domingo, 25 de maio de 2008

Para compreender a "falta de alimentos" no mundo

Tela Portinari - Retirantes

Por sugestão da Miti, leitora assídua, mediadora, crítica participativa do Maria-Sem-Vergonha e preocupadíssima com as questões do nosso tempo, publico abaixo um artigo que analisa o discurso propagado nos últimos dias sobre alimentos. Vale a pena lê-lo mesmo.

Dom Demétrio Valentini *

Um calafrio percorre o mundo. Está faltando alimentos. E os que existem estão se tornando muito caros. Só num ano o trigo subiu 130%. E na Ásia o arroz duplicou de preço em três meses.
Segundo cálculos da FAO, esta subida de preços aumentou o número dos famintos em cem milhões, que se acrescentam aos 845 milhões já existentes antes da crise atual.
O que está acontecendo?
A pergunta é pertinente. Analisando melhor alguns dados, salta aos olhos que na origem desta crise existem distorções que precisam ser identificadas, denunciadas e corrigidas.
Em 2007 a produção mundial de grãos foi de 2 bilhões e 300 milhões de toneladas. Um aumento de quatro por cento sobre o ano anterior. Portanto, a crise não vem da diminuição da safra.
De 1961 a 2007 a produção de grãos no mundo triplicou, enquanto a população somente duplicou. São dados que precisam estar presentes numa análise atenta para compreender o que se passa.
O Brasil se orgulha de ser um país exportador de grãos. Calcula-se que a safra de grãos neste ano chegará a 139 milhões de toneladas. Parece muito. Mas é pouco. Os Estados Unidos, só de trigo produzem 150 milhões de toneladas. No Brasil existem terras ociosas, em toda parte. Por que não são
cultivadas?
A crise atual denuncia o desvirtuamento da agricultura, em todo o seu processo produtivo. É preciso voltar ao bom senso, e recuperar a finalidade primordial da agricultura, que é a de produzir alimentos para saciar a fome da humanidade. E não fazer dela um mercado lucrativo para os que especulam com a fome das pessoas.
Introduziu-se na agricultura a especulação financeira. De acordo com Paul Waldie, no ano dois mil havia perto de cinco bilhões de dólares apostando na variação dos preços agrícolas. Dinheiro que não se destinava a comprar nenhuma tonelada física, mas só especulava em cima da variação de preços. Em 2007 este número saltou para 175 bilhões de dólares, aplicados na
especulação que produz lucros às custas das manobras para aumento dos preços agrícolas.
Esta a primeira perversão da agricultura. A agricultura se tornou um negócio especulativo. No Brasil esta especulação se materializa na concentração em quatro ou cinco grandes companhias transnacionais que dominam o mercado exportador de grãos. A agricultura virou negócio especulativo.
Outra perversão está no sistema produtivo. Quem mais produz alimentos, está provado, é a agricultura familiar. A produção de alimentos supõe um relacionamento efetivo e afetivo do agricultor com a terra. Este relacionamento torna viável a permanência do agricultor em sua propriedade, para nela cuidar da plantação com a dedicação e competência que ela requer. Mas o governo prefere se encantar com as grandes empresas, que fazer da agricultura o "agro negócio", cujos parâmetros de eficiência são o lucro, não o atendimento das necessidades de alimentos da população.
Mas, em cima da agricultura caem outras especulações, sobretudo através do preço dos insumos. A desculpa para o seu constante aumento era o preço do dólar, dado que muitos dos seus ingredientes precisam ser importados. Agora o dólar baixou. Mas os insumos continuam subindo. De tal modo que o agricultor continua apertado. Diante desta situação, o governo permanece na inércia, reverenciando submisso as "leis do mercado", que não podem ser alteradas pelo Estado.
A crise é sinal de alerta para, se repensar por inteiro a agricultura. De vez em quando a própria realidade se encarrega de sacudir as consciências e convocar para o bom senso. Na Campanha da Fraternidade deste ano constatamos a urgência de escolher a vida. Agora, a crise de alimentos nos ensina que é a realidade que nos escolhe, nos adverte, se em tempo queremos entender os apelos que ela nos faz.


* Bispo de Jales, São Paulo.
Victor Heredia - Sobreviviendo


8 comentários:

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Belos textos, belas imagens, adoro vir aqui, sempre fica algo no coração.
Fiz postagem nova, apareça lá. Um abraço
marthacorreaonline.blogspot.com

Unknown disse...

Esse ponto é só uma das peças do nosso quebra-cabeça. quem tiver mais informações pra juntar e questionar é bem-vindo...

Título de hoje no folha online: Especulação pressiona os preços dos alimentos

Recentemente noticiaram que iria faltar arroz. o ministro até quis proibir exportações. o pres. da associação de rizicultures descartou essa hipótese, porque a produção daqui é suficiente pra
abastecer e que a exportação do arroz do brasil é muito pequena. (http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/25/ult23u2014.jhtm)

acrescente a falta de açúcar nos supermercados.. li comentário de um gerente de dourados, que fala: "não duvido de mais nada" - em relação a essa falta do produto estar sendo provocada para aumentar os preços. (http://www.sulnews.com.br/ler.asp?id_noticia=18007)

Bom, relembrando o texto de D. Demétrio, a produção de alimentos é na maior parte de pequenos
agricultores - a agricultura familiar.
a produção de grãos cresceu mais do que o crescimento da população...
então não deveria haver falta de alimentos.

vários motivos "justificam" as notícias alarmantes (falta de alimentos, aquecimento global...) em vários setores... especulação, defesa de transgênicos, defesa do desmatamento... e vários outros camuflados com interesses financeiros ligados.

vivemos uma realidade fabricada em prol do lucro dos manipuladores.

"a mídia, a serviço da nova ordem mundial, contribuiu com o aprofundamento da alienação, do individualismo, da mesquinhez e a morte das utopias" (nanci silva)

"O povo carrega o peso das dificuldades cotidianas. As articulações são mais complicadas, as lideranças estão diminuindo, as utopias estão em baixa, e as questões nacionais estão longe das pessoas." dom demétrio sobre plebiscito da vale

agora vamos puxando os fios da meada...

junte ainda a indústria dos diplomas... na promessa de melhores e mais empregos, as pessoas se esforçam p/ cursar e pagar o diploma... nem considerando a baixa qualidade da formação, o emprego tornou-se mais difícil - não aceitam pessoas qualificadas para serviços de nível médio. Lucros dos donos das universidades.

Vi um ambientalista da itália falando sobre o problema do lixo de Nápoli. ele fala que governos da esquerda e direita deixaram o caos do lixo tomar conta - comentaram tbm sobre a máfia...

bom ele fala que em situação de emergência, os governos podem fazer ações que fogem da burocracia
e passa por cima da opinião da população e se ganha muito dinheiro nessas situações.

é bem o que acontece aqui tbm.

não investem em prevenção e deixam o caos tomar conta: enchentes... doenças... caos aéreo, dengue... e muito mais.

aí os fins justificam os meios. maior gasto de dinheiro do que com a prevenção... lucro dos colarinhos

na verdade, até criam um problema que não existe para que justificar
soluções" de grande$$ intere$$e$ pra eles.

Parece que estamos vivendo num filme. Um mundo inteirinho de notícias fabricadas em função do interesse financeiro dos que comandam os marionetes. Por isso, a importância de antes de defender algo por ter lido uma notícia, verificar quem irá lucrar com isso.
De tão espantoso, pode parecer ficção. acho que já dá pra escrever um livro.

"O erro não se torna verdade por multiplicar-se na crença de muitos, nem a verdade se torna erro por ninguém a ver..." (Gandhi)

Talita Corrêa disse...

Erros... mtos! As pessoas que conseguem melhorar não querem, os que não conseguem... suplicam ajuda. Não é fácil.

Bjs.

Canto da Boca disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Canto da Boca disse...

Ola, Nanci, antes de qualquer coisa, desculpe o silencio, mas andava numa correria so (estou sem acento, perdoe-me).
Sim, os poemas sao meus, todos, excecao para um da Hilda, que esta devidamente nominado. Toma o Canto la, eh teu tambem e de quem quiser. Risos.
Mas quera dizer que gosto de vir aqui. Seus textos sao claros, sensatos, equilibrados, um espaco otimo para o debate, alem do conhecimento jornalistico, ha algo que me faz leitora: eh a alma e a opiniao de quem escreve.

Quanto a Geografia da Fome, Josue de Castro ja a denunciava ha tempos, mas como era algo quase que apenas do Nordeste do Brasil, nao fazia sentido o alarde, nera? Agora o buraco eh mais embaixo, mais em cima.....

Um beijo e as imagens se te apetecem, tb sao tuas.
;)

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Mi, acabei de ler na Carta Maior que a produção mundial nunca foi tão extraordinária: no ano passado chegou à marca dos US$ 50 bilhões. Paradoxalmente, a pobreza mundial está aumentando. Quase um bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar por dia, e 800 milhões vão para a cama todas as noites com fome.
Egídio Brunetto, do MST, afirma que especulação financeira causou a elevação dos preços dos alimentos no mundo. “Os produtos agrícolas passaram a ser commodities, que agora são vendidas nas bolsas de valores em ações. Grandes especuladores controlam 60% do trigo, por exemplo. A alta do preço dos produtos agrícolas tem origem na especulação financeira”, afirma.

Em 12 meses, houve uma disparada de preços dos alimentos no Brasil, ficando em torn de 11,2%, em média. O feijão aumentou 168,3%; o arroz, 7,7%; a farinha de trigo, 17,6%; o macarrão, 17,6%; e o pão francês, 16,9%. Os óleos cresceram em média 50%; a carne bovina, 19%; a carne suína, 10,7%; o frango, 6%; queijo provolone, 35,8%; o queijo fresco, 30,6%.
Para Egídio, o modelo agroexportador é a principal causa dessa crise. Ele diz ainda: "O Brasil é uma potencia agrícola e pode produzir produtos que possam faltar em algumas regiões do mundo, mas o problema fundamental não é esse. A África não tem problema de capacidade de produção. As terras, os solos e o clima são suficientes, assim como no Haiti, que precisa de recursos para garantir a produção de alimentos. Eles têm condições e mandar alimentos não vai resolver o problema. Precisam de recursos e estrutura. Dentro do livre comercio, não há solução e pode-se exportar a quantidade de comida possível. O Brasil tem uma visão arrogante. São poucos os países que hoje não têm condições de produzir seus alimentos, a não ser os países árabes pela falta de terras agricultáveis. O problema é a política agrícola"

Augusto Araújo disse...

Esclarecendo:
Agricultura familiar nao é sinonimo de MST, jamais

enquanto o MST invadia fazendas no estado de SP, já se sabia q esse era em grande parte baseado em pequenas e médias propriedades. O interesse do MST nao eh em produçao agricola (como pensam os inocentes) e nem numa utópica revoluçao socialista (como pensam alguns mais temerosos), mas sim em GRANA via INCRA. Só na década de 90 passaram mais de 20 BILHOES DE REAIS por este órgão, boa parte do dinheiro ninguem sabe, ninguem viu.

Adiante. Quanto aos alimentos virarem comodities e isso inflacioná-los, olha nao sei nao, prometo q vou ate ver melhor a questao.

Pra mim vejo o seguinte: Alimentos q se tornaram cada vez mais baratos graças a tecnificaçao e a economia de escala tipicamente capitalista e calcada na revoluçao verde, feita a partir da década de 50 nos EUA e consideremos q na década de 70 no Brasil.

As margens se estreitaram e nos ultimos 3 anos (2004 até meados de 2007) a atividade se tornou quase q inviável, houve menos investimento q nao supriu a demanda por comida dos paises em desenvolvimento, leia-se India e China, ou seja,quase 30% da pop. mundial.

E aumento de custos da produçao agricola. Diesel caro, por causa do barril do petróleo nas alturas e fertilizantes entao muito mais caro ainda.

Scliar disse...

tem que acrescentar tambem a questão da distribuiçao. Menos do que falta, o que falta mesmo é equilibrar a distribuiçao e reduzir o desperdício. Pouco se fala sobre o quanto é perdido no armazenamento inadequado, no transporte inadequado, no lixo excedente. Onde sobra muito para poucos, um pouco bastaria para muitos. Falta é vergonha mesmo! Ethel SC