segunda-feira, 5 de maio de 2008

Cuide bem do seu amor

Tela: Picasso

Circula pela Internet um texto interessante, bonito e necessário, cuja autoria é atribuída a Herbet Viana. Esse texto nos foi enviado pela Miti, que, com a sua serenidade e uma criticidade feita de doçura e beleza, acrescentou outros elementos para o debate. No centro da discussão está a ditadura da estética, a busca insana pelo corpo ideal, o vazio das almas, o "aqui e o agora". Vale a pena ler, pensar, refletir, debater. Abaixo, a Maria-sem-vergonha publica os dois textos.


Desabafo de Herbert Viana sobre os valores de hoje
*Herbert Viana

Pelo amor de Deus, eu não quero usar nada nem ninguém, nem falar do que não sei, nem procurar culpados, nem acusar ou apontar pessoas, mas ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal é muito menos lipo-as e muito mais piração? Uma coisa é saúde outra é obsessão. O mundo pirou, enlouqueceu.
Hoje, Deus é a auto-imagem.Religião, é dieta.Fé, só na estética. Ritual é malhação. Amor é cafona, sinceridade é careta, pudor é ridículo, sentimento é bobagem.Gordura é pecado mortal.Ruga é contravenção. Roubar pode, envelhecer, não. Estria é caso de polícia.
Celulite é falta de educação. Filho da puta bem sucedido é exemplo de sucesso. A máxima moderna é uma só: pagando bem, que mal tem?A sociedade consumidora, a que tem dinheiro, a que produz, não pensa em mais nada além da imagem, imagem, imagem.Imagem, estética, medidas, beleza. Nada mais importa.
Não importam os sentimentos, não importa a cultura, a sabedoria, o relacionamento, a amizade, a ajuda, nada mais importa.Não importa o outro, o coletivo. Jovens não têm mais fé, nem idealismo, nem posição política.Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada.
Ok, eu também quero me sentir bem, quero caber nas roupas, quero ficar legal, quero caminhar correr, viver muito, ter uma aparência legal, mas...
Uma sociedade de adolescentes anoréxicas e bulímicas, de jovens lipoaspirados, turbinados, aos vinte anos não é natural. Não é, não pode ser. Que as pessoas discutam o assunto. Que alguém acorde. Que o mundo mude.Que eu me acalme. Que o amor sobreviva.
'Cuide bem do seu amor, seja ele quem for...'

* Herbert Vianna* é músico

Em sintonia com Herbert Viana
*Solange Miti

Concordo bastante com as palavras escritas de Herbert Viana. Ele não fala somente do culto ao corpo. Estamos mesmo incrustados num sistema, e poucas pessoas discutem, enxergam e acordam. E assim, o mundo não vai mudar... e tende a piorar. Uma coisa é saúde, outra é obsessão. O mundo pirou, enlouqueceu. Hoje, Deus é a auto-imagem. Amor é cafona, sinceridade é careta, pudor é ridículo, sentimento é bobagem. Roubar pode, envelhecer, não. Filho da puta bem sucedido é exemplo de sucesso. A máxima moderna é uma só: pagando bem, que mal tem? Não importam os sentimentos, não importa a cultura, a sabedoria, o relacionamento, a amizade, a ajuda, nada mais importa.
Não importa o outro, o coletivo. Jovens não têm mais fé, nem idealismo, nem posição política. Adultos perdem o senso em busca da juventude fabricada. Que as pessoas discutam o assunto. Que alguém acorde. Que o mundo mude. Que eu me acalme. Que o amor sobreviva.
'Cuide bem do seu amor, seja ele quem for...'

* Solange Miti é engenheira agrônoma, designer gráfica, cidadã

Ouça e veja aqui o clip Cuide bem do seu amor:

3 comentários:

Unknown disse...

o final do texto são os destaques que pincei.
recebi como resposta: "Seja você próprio a mudança que quer ver ocorrer no mundo."
Mahatma Gandhi
respondi:
Nossa mínima contribuição é nosso exemplo. já me disseram isso uma vez. se quero transformar o mundo, devo começar comigo mesma. rsrs
é como a honestidade de um gari, um faxineiro, um taxista, um motoboy que devolvem uma mala de dinheiro e recebem uma gorjeta e viram notícia. coisa que deveria ser corriqueira, vira notícia - por isso também a desesperança nesse mundo de hoje.
a tréplica:
"A desesperança com o mundo é mais velha que andar a pé. Então não me preocupo mais com ela..."

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Os dois posts nos permitem debater desde o controle do corpos por meio da ditadura da beleza até posição política. Como nada é estanque e a postura do corpo também é uma postura política, deterei-me a essa última, resgatando o que a Miti disse sobre a ausência de idealismo na juventude. Isso me lembou um texto do frei Betto no qual ele diz que “no passado o futuro era melhor”. Ou seja, para a geração dele que tinha vinte anos na década de 60 (Cuba, Che, Vietnã, Bossa-Nova, Cinema Novo, Nouvelle Vague, Beatles, tropicalismo etc). Para a geração de frei Betto e até para a minha, mesmo sofrendo a consequência de ter nascido no auge na ditadura, o sonho era alimento para as nossas vidas e ousar sonhar pressupunha incluir o outro, incluir o coletivo. Hoje, vivemos o amargo das consequências da cultura neoliberal que pregou a morte dos sonhos, a morte da história, a morte do futuro e do passado, fazendo prevalecer apenas o “aqui e o agora”, “o ter e não o ser”, o parecer ser, o eu sobre o coletivo. A cultura neoliberal decretou a morte da utopia. Betto explica: “Hannah Arendt, militante da esquerda alemã, ao renegar suas idéias revolucionárias cometeu o equívoco de encarar o marxismo e o fascismo como diferentes versões do totalitarismo. Disseminou, pois, o pensamento antiutópico, hoje representado no Brasil pelo PSDB e pelo PT. Assim, cerrou o horizonte da esperança e reforçou o neoliberalismo.
 Para os adeptos do antiutopismo, que já não crêem em sociedade pós-capitalista, há sim identificação entre este sistema e democracia. O capitalismo seria perverso em seus abusos, não em sua essência. Acreditam, portanto, em ser possível "humanizá-lo", sem atinarem para as conexões entre Wall Street e a Etiópia, o bem-estar dos países escandinavos e a presença significativa de seu capital e de suas empresas em países emergentes.
 Sofre-se, hoje, de distopia, a utopia deteriorada, ceticismo, desencanto, que induzem muitos a se acomodarem tristes em seu canto. O que resta da esperança quando já não cremos em líderes, partidos, doutrinas e ideologias? O que resta quando, à nossa volta, se fecham todas as portas e janelas? Resta a amargura, o desalento, a repulsa ao poder. Esse o momento em que o sistema comemora a sua vitória sobre nós. Esvaziar-nos de utopia, neutralizar-nos, cooptar-nos, eis a tática daqueles que professam o dogma de que "fora do mercado não há salvação".
 Quem não sonha com a utopia corre o sério risco de recorrer ao sonho químico das drogas, que sempre termina em pesadelo.”

kartoigres disse...

O que fazer com a nossa desesperança,cada vez que constatamos que o mundo não é mais o mesmo de antes?Se pudermos nos transportar para o presente e constatarmos que a vida é uma constante mudança,que o meu querer já não é o querer do jovem e que o sentimento e a vida esteja tão banalizada e que uma bolsa louis vuiton valha mais que a vida de uma criança,talves nos despiremos da palavra com as quais nos protegemos e realmente faremos algo de concreto que estanque essa ferida causada pela insanidade humana ,e talvez possamos ser felizes ainda em vida...