terça-feira, 26 de agosto de 2008

Ah, esses loucos e loucas!

Por Kelly Garcia

Tenho uma relação de dependência da arte...
Literatura, música, filmes, pintura, teatro, escultura... não sei definir o que ela significa em minha vida, é um pouco do ar que respiro, e não sou erudita, pelo contrário, sou intuitiva...popular na pura expressão.
Lembro que a primeira vez que prestei atenção em um poema foi no Morte e Vida Severina...especialmente no final, quando o Severino perguntava se não era melhor se atirar no Capibaribe e acabar com aquela “droga de vida”, e a resposta dada pelo pescador “o mestre” foi que mesmo uma vida sendo severina, era vida e por isso merecia ser vivida.
- Choro toda vez que leio esse final....
Assim...fico pensando que bom que existem pessoas com a capacidade de João Cabral de Melo e Neto, que além de denunciarem o parco pão e nenhuma justiça, não matam os severinos no final...dão a eles um pouco de esperança.
Os maiores artistas tem a capacidade de emocionar e são atemporais...essa eternidade ironicamente parece uma compensação pelo tormento de terem nascido com uma “antena” maior que a dos outros para captar as dores do mundo...
Esses seres não só sentem essas dores como também dão forma, melodia, versos, rimas, cores, gritos e imagens a elas...e para tantos, na sociedade, isso é inadmissível e por isso proferem sentenças ‘moralóides’ e condenam à fogueira da ‘profana inquisição’ !!
_ Cazuza! Aquele viciado...gay!
- Elis aquela drogada!
- Vínícius aquele alcoólatra!
- Fernando Pessoa, aquele deprimido!
- Van Gogh, aquele doido que cortou a orelha!!!
- Saramago! Ele não sabe escrever não coloca pontos nem vírgulas!!!
Penso que boa parte dos meus ídolos sofreram demais...não é fácil ter o coração e a mente aberta, necessários para produzir algo que consiga atingir importância na história da humanidade.
Quem é dado a colocar o dedo na face de alguém e acusar “fulano não é normal”, ainda não percebeu que nossa sociedade é bipolar...nosso tempo é bipolar...nossa era é a dos extremos é a da injustiça...todos precisamos de socorro.
Para os duros a arte socorre, impedindo boa parte de se tornarem monstros...seres desumanizados. Já os sensíveis demais, aqueles que alimentam a arte... tenho por eles a mais profunda admiração...pois sofrem muito com a insanidade cotidiana, a demência de um sistema global de sobrevivência, a violência contra a humanidade e contra as coisas vivas e essenciais.
A sensibilidade aguçada acaba tornando-se um fardo. E por serem em alguns momentos o céu azul da vida dos outros...pagam um preço muito alto...
De volta ao João Cabral, o primeiro poeta que me fez chorar...ele disse uma vez ser viciado em aspirinas, mas, isso não tem muita importância, o que mais me instiga a seu respeito é o fato de ter enfrentado grandes contradições para escrever o poema, era filho da oligarquia nordestina da década de 20, seu pai era um dono de engenho, mas mesmo assim foi capaz de escrever Morte e Vida Severina...e não matou o Severino. Não conheço direito a vida dele, mas penso que ninguém consegue sair sem cicatrizes desse caminho.
- Irmão das Almas você já chorou pelas dores do mundo?
Graças as obras dos bipolares, esquizofrênicos, psicóticos, maníacos depressivos, viciados, eu sempre choro!

Kelly Garcia é advogada, militante de esquerda e estilista da Maria do Povo

4 comentários:

Unknown disse...

V ocê viu as notícias do Relator dos DH Indígenas com os Guaranis? Acompanhei só pela net e ainda arrisquei mandei um email pra ele falando do nosso trabalho na FIAN. Bjks.

Barone disse...

Olá Kelly. Que delícia poder ler seus textos aqui no Maria. Sempre um toque de sensibilidade em meio a pasmaceira. Um beijo.

Anônimo disse...

Perfeito. Concordo com você. E agradeço pela arte, é a minha esperança nessa vida severina. Porem vida.

beijos

Anônimo disse...

belo texto da Kelly!
"Deus me livre de ser normal!"
[prof. Hermogenes]