domingo, 17 de fevereiro de 2008

As mulheres do Jogo de Cena e as da Maria do Povo

''Algum tempo atrás, talvez uns dias, eu era uma moça caminhando por um mundo de cores, com formas claras e tangíveis. Tudo era misterioso e havia algo oculto; adivinhar-lhe a natureza era um jogo para mim. Se você soubesse como é terrível obter o conhecimento de repente - como um relâmpago iluminado a Terra! Agora, vivo num planeta dolorido, transparente como gelo. É como se houvesse aprendido tudo de uma vez, numa questão de segundos. Minhas amigas e colegas tornaram-se mulheres lentamente. Eu envelheci em instantes e agora tudo está embotado e plano. Sei que não há nada escondido; se houvesse, eu veria.''
FRIDA KAHLO

No palco, estão elas, mulheres da vida real. Umas são negras, outras brancas, umas gordas, outras magras... Nenhuma namora com industrial da Fiesp nem passa férias na Ilha de Caras. Nenhuma tem uma vida extraordinária, cheia de glamour, que chamaria a atenção de Hollywood para virar roteiro de cinema. São mulheres que trabalham, fazem feira, habitam a cidade, esse “lócus” – enfim, como diz a Rita Lee, nem toda brasileira é bunda. Umas ganharam filhos, outras perderam. Umas experimentaram as delícias do amor, outras as dores. Perdas, danos, vivências em histórias de vidas normais. A diferença é que essas histórias são ditas e narradas não só pelas vozes das próprias protagonistas da vida real, mas também por atrizes, num jogo de cena que ultrapassa o limiar da realidade, e você não consegue mais saber quem é quem. Nesse jogo, somos confrontados com atrizes que não só interpretam as personagens anônimas, mas também se deparam com as suas próprias angústias e com os seus sentimentos. O filme Jogo de Cena é, sem nenhuma dúvida, um dos melhores filmes brasileiros dos últimos tempos. O cenário é um palco limpo de um teatro com cadeiras vazias e não podia haver um outro lugar melhor.
O cineasta Eduardo Coutinho arrasou mais uma vez, mostrando ser um mestre dos documentários brasileiros. Ousa na linguagem, leva à exaustão os depoimentos e ultrapassa a narrativa do documentário, chegando a deixar nuances de ficção.

Jogo de Cena me fez lembrar algumas tardes de sábado no Maria do Povo, um ateliê criativo, onde as mãos habilidosas da Kelly dão forma a tecidos e objetos. Nesses encontros, mulheres se encontram e partilham auto-estima e histórias. Sempre regadas com chá, sucos e bolos exóticos, nossas vidas ganham encanto nos diálogos costurados com a presença de Clarice, Frida, Pagu, Leila... vai além do saudosismo, até porque, a exemplo das mulheres de Jogo de Cena, continuamos protagonistas da nossa história, aprendendo e reaprendo, exercitando a práxis... Acho que é um reencontro com a nossa essência, marcada pelas frustrações que imperam na esquerda brasileira, mas também por uma rebeldia teimosa que faz a gente ouvir Nando Reis e dizer: “Não vou me adaptar”.
Maria do Povo dá filme...

7 comentários:

Unknown disse...

1-Parabéns pela criação do blog, idéia genial e parabéns pelo nome, muito original, tanto quanto vc.
2-Citar sempre Frida Kahlo como vc faz demonstra o quanto do máximo vc consegue captar na vida, pois para mim ela representa tudo da mulher, principalmente a garra, a luta pelo que queria e gostava.Tanto que a falta de beleza física (segundo o esteriótipo da sociedade), não conseguiu aniquilá-la.
3-Jamais vou conseguir me adaptar.

Unknown disse...

impressionante a conexão entre eu e essa danada maria sem vergonha...
hoje eu levantei da cama com uma vontade tão grande de dar um pulo aqui, e falar sobre FRIDA KAHLO, acreditam???
pois é...
sei que pode ter sido o banho de poesia que tive ontem ao assitir novamente o filme -Frida, só sei que acordei com um forte desejo de dividir a sensação poética que esta mulher nos desperta. Por sua coragem, OUSADIA, irreverência, ternura, força...

maria sem vergonha...
angústia poética...
frida...frida...

e agora, quando eu chego aqui com que me deparo logo de cara? com ela, em uma de suas imagens mais belas!
é...MSV acho que já estamos falando a mesma língua...

infelizmente tenho que ir, pois não me sinto bem, no entanto deixarei aqui uma das frases desta mulher que talvez seja a que mais me represente.

vida longa a MARIA SER VERGONHA E ESTA ENERGIA POÉTICA LINDA TERNA QUE FRIDA NOS DESPERTA , E NOS UNE AQUI HOJE, AMANHA, DEPOIS E DEPOIS...

[i]"Eu sou a DESINTEGRAÇÃO...."
Frida Kahlo[i]

Unknown disse...

ahhhhhhhhhhhhhhh esqueci de uma coisa...

concordo!!!!! MARIA DO POVO daria um filme! e que filme, cheio de cores, poesias, amizade, alegria....

E eu já me ofereço para produzi-lo... para isso eu voltaria amanhã, empolgadíssima a campo grande! heheehe

ventura disse...

Amada
como sempre temos olhares em comum sobre as belezas do mundo...nesses meus dias de tristeza, percebo algo sobre mim, sou feminista e que me desculpe a referência, sou como Chico, minha alma é feminina. Aprendi a lutar, não me ausentar dos debates do mundo, a não convenver que as coisas são e estão inatas, mas sim que são frutos de perversas construções sociais de alguns homens e suas gerações, mas aprendemos ser sujeitos de nossa própria ação...mesmo quando sabemos que erramos, mas o mundo tem que reconhecer o gesto que é doloroso admitir que erramos, afinal, somos apenas humanos...
Quanto ao filme do Coutinho, lembra que nos encontramos lá antes de vê-lo, saí mto comovido e mexido com aquelas histórias de mulheres e atrizes, atrizes que são mulheres, atrizes/mulheres-mulheres/atrizes...
Me comovi e me reencantei com o belo desse universo que admiro que luta, gera e sangra e faz do mundo um quarto enorme lindo e cheio d´água...
Minha grande reverência a vocês mulheres de luta, de sonhos, gestos e delicadezas

Unknown disse...

As coisas nem sempre são como a gente quer. E quando a gente enxerga o mundo transparente através dos olhos de Frida Kahlo, pensa que talvez melhor não ver tudo o que há pra se ver. Aos poucos, com serenidade e sabedoria, vamos atingir um estágio onde haja paz no coração.
"Um espírito sereno é aquele que já se encontrou consigo próprio."

Lys Figueredo disse...

Lindo o Blog, lindo mesmo. Ja estas nos meus feeds.

Ainda nao tinha nem ouvido falar desse filme. Tambem, aqui fora eh tudo tao dificil. Mas vou procurar sim para assistir pois achei a ideia demais :)

Podemos contar com voce para a coletiva pelas mulheres ? Me avise para que eu inclua seu nome na lista assim todos poderao ler o que voce tem para dizer no nosso dia.

beijos no coracao,
Lys

Unknown disse...

Bom..como é escrever com a cabeça tomada por uma profunda emoção??? Em mim chega ser desconfortante, porque não dou conta de transportar tais sentimentos para as palavras...(não sou íntima delas).
Não consigo dar forma literal ao que estou sentindo nesse momento...,
Quando me vejo citada ao lado do diretor Coutinho, e tenho o Ateliê da Mariadopovo colocado como o nosso "Jogo de Cena", dá um calor no peito que é imediatamente convertido em energia criadora..
Você deu ao meu prazer/trabalho tanta dignidade...e nobreza.
Espalhou sementes de maria-sem-vergonha no meus canteiros feios das pertubações...aquele onde eu enterro a contradição que vivo por gostar de fazer algo fútil e tão presente nesse mundo consumistas.
Cada vez mais quero ver a Mariadopovo se tornar o lugar de nossos encontros...conversas, poesias, risos, lagrimas, e cafézinhos com bolinhos...
Oxalá que lá se torne um ponto de encontro da diferença, da diversidade e dos contrastes de cores...sempre.
Ler seu texto foi uma satisfação plena, como uma boa maria-sem-vergonha diria:
- Foi...não!... Melhor, Foram orgasmos múltiplos!!! Aqueles que o Caetano morre de inveja.

Jamais pare de escrever...bjs

porque foi capaé capaz de cidos com aqueles que nos sobem a garganta quando somos apresentados à vida daquelas mulheres do Jogo de Cena.