quinta-feira, 31 de julho de 2008

Romântica: espécie em extinção

* por Kelly Garcia


Segunda, terça, quarta, quinta e sexta, antes dizia, oba é sexta-feira , agora digo, - nossa já é sexta! (se eu disser que ando gostando de segunda-feira será que alguém vai solicitar minha interdição por insanidade plena).

Já que é inevitável, final de semana lá vamos nós...n-o-v-a-m-e-n-t-e.

Quando se está há pouco tempo reinserido no mundo da solteirice, os mais antigos na citada condição, prestam solidariedade e inventam o que fazer na tentativa de amenizar o processo de adaptação, pois bem, nessas condições foi que surgiu o convite, - vamos sair para dançar! E assim ficou “combinado” o primeiro compromisso do final de semana...

Uma vez escutei o Augusto Boal dizer em uma entrevista, que a dança é o momento em que o corpo consegue se comunicar com a música, e por isso qualquer pessoa é capaz de dançar, mesmo aquelas com severas limitações físicas provocadas por paralisia cerebral, porque, para ele, qualquer mínima expressão corporal provocada pelo encontro “música e corpo” pode ser considerada uma forma de dança.

Como adoro música, mas não tive disciplina para aprender a tocar um instrumento musical e também nasci desprovida de uma voz afinada, dançar acabou sendo o meu único canal físico de comunicação com a música.

Com tal e único intuito, parti rumo ao dito programa noturno. Lá chegando à primeira coisa que constatei foi que meu corpo não queria saber de papo com a música que estava tocando! - Como era horrível! Sem condições de estabelecer qualquer canal de comunicação.

E, como diz o ditado, “quem não dança segura a criança” fiquei na mesa cuidando as chaves e bolsas do pessoal, que ao contrário de mim, estava conseguindo estabelecer uma comunicação com aquela cacofonia. Nada a fazer, senão, no meio da fumaça e das nuances das luzes indiretas, dar vazão aos pensamentos e ficar observando o movimento da noite.

Bastou um olhar mais cuidadoso nos seres da noite para logo passar a me sentir péssima. Embora tivesse informação sobre o assunto, ver com meus próprios olhos o modus opedandi, e ficar por dentro das novidades “da moda”, no quesito comportamento, em especial o das mulheres, foi no mínimo impactante.

Mulheres procurando insanamente uma fugaz “conquista”, valendo de tudo para tanto, aceitando as regras de um jogo meio insano, expondo sem piedade o corpo, esquecendo que ele é materialização de um ser humano com história de vida, sentimentos, alegrias, dores, conquistas e acima de tudo é único.

Pessoas que não tem nome, no máximo um número de celular para ser colocada em uma ridícula lista de alguém que jamais voltará a ligar.

Olho para o lado e vejo uma criança com maquiagem pesada, expondo seu corpo em um indefectível vestidinho da moda, que hoje dita o curtíssimo, partindo para a quinta boca da noite.

Olho para o outro e vejo um mulher madura tentando parecer a jovem de dezoito, vestindo o mesmo vestido, fazendo questão de expor seu grande investimento em uma prótese de silicone, fazendo as mesmas caras e bocas, tentando pegar outras bocas e sendo o alvo de brincadeiras e piadas dos garotões das mesas vizinhas.

Mulheres solitárias ou meninas na flor da idade procurando emoção e expondo peitos, coxas, barrigas, e outros itens. A saborosa sedução foi substituída pela explicita exposição da carne, tal qual uma mercadoria. E tudo isso só para serem notadas por homens ou outras mulheres que circulam pelos corredores e olham com a mesma expressão de quem aprecia as gôndolas do supermercado.

A ordem é satisfazer as necessidades, - eu te uso e você me usa, ou melhor, eu te consumo e você me consome ... - Então para que gastar conversa, fazer perguntas ou saber o nome? Aliás, saber como alguém se chama, hoje é o cúmulo da intimidade, está “fora de moda”, portanto não serve para os dias atuais. E assim seguem os seres noturnos sem nomes, mas com várias etiquetas de grifes famosas ou suas respectivas piratas.

Minha alma foi invadida por um sentimento perturbador de pena, indignação, chegando em alguns casos a beirar a compaixão. O que tem acontecido com as pessoas, o que o nosso modo de vida fez com o processo histórico de humanização? Na minha cabeça aquela expressão dos peões martelava “aqui o sistema é bruto”.

E essa brutalidade ganhou espaço a partir da gradativa coisificação do ser humano, enquanto indivíduo e também na dimensão das relações sociais. Tudo muito deprimente, e, para piorar, quando ousei manifestar a minha indignação frente à decadência desse comportamento escutei um sonoro conselho:
- Hoje é assim mesmo, o problema é que você é muito romântica, você tem que mudar! (só faltaram dizer sua “bobinha de vestidinho cor-de-rosa”)

Toma! Quem mandou abandonar o José Saramago, ficar com ele teria sido um programa tranqüilo, tudo bem que nos seus livros ninguém tem nome, mas ele denuncia como ninguém a desumanização do ser ! O que, para uma irremediável “romântica” está de bom tamanho!

* Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

15 comentários:

Augusto Araújo disse...

he he he, muito bom

tomara q nao tenha tocado a dança do créu, se não seria o fim da picada mesmo

Canto da Boca disse...

Ufa!
Graças a Deus eu não sou a única desengonçada do planeta e endosso cada palavra da Kelly.
Há muito tempo meus prazeres são encontados nas coisas e programas mais prosaicos e cafonas do mundo, como estar com a família - beber vinho, comer queijos e embutidos, na cia da sogra, sogro, cunhada, filhas, amigos - um cineminha em casa, um showzinho com o marido, e mais amigos... Ficar fazendo nada em cima da cama. Ai, Nanci, será que sou normal? Será que valorizar as pessoas faz de mim um ser doente?
Risos.
Um beijo imenso e uma ótima semana, querida.

;)

Barone disse...

Kelly, sua experiência na noite - aliás Deus me livre este negócio de noite, prefiro minha casa mil vezes - é um resumo da cultura da banalização que impera por aí.

Anônimo disse...

então...foram minhas primeiras impressões! Fico contente em saber que não sou o único ser destoante...pelo contrário.
Augusto de fato nada poderia ser pior que o creu...

kelly garcia

Unknown disse...

dias desses tive um debate em outro blog discutindo sobre mulheres "cafajestes" que se auto-intitulam "evolução", a regra delas é não se envolver emocionalmente e cair fora o mais rápido possível se isso acontecer. não percebem que são elas mesmas as usadas - são as substitutas das prostitutas, bonitas e de graça. e não percebem que quiseram se igualar do que pior existe no comportamento machista. eu disse que se espelhassem em coisas boas das outras pessoas e não no pior. recebi a resposta pra cuidar da minha vida. hehehe. mas enxergo essas pessoas num estado de auto-enganação, escondendo o medo de sofrer, num estado de falsa alegria, e no fundo solitárias e vazias.

como sempre, esse "novo modelo imposto" deve alguma utilidade pro poder. parece que querem destruir o modelo família.

mas de fato, somente no amor vamos encontrar razão verdadeira pra viver e de evoluir. mas amor é doação. li outro dia que: “Se você quer ser feliz, não case; mas se quiser fazer alguém feliz, então case, pois duas pessoas com esta filosofia contribuirão uma com a felicidade da outra”.
mas não se pode esperar receber primeiro pra depois doar. às vezes achamos que doamos mais que recebemos e não temos reconhecimento e na verdade o pensamento não deve ser esse.

"O desejo de amor está ligado ao desejo de expansão, à presença simultânea das semelhanças e diferenças. O sentimento de amor mais legítimo que podemos conceber parte sempre de uma doação sem necessidade de submissão; de
tolerância sem necessidade de omissão; de compartilhar sem necessidade de auto-abandono. Amar é somar, multiplicar e dividir, nunca subtrair.

Amar continua sendo a maior aventura e o maior desafio da espécie humana!

Por isso, um bom indicador da veracidade de nosso amor por alguém é o quanto ele nos transforma, o quanto cedemos, vencendo o nosso egoísmo e narcisismo e evoluindo para vivê-lo intensamente." (Carlos Hilsdorf)

e como é complexo.

tenho adiado várias vezes uma saída pra dançar, mas procuro um lugar no estilo dança de salão ou alguma coisa bacana pra dançar. não essas danceterias com ritmo de hipnose ou naquele ritmo monótono -canal de comunicação com esse tipo de música deve levar a esse comportamento idiótico.

juro que tentei entender o outro lado, o pensamento dessas pessoas. parece ser prático, mas quem sabe daqui há alguns anos, com mais idade e maturidade, o que vão dizer e pensar essas pessoas. com certeza não vão estar preparadas pra dividir ainda uma vida com uma companhia. perderam tempo porque a arte de amar é realmente evoluir.

"...sinônimo de amor é amar."

“Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua do anjos
Sem amor, eu nada seria..."

acho que essa resistência dos românticos é que pode ser referência de um mundo melhor, mais "humano"... do jeito que o mundo está caminhando, os animais irracionais vão ter mais sentimento do que os homens evoluídos.

Mas estamos aí pra mostrar que ser romântico não é brega, é um ser com capacidade imensa de ter sentimentos humanos.

Anônimo disse...

Miti...muito bom seu comentário..
Você entendeu certinho...eu não sou romântica..o que ainda tento fazer todos os dias a não perder meu processo de humanização. É ver atrás de um corpo um ser, uma história de vida, sentimentos, potenciais, capacidades...como ficar com alguém que não se sabe o nome...que não se olhe nos olhos..ou ainda com aqueles em que vc não consegue ter qualquer tipo de relação além da assimilada por meio do tato e da visão...as pessoas são suportam a comunicação verbal...elas se tratam como descartáveis...coisas descartáveis.

Unknown disse...

Muito bom...eu quero conhecer a Maria do Povo, tem síte? E no mais, tá tudo bem com você? Saudade...bjks

Augusto Araújo disse...

A Nancy não vai falar nada das demarcaçoes da Funai?

Vc nao vai chamar os fazendeiros de latifundiários fdp?

Prometo que nao faço comentários contrários, até apóio

todo mundo de cocar e tanguinha e mulheres nuas, já

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Ah, Augusto! Estou afastada do ciberespaço e só volto em outubro, mas não resisti ao seu comentário.
A sua provocação é apenas para esconder que o seu desejo mais secreto era ter casado com uma indiazinha guarani, feito a dança da xixa, aprendido as lições mais belas da reciprocidade, da integração com a natureza...

Augusto Araújo disse...

Nanci, sabia q era vc

queria se esconder né?

abs

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Outro abraço, Augusto.
Me aguarde, estarei voltando a escrever em outubro...
bons debates virão.

Augusto Araújo disse...

"A sua provocação é apenas para esconder que o seu desejo mais secreto era ter casado com uma indiazinha guarani,"

Lógico q gostei muitíssimo dela e por mim teria passado mais tempo junto, mas casamento mesmo, nao sei, era novo pra considerar isso


"feito a dança da xixa, aprendido as lições mais belas da reciprocidade, da integração com a natureza..."

ahn, acho q nem ela sabe essas coisas, é uma indiazinha muitio muderna, nao foi criada na tribo

Unknown disse...

rsrsrs. nanci e augusto, vocês são muito lindos. beijo grande proceis.

Unknown disse...

Keli querida, em meio a correria aqui na Macarena dei uma pausa após o almoço pra ler seu artigo.

Há dias que o melhor a fazer é ficar em casa. A rua é um espaço que a gente tem que estar aberto a ver coisas boas e ruins.

Você conseguiu expressar muito bem o incômodo que sentiu.

Só digo uma coisa: não perca a esperança. Há pessoas fantásticas em todos os lugares.

Boate é um ambiente pra ir pra dançar mesmo. Não dá para conversar e fazer amigos em boate. hahahahahahha

Eu aprendi a identificar quando o melhor a fazer é ficar em casa lendo. Mas tem dia que eu quero é gandaia hahahahah

Um grande beijo!!

Jack - bem simples

Unknown disse...

Guto e Nanci..amo vcs muito viu?

Deixa passar essa correria pra eu fazer algo lá na minha oca e reunir meus amigos hahahahahahhaha

Bju