, a nossa militância, os nossos filhos? O que virou uma geração que incendiou o movimento estudantil, que lutou pela reforma agrária, pelas diretas-já, que ajudou a construir o antigo Partidão, o PT e outros, que organizou o movimento de mulheres, que fundou a CUT, que pichou muro, que questionou valores, que ousou erguer outras bandeiras? Seres humanos que, além de militantes, se gostavam, às vezes brigavam e brigavam feio, mas até as brigas revelavam um querer bem. Éramos desaforados... Como, além do movimento estudantil, eu participava de outros movimentos, tinha vários grupos, várias tribos, isso me ajudou a ser mais plural.
Fico imaginando um encontro com esses vários grupos – um encontro com Gisele Marques, Ananias Costa, JK, Nancineide, Paulinho Tadeu, Ben-hur, Agamenon, Saulo, Lu, Alex, Jadilza, Katatal, Maria Helena, Waleska, Zênite, Zê, Serginho, Edílson, Neno, Cida Gonçalves, Ezequiel, Glacê, Diane, Márcio Bittar, Jane, Cida Squinelo, Ricardo, Dita, Bárbara, Edson, Jacy, Tala, Mário, Estela, Carlos Porto, Cácia, Morrone, Gorda, Mineiro, Margarida Marques, Dami, Yuri, Mario, Gerson, Fátima, Nawalle, Viviane, Sônia, Paulo, João, Ferrari, Mírian, Salete, Miti, Maria Rosana, Sandra ... A lista é grande... E se nesse encontro também estivessem os outros que chegaram depois, como Kelly, Ângela, Jack, Áurea, Orlando, Dídio, Manu, Adilson, Paulo, Val, Lesly , Flavinha (a lista também é grande...) ?
Mas ainda acredito que surge algo novo pós-Invasões Bárbaras e está na Bolívia, na Venezuela, no MST e em todos os movimentos de resistência à globalização neoliberal que ganharam força em Seattle e depois desembocaram no Fórum Social Mundial.


Canção da América
na voz do Milton
para os meus queridos amigos




6 comentários:

Unknown disse...

Quando li este seu texto, me emocionei ... estar na luta hoje, acreditar na utopia, as vezes nos deixa perdidos ...
Esses dias...lá no diretório municipal...meu dia foi complicado, quando cheguei em casa, um amigo querido havia me deixado este poema ...

Para a liberdade e luta
Me enterrem com os trotskistas
Na cova comum dos idealistas
Onde jazem aqueles
Que o poder não corrompeu
Me enterrem com meu coração
Na beira do rio
Onde o joelho ferido tocou a pedra da paixão

Paulo Leminski

*** Saudades de minhas companheiras ...

Unknown disse...

Muito bem lembrado , esse seriado nos reporta ao passado e lembranças maravilhosoas nos vem a tona.
lembro em 1982, na casa do Ezequiel(filho), que era conhecida como república Paparia. faziamos reuniões do Alicerce da juventude Socialista ,que era a juventude da CS.Saudades dos velhos amigos como Ezequiel,Pedro Celestino,Pedro Fenelon,Estela ,Eber Benjamim,Beto vieira,Josemil Arruda,sergio Onça,Olga,Alcides bartolomeu, ... (a lista também é grande)...Lá em Dourados Acerlei, Israel,Onildo Barbosa,...
tinha muito romantismo e paixão nas reuniões e lógico nas festas..
éramos jovens e contra a tantas coisas....
envelhecemos mas continuamos contra as mesmas coisas....
saudades eternas.
Erisvaldo.

ventura disse...

Amada
nesse dias em que estive assim, meio down, na terça passada, fizemos uma noite queridos amigos...
Amigos da época de universidade, sonhos, movimentos estudantil, descobertas, bebidas ruins...já se vão quase 10 anos, vejo que minha geração pode não ter sido a mais revolucionária, de vanguarda...mas tenho certeza que ao olharmos daqui em diante, veremos que fomos um geração cética, porém ainda sonhadora...
Suas fotos novas são de um tempo que me traz saudade e desencatamento, com algumas pessoas que se tornarão piores que nós céticos, algumas figuras que acreditei e hoje são apenas hipocritas, mas à outros que ainda me encorajam e empunhar novas e antigas bandeiras de meus sonhos...
Para estes que são desterrados de sonho, que se convençam da coragem de Castro Alvez
"São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . ."

Unknown disse...

Nanci, você e suas sutilezas...
Quando assisti Invasões Bárbaras (cinema) me emocionei tanto que não consegui parar de chorar, o filme acabou, a luz acendeu, e eu fiquei sentada chorando, morri de vergonha das pessoas, fui a única que desabou a chorar. Credo!! Nem eu entendia o motivo para tanta lágrima...
Você acredita que entrei no carro e ainda sobrou vontade de chorar. E chorei.
Na época atribui meu comportamento aos meus hormônios(saída racional, como sempre minha primeira opção)
Hoje lendo seu texto, comecei a fazer uma nova leitura do que aconteceu comigo.
No fundo os meus sentimentos não eram em razão unicamente da delicada história daqueles velhos companheiros aguardando a morte do amigo com câncer, momento enfatizado, por meio das cenas da vida particular de cada um...do drama de cada um, como o do professor universitário (coroa) casado com uma patricinha, loira, jovem e vazia, ou dos amigos gays, ou da mulher madura e solitária entregue a bebida e ao sexo sem paixão, mãe de uma filha viciada, etc..O filme jogava para o público uma espécie de jogo da verdade, com a pergunta o.que fomos e o que somos, ou ainda, o que eu era e no que me tornei!
Naquele momento, não sentia a morte de um único homem, mas via a morte de toda uma geração,...que se foi, deixando no seu lugar uma outra geração.
A melancolia foi por saber que essa nova geração é a que eu pertenço...sem grande lutas, sem grandes sonhos, sem ideologias, desiludida, incrédula, acomodada, individualista, consumista e apática diante da miséria humana...
Como todo novo traz em si um pouco do velho...talvez foi presenciar os caminhos e com os rumos desses velhos idealista que tornou essa nova geração um pouco desiludida e desencantada.
Tenho sensibilidade para perceber as fragilidades da minha geração...como gostaria que velhas lutas tivessem sido concretizadas, é triste ver a injustiça vencer e o dinheiro se tornar o único sentido das coisas. É doloroso saber que o ter supera o ser, ou melhor que ser e ter tem o mesmo significado nessa sociedade. É insuportável a sensação de impotência diante do “nefasto” ser absorvido como necessário e até mesmo imprescindível.
Chorar em Invasões Bárbaras foi um desabafo! Daqueles que dão cabo ao nó da garganta e que possibilitam clarear as idéias, foi um lamber as feridas...
E o que ficou ...foi uma espécie de certeza... mesmo sendo eu “produzida” em um ambiente dominado pela geração “cola-cola” , espero um dia participar desse jogo da verdade, tendo como saldo, os amigos, as histórias, as músicas, os risos, as lágrimas e as lutas pelas por causas de preferência nobres e justas!
E é por isso que continuo amando cinema...

magrão disse...

ME NEGO A ACREDITAR QUE AQUELES ESTERIÓTIPOS GLOBAIS REFLETEM NOSSOS GRUPOS.ME NEGO (E VINDO DE ONDE VEM...)A ACREDITAR NOS FANTASMAS QUE RONDAM A SOCIEDADE ,COMO DIZ A COISA CHAMADA "VEJA".NÃO SOMOS UM FRACASSO, NÃO SOMOS AQUELA GERAÇÃO QUE NÃO CONSEGUE NEM SE REENCONTRAR.PODEMOS NOS ENCONTRAR SIM SEM QUE AQUELE CLIMA DE ...QUE MERDA NÓS FIZEMOS DA NOSSA VIDA PAIRE NO AR...FAÇA UMA REUNIÃO DESSAS MULHER JUNTE ESSE POVO...SEI LÁ...NÃO POR CAUSA DESSA SERIEZINHA...QUE TRILHA SONORA MARAVILHOSA HEIN? MAS PORQUE NÓS NOS AMAMOS .FAZ ISSO ! AH ...QUE MATÉRIAZINHA ORDINÁRIA DA VEJA ?BEIJOS!

Unknown disse...

nanci escrevi um texto sobre a capa da revista veja contra o Fidel. Eu só escrevo po meio de provocação. Sou muito reativa...

No último domingo ao fazer o ritual matinal de ir comprar pão fresquinho para o café, dei uma rápida olhada nas manchetes dos jornais e das revistas na banca vizinha à padaria. Chamou especialmente minha atenção a capa de uma delas que trazia a figura do Fidel Castro dando especial destaque a frase: Já vai tarde.

Fico impressionada com a sagacidade dos “marqueteiros” para promoverem seu produto final, foram capazes de bolar aquela capa impactante, toda em vermelho e preto, dando um ar sombrio ao perfil do revolucionário cubano acompanhada da já citada frase bombástica.

Com aquela arte da capa de pronto fiquei sabendo como iria acabar aquela matéria jornalística, que estaria escrita no interior da revista, em algum lugar por entre os anúncios publicitários, de no mínimo 5 operadoras de celular, 3 marcas de cerveja, 7 laboratórios de medicamentos, 5 marcas de tênis, 3 marcas de hidratante, 2 marcas de aparelhos de barbear, 10 modelos de carros, 5 modelos de motocicletas, 2 tipos absorventes, 1 joalherias, 2 do governo de São Paulo, e, logicamente, 5 marcas de ovos de chocolate, afinal março é o mês da Páscoa.

Só no olhar a estampa da revista já pude ler suas entrelinhas. Na matéria provavelmente eles não falaram da situação lastimável que era Cuba, no governo de Fulgêncio Batista, e como esse governante havia entregado a pequena ilha aos mandos e desmandos dos Estados Unidos, oprimindo o povo ao ponto de alimentar uma revolução (ou alguém acredita que ela aconteça sem o seu apoio?).
Com certeza também não encontraria informações tratando dos indicadores sociais relacionados a educação, a saúde, a alimentação, a moradia em Cuba que são superiores a de muitos países mais ricos, superando inclusive aos indicadores sociais dos Estados Unidos.

Também não conteria no texto uma abordagem mais crítica sobre o bloqueio imbecil que os Estados Unidos impôs e ainda impõe ao povo cubano, mesmo estando a guerra fria enterrada há mais de vinte anos. Nem relataria que essa barreira desumana que impediu durante anos de chegar em Cuba medicamentos como a aspirina por exemplo.

Provavelmente a matéria jornalística não irá contribuir para responder as minhas indagações, do tipo:
- se os cubanos carregam a marca indelével dos revolucionários, se foram capazes de sair dos campos miseráveis, dos guetos das cidades para reagir contra Fulgêncio Batista e os Estados Unidos, por que eles então suportaram todo esses anos o “vejamente” retratado “famigerado ditador” ?

- por que a violência do governo de Fidel não está expressa nas músicas, no teatro, na literatura, na poesia da maioria dos artistas Cubanos. A arte é incapaz de ser conivente com a violência, basta lembrarmos da fecunda produção artística de nosso país nos anos da ditadura militar, em que nos palcos, nos bares, nas rodas de música floresceu resistência.

- por que uma “ilhazinha” sem peso econômico, sem importância comercial incomoda tanto, e contra ela se erguem tantos grupos econômicos, como se por ela fosse ser iniciada a derrocada final do capitalismo...não foi próprio San e seus sobrinhos amestrados que juram ter enterrado o socialismo, ou não? Não é de duvidar porque eles já mataram a História pelos menos umas duzentas vezes( a última foi por um ataque suicida do Fukyama).

Espero que o cantor cubano Silvio Rodriguez não tenha tomado conhecimento da revista, porque ele afirmou há pouco dias em uma entrevista que não gostaria de ver seu povo sendo subestimados, “A única coisa que não suporta nem acho que venha a suportar a maioria dos cubanos é que se pretenda humilhar nossa história e submeter nossa soberania, e com isso trair os ideais de José Martí.” *

De qualquer forma, depois de observar aquela capa de revista, tão bem elaborada, capaz de sintetizar em uma página sua principal matéria jornalística, não fiquei estimulada a adquirir o exemplar, porque ela não conseguiria responder minhas curiosidades.
Assim preferi gastar o restante do dinheiro para comprar também pães de queijo.

Nessa sociedade de mercado, se essa revista continuar dando o seu recado logo na capa daqui a pouco a gente vai ter que falar: Já faliu tarde!