quarta-feira, 16 de julho de 2008

Têmis decapitada - Caso Daniel Dantas



* por Kelly Garcia


Graças à operação da Polícia Federal, batizada de satiagraha, um nome sânscrito que significa algo parecido com “firmeza da verdade”, foi dada a inusitada “opportunity-dade” de assistirmos um banqueiro sendo preso.
- Convenhamos, banqueiro preso é raro até na Suíça!
O banqueiro Daniel Dantas, que tem nome de ator de televisão, do tipo galã, mas basta uma olhada na estampa do moço para perceber que está longe disso, tem uma vida, com certeza, mais emocionante que os roteiros das novelas da Globo, as antigas, obviamente.
Dantesca (não resisti o trocadilho) poderíamos chamar a rede de corrupção e “privataria” liderada por essa figura, hoje bem conhecida, que iniciou sua bem sucedida carreira apoiada nada mais nada menos por ACM ( in memorian - como se fosse fácil esquecer!).
Tudo bem que ninguém acreditava que o Dantas permaneceria na prisão, e sua liberdade, por meio de um habeas corpus, seria somente uma questão de horas, e, como todos previam, os doutos e os não doutos, foi só contar: tic tac tic tac tic tac e....mandado de soltura em mãos!
Nada mais, nada menos que o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes “canetou” o deferimento.
- Bom, até aqui, tudo tal qual o quartel de Abrantes, sem nenhuma novidade.
Quando todos já estavam acostumados com a idéia do banqueiro se livrar de todas as acusações e ir gozar das benesses de ser milionário, fato que por si só dispensa maiores explicações, é noticiada a segunda prisão do banqueiro e começa o Inferno de Dantas (não resisti de novo!) parte II.
E nesse novo episódio foram exibidas cenas dos serviçais do senhor dos dedos e dos anéis, que, sem o menor pudor, ofereceram uma quantia obscena de dinheiro a um delegado da Polícia Federal para escrevesse um final feliz para a trama. O descaramento era tanto que merecia ter aparecido na tela do Jornal Nacional aquela tarja alertando: “para maiores de 16 anos”.
A ação da Polícia Federal e a prisão desses megas colarinhos brancos seriam absolutamente espetaculares se não tivesse uma coisa ofuscando o cenário do Inferno de Dantas: a insólita posição do presidente Supremo Tribunal Federal, que para a surpresa de todos se pôs contra o juiz que determinou as suas duas prisões.
Tudo bem que nesse mundo quem não está confuso não está bem informado, mas aí também é demais...
Tem um pensamento de Gramsci citado no livro Maquiavel, A Política e o Estado Moderno, que diz ser a má administração da justiça insuportável para o povo, em outras palavras, enquanto os problemas aparentam ser apenas do poder executivo e do poder legislativo existe uma certa tolerância, mas com o judiciário a insatisfação pode tomar rumos diferentes.
Talvez porque no imaginário popular ainda se tem a expectativa que a Justiça ainda dê conta de fazer Justiça. E em momentos como esse que estamos passando, não adianta tentar explicar por meio dos argumentos acadêmicos/filosóficos e também lastimáveis que direito e justiça são conceitos absolutamente diferentes.
O que estamos percebendo é que a inimaginável prisão de Daniel Dantas acabou provocando uma crise interna do poder judiciário e propiciando a rara oportunidade de se ver revelada fragilidade do “poder intocável”.
Toda essa triste exposição me fez lembrar de uma estatueta de gesso da Deusa da Justiça, recebida de presente de formatura, que foi alvo da curiosidade de uma criança de 3 anos, que conseguiu arrancar acidentalmente a cabeça da escultura e sem saber o que fazer com aquela cabeça colocou em uma das bandejas da balança presa as mãos da deusa.
... A Têmis decapitada e pesando a própria cabeça...hoje faz mais sentido que nunca!

Kelly Garcia - advogada sul-mato-grossense

8 comentários:

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Têmis está decapitada mesmo, Kelly.

WALESCA CASSUNDE disse...

Kelly, amiga, posso discordar em alguns pontos? Penso que o Presidente do STF cumpriu sua função institucional. Na verdade, pelo que li, a decisão está processualmente bem fundamentada. É mais do que certo que a PF cometeu abusos - e os vem cometendo há tempos! Está mais do que na hora de dar um fim nisso tudo. De acordo com a Constituição que temos, a liberdade é a regra, e só pode ser tolhida em situações especialíssimas. A prisão temporária,bem como a preventiva, devem ser convenientemente fundamentadas - e a fundamentação tem que abordar fatos concretos. O juiz não pode , por exemplo, decretar uma prisão anteriormente à sentença, com base em especulações ( porque o réu é rico, certamente vai se homiziar em outro país; porque é poderoso, poderá intimidar e subornar testemunhas, prejudicando assim a colheita de provas)... isso não vale nada! Na minha ( modestíssima) opinião,não há críticas a fazer nem ao magistrado de primeira instância, nem ao Presidente do STF;o primeiro agiu de acordo com sua íntima convicção, e o segundo também. Errou, na minha opinião, o Presidente do STF, quando passou a polemizar com o juiz de primeiro grau.Ele tinha que deferir ( ou não) e pronto! Li um artigo interessante esses dias, e vou recomendar numa próxima postagem... o mote do artigo é o seguinte: rico também tem direitos... e os direitos deles devem ser garantidos.
Graças a Deus que é assim... já pensou se não fosse? Pense nas arbitrariedades cometidas por exemplo, pelo GAECO, naquele inquérito instaurado contra o ZECA. Se prevalecesse a vontade da polícia e do MPE, nem os advogados teriam tido acesso ao teor das investigações...
Sherojairu, cunhataiporã!

Anônimo disse...

Kelly, infelizmente eu concordo com voce. A impressao que tenho sobre a justiça brasileira é que ela é rigorosa contra ladroes de galinha, na linguagem popular, mas quando se trata de trancafiar um tubarão, o habeas corpus funciona mais rapido em favor de ladroes engravatados. Ha muita coisa pra melhorar no Brasil, e quando a gente começa a ver um Cacciola(outro ex-banqueiro) ser deportado de Mônaco, batemos palmas porque ele se aproveitou de uma brecha judicial, viajou de carro pra fronteira, pegou um avião e foi gastar parte da grana ilicita com boa vida na europa. O caso Dantas pode ser igual...enfim, o cidadão que lambe vitrine e lê jornais expostos nas bancas, ou os gratuitos quando muito, não se conforma com a situação mas compreende e resume mais facilmente a realidade...lei, cadeia, policia, e "bons" advogados a quem sempre serviu? A classe de baixo sempre sustentou a de cima e se o cidadão parar muito tempo diante da vitrine, ele pode ser preso como suspeito e pior ainda se não tiver carteira assinada. Enfim, outra impressão é que ja vimos este filme antes, c'est du déjà vu. A policia, deferal ou militar, comete abusos sim, isso não é de hoje e depende da situação, mas ela prende pro judiciario soltar.

Barone disse...

Tenho que concordar com a análise da Waleska no que diz respeito as garantias constitucionais do cidadão.

Kelly: "...nesse mundo quem não está confuso não está bem informado...". Fantásticamente verdadeiro.

Canto da Boca disse...

Nada mais a (há) acrescentar...
Nanci, vim te trazer meu beijo e ainda pedindo desculpas, ando tão ocupada, tenho até amanhã pra entregar o 1º capítulo da minha tese, por isso a demora em vir te ver, te ler...
Mas obrigada por suas visitas sempre carinhosas e poéticas. Seus comentários são poemas disfarçados. Ou seriam sentimentos rasgando palavras?
Um beijo imenso.
;)

Unknown disse...

É verdade...

Unknown disse...

Walesca ótima a sua participação, e é lógico que vc pode discordar de muitos pontos, mas creio que do foco da minha abordagem vc não discordou, que foi a derrapada política cometida pelo presidente do STF. Quando escrevi esse texto foi muito mais inspirada pelo Gramsci, que no livro citado, ao analisar a organização do estado capitalista e consequentemente da democracia burguesa, fez uma ressalva quanto ao judiciário deixar transparecer que de fato é "mal administrado" e usou o termo - "má administração da justiça".
Entendo sua abordagem..e no próprio texto, deixei, mesmo que ironicamente, caracterizado que todos esperavam o HC. Só que vc há de convir comigo, o elemento surpresa foi o comportamento pouco cuidadoso do Gilmar Mendes(ele fez da questão uma crise institucional, tem documentos brotando do judiciário de todos os cantos contra a sua atitude), diante dos fatos contundentes (meios inadequados?, ilegais?) porém bastante reveladores e pior apresentados nos noticiários de todo o país...ele deveria ter sido mais cauteloso, mas não, declarou guerra ao juiz de 1ª. Embora acredito que o aspecto técnico está eivado de aspectos ideológicos e por conseguinte do político, na minha abordagem não privilegiei o positivo(a técnica. Entendo Daniel Dantas, não como Daniel Dantas, mas como um operador dos grandes interesses do capital, assim esse fato está inserido dentro de um processo, e a prisão de Dantas é uma sinalização, que não apareceru do nada, que supõe mais processos e que também estabelce outras diversas relações.
Não me lembro de ter presenciado outro momento como esse no judiciário...
No fundo Walesca, por mais que exista a teoria..tenho dificuldade de fechar os olhos para as questões estruturais..na História a "justiça" ou aplicação dela por alguma organização ja passou por várias transforções..ela tinha dadas característica na organização da sociedade escravista (compatíveis com a existência material das organizações sociais, depois tomou outras feições no feudalismo 9também conforme a organização da existência material, e hoje ela também esta adequada a sociedade capitalista. E aqui é difícil negarmos..nossa sociedade é regida pela lógica do mercado, assim por vezes a justiça é uma mercadoria e torna-se acessível para que tem dinheiro para comprá-la.
Quanto aos excessos da polícia...tenho como mais um sinal da crise, que não é nova, mas tomo por mais preocupante aquelas ações (excessos) políciais que resultam na morte de inocentes...
Mande para mim o artigo "ricos também tem direito..fiquei curiosa, porque sempre achei pacífico esse entendimento em nossa sociedade, não imaginava daria assunto para artigo (possivelmente também dará elementos possibilite maior compreensão dessas sinalizações.

Ines Mota disse...

Olá, amiga querida.
Muito interessante o Artigo da Kelly sobre o caso Daniel Dantas. Aliás, um assunto que chameou a atenção de todos. Também escrevi umas "linhas tortas" sobre o caso.
Beijão.