sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Nanquim

* Por Kelly Garcia

Lá vem ele novamente para azucrinar, o final de semana.
Só que estou ficando mais esperta, desta vez preferi combinar um programa caseiro, com um cardápio gostoso, música e uns filmes, diria um certeiro e seguro programa de sábado à noite.

Entre os filmes selecionados para assistir estava um curta metragem chamado Nanquim, produzido e dirigido por Maurício Copetti, rodado num magnífico cenário de Corumbá, uma obra com “carimbo de origem” sul-mato-grossense.

Foram dezessete minutos de pura sedução da luz sobre o preto e branco. O filme é tão atraente que dá impressão que a gente se tornou parte e que será aos poucos absorvido pelo papel branco, tal qual a própria tinta da china, e que a qualquer momento terá a possibilidade de ser transformado em uma imagem única e extraordinariamente bela capturada por olhos, lentes e sensibilidade daqueles poucos que são capazes de perceber os detalhes e requintes presentes nos mais triviais momentos nos mais singelos lugares e nos seres mais banais.

Poesia escrita com a luz..., extraída da presença e ausência total de cores e do seu contraste essencial para interação do preto e do branco. Olhando atentamente todas as riquezas dos detalhes produzidas graças a essa relação, foi inevitável pensar no que Fernando Pessoa escreveu “ mas o contraste que não me esmaga- liberta-me; e a ironia, que há nele é sangue meu”.

Nenhuma palavra ...ali todas absolutamente desnecessárias. Sutilezas. Todos sabem que o Nanquim é uma substância a base de carvão, e conforme dados históricos, uma das muitas invenções chinesas que o ocidente se apropriou para facilitar a escrita. Doce ironia do poeta das lentes...poema sem palavras feito de nanquim. Coisas da arte e dos espíritos dos artistas, que ajudam a amenizar a rudeza de nossa existência.

E para aqueles que antes de assistirem Nanquim torcerem o nariz e com empáfia classificarem a obra como ‘regional’ direi novamente Pessoa “há na nossa experiência da terra duas coisas só – o universal e o particular. Descrever o universal é descrever o que é comum a toda alma humana e a toda experiência humana – o céu vasto, com o dia e a noite que acontecem dele e nele”.
Tudo no filme é decorrente da primorosa capacidade humana de produzir a beleza de envolver os sentidos dando a entender que contraditoriamente o nada pode ser o tudo e por vezes do tudo se transforma em nada, na linguagem universal da arte.

Quanto ao diretor, Copetti, deve ser daqueles que ao entrar em um cômodo escuro ao notar a luminosidade penetrando pela fresta da porta diz – Nossa! Que luz fantástica
!

* Kelly Garcia é advogada

2 comentários:

Anônimo disse...

* Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

Canto da Boca disse...

Dá uma vontade danada de sair correndo à locadora mais próxima, pra ver a beleza descrita de forma tão contundente.
;)