domingo, 10 de fevereiro de 2008

Goethe, Fausto e o aniversário do PT

Foto: NSilva - Pinacoteca/São Paulo
Hoje, tirei da estante para colocar entre as prioridades de leitura a grande obra de Goethe, Fausto. Conheço a história, já li extratos, já ouvi poemas declamados nos saraus da Tribo das Artes em Brasília, mas é muito pouco, quero experimentar as palavras, os diálogos, imaginar como a sedução e o prazer percorrem as entranhas de Fausto, um intelectual desiludido que, ao fazer um pacto com Mefistófeles, o demônio, o diabo, experimenta uma energia satânica, reacende para a vida e começa a saborear as delícias da paixão.
Fausto, depois de selar o pacto de sangue com aquele que é tão temido, passa a sentir com toda intensidade as dualidades que perseguem a vida humana, a eterna luta entre o bem e o mal, o sagrado e o profano, o celestial e o infernal. O preço costuma ser alto.
Por ironia, hoje, 10 de fevereiro, comemora-se o 28º aniversário do Partido dos Trabalhadores... e vender a alma ao diabo tem sido uma marca da política brasileira, uma prática da qual nem o PT conseguiu ficar imune. Esse partido, que reuniu os sonhos de milhares de militantes, que nasceu com a missão de ser diferente das experiências de esquerda existentes para construir aqui um caminho próprio para o socialismo: nem o pragmatismo do Partido Comunista, com a sua alternativa democrática para a crise brasileira que pretendia fazer a “revolução” por dentro dos partidos burgueses e nem a luta armada. Mas, sim, um partido com raízes profundas nas lutas sociais do campo e da cidade e, foi, assim, com uma experiência extraordinária de democracia interna, que, por muito tempo, o PT conseguiu ser o maior partido de esquerda da América Latina, reunindo índios, negros, juventude, operários, intelectuais, estudantes, artistas. Não era um partido da ordem, trazia em sua identidade uma ousadia necessária e até poética. Como diz Borges, a poesia tem uma capacidade de diálogo muito maior do que o argumento e o convencimento: ela seduz. E o PT nos seduzia. Mas a burocracia venceu e venderam a nossa alma ao poder de Mefistófeles. Os dirigentes partidários - reconheço as honrosas exceções - tornaram-se obcecados pelo projeto do poder e cegos e surdos para as vozes das ruas. Foram substituindo as práticas democráticas por uma burocracia inescrupulosa. Os que pensavam diferente foram expulsos ou condenados ao silêncio e à resignação. Mas, mesmo assim, reconheço que o PT foi e é absolutamente necessário para fazer avançar a democracia brasileira. Sem ele, nunca teriam sido pautadas com tanta ênfase na agenda brasileira, assuntos como a exclusão social, a exlusão de gênero, étnica... Também não teriam sido inaguradas novas práticas de democracia participativa nos municípios.

Mesmo com todos os erros no poder central em Brasília, sem o PT, não teríamos na América Latina uma nova geopolítica, que aos poucos vai enfrentando o poder global neoliberal e vai desenhando novos caminhos para os ameríndios do sul. Mas nestes 28 anos do PT, com certeza, não quero participar do brinde da festa... Recolho-me a ler Fausto e a compreender as razões que nos levam a ser seduzidos, às vezes, por Mefistófeles, ou melhor, pelo diabo.

O QUE PENSA O DIABO
Mefistófeles: “De sol e de mundos nada sei dizer, vejo apenas como os homens se atormentam. O pequeno Deus do mundo [o homem] continua na mesma e está tão admirável assim como no primeiro dia. Um pouco melhor ele viveria, não lhe tivesses dado o brilho da luz celeste; ele chama isto razão e lança mão dela somente para ser mais animalesco do que cada animal.”

10 comentários:

morrone disse...

Oi Nanci! Oi Maria-sem-vergonaha do cerrado. Esta Maria é mesmo desenformada...não aceita forma, cria e recria suas formas, pede autorização e cola as formas que podem mudar nossas vidas...O ensaio que busca na obra de Goethe elementos para fazermos a leitura do presente é muito apropriado e, se não continuarmos lendo maria-sem-vergonha e outros sem-vergohas nos aproximamos do burocratismo, do pragmatismo excessivo, do clientelismo e até mesmo do autoritarismo. Com certeza hoje, muito mais que comemoração é dia de reflexão desta camhinhada que fizemos ao caminhar como um poeta sem-vergonha falou e quando o tb sem-vergonha Flavio Koutzii resolveu não ser mais candidato a Deputado aqui no RS (depois de 4 mandatos, de ter sido chefe da Casa Civil de Olívio, de 2 mandatos de vereador de PoA, de ter sido preso político, exilado e torturado pela ditadura militar da américa latina) no seu último pronunciamento diz o seguinte:

Por isso, Sr. Presidente, para encerrar meu pronunciamento, lerei a letra de uma canção que não conhecia. O autor é Silvio Rodríguez, um dos maiores compositores e intérpretes cubanos, ao lado de Pablo Milanés.


Silvio Rodríguez foi uma espécie de Chico Buarque – seu movimento era chamado de Nova Trova Cubana –, um renovador da música e da poesia na música cubana. A composição é de 1970 e se chama Oda a mi generación.


Com pequeno ajuste e algumas supressões, fiz minha esta letra, com a qual me identifiquei com enorme emoção. E é com essa emoção que encerro o meu pronunciamento – e peço desculpas por abusar do tempo –, pois é o que me permite registrar aquilo que, de certa forma, fala melhor deste momento e de minhas próprias escolhas.


Ode à minha geração


Aos doze dias de dezembro do ano de 2006


Um homem sobe sobre suas derrotas


Pede a palavra


Momentos antes de tornar-se louco


Não é um homem,


É um malabarista de uma geração


Não é um homem,


Talvez seja um objeto de diversão,


Um brinquedo comum da história.


(...)


Esse homem sou eu.


Mas devo dizer que me tocou nascer no passado


E que não voltarei.


É por isso que um dia me vi no presente


Com o pé lá onde vive a morte


E outro pé suspenso no ar


Buscando lugar,


Reclamando terra do futuro para descansar.


Assim estamos eu e meus irmãos


Com um precipício em equilíbrio.


Agora, quero falar de poetas


E de tantos jovens filhos desta festa


E da tortura de ser eles mesmos.


Porque há que dizer que há quem morra no seu papel


(...)


Eu não renego o que me toca.


não me arrependo pois não tenho culpa


mas queria ter podido jogar


toda a morte lá, no passado,


ou toda a vida no futuro que não posso alcançar.


E com isso não quero dizer que me ponho a chorar


Sei que há que seguir navegando


Exigindo-se.


Até poder seguir


Ou rebentar.

Bjos....

Paulo Guilherme Cabral disse...

Nanci, entre o Céu e a Terra - ou Inferno, para quem acredita que isso que conhecemos poder ser pior ainda, nós tendemos a querer estar no Céu, perto de Deus e de tudo que acreditamos ser correto e justo. Deus aqui tomado sem nenhum sentido religioso, seja ele qual for.
Mas querer estar perto de Deus pode nos distanciar da nossa realidade terrena, onde estão os animais, todos eles: os que rastejam, os que voam, os predadores e suas presas. A naturalidade da nossa existência não deve servir para justificar os nossos próprios erros e fraquezas, mas apenas para não nos iludirmos da nossa pretensão divina.
Neste sentido, penso que construímos uma realidade idealizada do PT, o que não se constitui num mal em si, pois é necessário sonhar, mas isso dificulta a nossa análise especialmente nestes momentos de crise moral e ética que assola a maioria dos dirigentes do partido, tanto em Brasília quanto nos Estados e Municípios, ou seja, a crise é geral. Aliás, essa crise vai além do PT e dos demais partidos: está presente na sociedade, mas ela não pode ser culpada por nossos erros e nem atenua a nossa dificuldade de depuração interna. Novamente a proximidade com Deus nos coloca no centro do palco, fazendo com que superestimemos nossos próprios problemas e dificuldades.
O PT foi criado por nós. Nós, sujeito coletivo, somos o “Deus” dessa história e o PT é apenas a criatura, não podemos perder a dimensão dessa diferença. É claro que o PT assumiu uma dimensão muito importante na política mundial e nas nossas próprias vidas, mas ele não sobreviverá sem as forças sociais e políticas que o criaram e o alimentam. Deste modo, não devemos adorar o PT, pois somos nós o criador, ele é tão somente a criatura! Esperança de muitos, mais mesmo assim: criatura.
Vejo que há muita crença em toda essa história e talvez a verdade, uma delas, só será mesmo revelada depois de algum tempo. A história ainda não acabou e nem terminamos o primeiro tempo de jogos, um dos muitos que teremos neste campeonato.
Assim, podem mesmo existir muito mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.

Unknown disse...

O PT ainda está vivo dentro de cada um de nós!

Ricardo Soares disse...

cheguei por acaso e gostei do seu canto...bj
ricardo

Unknown disse...

Pedi uma resposta. abri no seguinte:
Provérbios, 9
1.A Sabedoria edificou sua casa, talhou sete colunas.
2.Matou seus animais, preparou seu vinho e dispôs a mesa.
3.Enviou servas, para que anunciassem nos pontos mais elevados da cidade:
4.Quem for simples apresente-se! Aos insensatos ela disse:
5.Vinde comer o meu pão e beber o vinho que preparei.
6.Deixai a insensatez e vivereis; andai direito no caminho da inteligência!
7.Quem censura um mofador, atrai sobre si a zombaria; o que repreende o ímpio, arrisca-se a uma afronta.
8.Não repreendas o mofador, pois ele te odiará. Repreende o sábio e ele te amará.
9.Dá ao sábio: tornar-se-á ele mais sábio ainda, ensina ao justo e seu saber aumentará.
10.O temor do Senhor é o princípio da Sabedoria, e o conhecimento do Santo é a inteligência,
11.porque por mim se multiplicarão teus dias e ser-te-ão
acrescentados anos de vida.
12.Se tu és sábio, é para teu bem que o és, mas se tu és um mofador, só tu sofrerás as conseqüências.
13.A senhora Loucura é irrequieta, uma tola que não sabe nada.
14.Ela se assenta à porta de sua casa, numa cadeira, nos pontos mais altos da cidade,
15.para convidar os viandantes que seguem direito seu caminho.
16.Quem for simples venha para cá! Aos insensatos, ela diz:
17.As águas furtivas são mais doces e o pão tomado às escondidas é mais delicioso.
18.Ignora ele que ali há sombras e que os convidados [da senhora Loucura] jazem nas profundezas da região dos mortos.

ventura disse...

Lendo esse texto duas coisas me vieram como um flash de lembrança, como naquele filme, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças...
1998, ainda morava em Caarapó e numa debate onde sobre política, não entendia quase nada, mas daquele momento fiquei tocado pelas ideías, aquelas pessoas sonhadoras, entre elas a maior que conheci, Dorcelina Folador. Naquele momento entendi que era fundamental estar naquele importante instrumento de luta, o PT, que lá, ainda era marginalizado e discrimando, naquela cidade conservadora...
Anos depois me vejo aqui, militei na juventude, movimento estudantil, e agora me vejo em novas lutas, talvez os mesmos sonhos, juvenis.... talvez, um outro mundo é possível e urgente !!!
Não há como negar meu desencantamento com o PT institucional, o que alguns de seus mais expressivos quadros fizeram com ele, entristeci...
Porém ao estar nos assentamentos, aldeias, ruas e praças percebo que ainda é aqui o meu lugar...
Obrigado Maria Sem Vergonha do Cerrado...

Ricardo Soares disse...

também é bom saber que vc me visitou ...
também é bom saber que temos livros, filmes e gostos em comum
também é bom saber que temos esperanças
também é bom saber que voltarei aqui
e seria bom saber que vc tb voltará lá...
beijo

José Carlos Gomes disse...

Eu, que sou um camaleão em busca de afeto em qualquer partido, em qualquer cor, em toda mulher com brilho no olhar, eu também lerei o Fausto com você, porque também eu sei do Fausto apenas o que me contaram pedaços de conversas e excertos de terceiros escritos.
Assim teremos mais sobre o que compartilhar.
De fato você tem razão em tudo sobre o PT. Até que em cada derrota dele, derrota-se toda a esquerda e a sua história.
Entretanto, haveremos de encontrar novos caminhos, mas a selva de incertezas é inóspita.

Unknown disse...

Pitacos...achei esse comentário da análise de Lukács sobre o demoníaco de Goethe...

Na interpretação de Lukács o demoníaco de Goethe é a intuição da dialética entre vontade e possibilidade, liberdade e contingência, necessidade e acaso. Lukács sentencia por outro lado que a dialética no pensamento de Goethe ficou infelizmente comprometida pela sua incompreensão fundamental e de sua aversão – quase que psicológica, diríamos – pela ruptura, pelo esgarçamento súbito, pelos saltos na história.

Nanci parece que o diabo é uma essência do humano...

magrão disse...

No fundo nenhum de nos vamos brindar minha cara...Fica a sensação do traido pairando no ar de todos aqueles que mesmo não sendo petista,no fundo achou que era diferente,mas em algumas coisas "capitais" foram iguais...Porem alguém tem que parar de lamber essas feridas e ...recomessar.Por onde?