quarta-feira, 21 de maio de 2008

A morte do amor e o olhar de Lou Salomé e Rilke

Tango - exposição na Pinacoteca

Sei que poderia deter o meu olhar sobre inúmeros fatos que estão acontecendo no país e no mundo. Fatos que têm um forte impacto social, como por exemplo a nomeação do Carlos Minc para o Meio Ambiente, que, obviamente, já está atraindo a fúria dos homens do agronegócio. Os senhores da moto-serra e do agrotóxico estão afirmando que o governo trocou seis por meia dúzia por causa das propostas do novo ministro, como a que proíbe empréstimos dos bancos oficiais a quem faz desmatamentos ilegais (Viva, MInc!).Também poderia abordar a caça às bruxas deflagrada contra as milhares de mulheres que fizeram abortos clandestinos numa clínica de Mato Grosso do Sul e, hoje, estão sob a mira do Ministério Público, podendo vir a ser processadas, o que considero um absurdo. Também deveria escrever sobre a falta de alimentos e, junto com a Miti, ir mais fundo nessa questão, já que algo de errado acontece nesta história. Os números não batem. E tem ainda a CPI dos Cartões Corporativos que ontem atraiu, inicialmente, a minha atenção, mas logo desisti de ver o circo pegar fogo.
Estou meio sem forças. Tenho fugido das leituras clássicas, das notícias cotidianas. Antes mesmo da morte da Aline, pressentia algo ruim. Nessas horas, fujo para o mundo da literatura. Me peguei a ler novamente Lou Salomé, essa mulher extraordinária, à frente do seu tempo, que chocou a Europa com o seu pensamento e com o seu comportamento. São essas mulheres extraordinárias que ajudam a transformar a história. Gosto da forma como ela fala e compreende o amor:
"Pois, nos seio mesmo da paixão, nunca se deve tratar de 'conhecer perfeitamente o outro': por mais que progridam neste conhecimento, a paixão restabelece constantemente entre os dois este contato fecundo que não pode se comparar a nenhuma relação de simpatia e os coloca de novo em sua relação original: a violência do espanto que cada um deles produz sobre o outro e que põe limites a toda tentativa de apreender objetivamente este parceiro. É terrível de dizer, mas , no fundo, o amante não está querendo saber "quem é" em realidade seu parceiro. Estouvado em seu egoísmo, ele se contenta de saber que o outro lhe faz um bem incompreensível... os amantes permanecem um para o outro, em última análise, um mistério."
Me instiga a pensar nesse chamado mistério porque ele faz os meus olhos brilharem. O mistério leva a surpresas e surpresas mantêm as delícias da infância. É a descoberta, o novo, a brincadeira, o lúdico. As surpresas nos deixam com o queixo caído diante do simples que se torna extraordinário: um e-mail, uma música, uma flor, um torpedo, um alô, uma poesia ou apenas um olhar. Essas são as surpresas dos gestos, mas as mais deliciosas são as da alma. Aquilo que está no outro e ainda não foi revelado.
O desafio é impedir a fusão dos seres na relação de amor. É estar com o outro sendo você mesmo, mantendo o seu espírito livre, sem anulação, sem nenhuma culpa. Vejo que no cotidiano apunhalamos o amor, tentando decifrá-lo até a última gota para tê-lo como presa do nosso egoísmo. Outras vezes, cometemos o homicídio do amor, na rotina insana que nos torma meio máquinas, seres híbridos, um misto de gente, pixels e teclados. Fazemos o ritual de morte do amor quando deixamos de perceber o outro, que começa a se passar como invisível diante dos nossos olhos.
O poeta Rilke, que foi um dos amores de Lou Salomé,enfatiza que “para quem ama, o amor , por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento, cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. (...) O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe."
Assim, o amor é uma busca. E essa busca deve estar em tudo: na vida a dois, no conhecimento, na profissão, na amizade, na vida toda. Busca...Busca...
Drão - Gilberto Gil

7 comentários:

kartoigres disse...

NÃO VEJA COMO A MORTE DO AMOR,MAS SIM COMO UMA LIMITAÇÃO HUMANA DE SER PLENO.
MAS ACREDITO NESSA PLENITUDE DA ESSÊNCIA DO AMOR INCONDICIONAL,
PRECISO PRATICA-LO,
NÃO QUERO MAIS TER CERTEZA PARA ME ENTREGAR,
TAMBÉM ACHO QUE NÃO PRECISO CONHECER PERFEITAMENTE O OUTRO PARA AMA-LO,
TALVEZ CONHECENDO ASSIM,NEM O AMARIA...
HOJE REFLETINDO SOBRE RELAÇÕES AMOROSAS
CONSTATO QUE TODAS QUE CONHEÇO,
SÃO FIRMADA NA DEPENDENCIA,
NA ANULAÇÃO DO OUTRO...
ENQUANTO NA VERDADE PODEMOS AMAR ALGUÉM E CONTINUAR A SER LIVRE E O QUE É MAIS IMPORTANTE: DEIXA-LO LIVRE...
É AS VEZES NO VERBAL PARECE FACIL...PRECISO ENCARNA-LO

Unknown disse...

Difícil explicar, difícil praticar.
Constato além de anulação do outro, o contrário, anulação de si próprio. ser livre, deixar livre é algo pregado na teoria, que quando não usado da forma correta, há um distanciamento tamanho, que não há mais uma relação.

pra decifrar o poeta Rilke é preciso estar passando ou ter vivido experiência parecida. acredito também, que o amor une pessoas para que elas se ajudem a amadurecer, cada um a seu tempo. enxergo nas frases, uma transformação do ser.

Bom, teoricamente, sempre é dito para aproveitarmos cada instante, não se preocupar com pequenos problemas, aproveitar a vida porque ela é curta e não sabemos qdo finda pra nós. e vendo pessoas jovens partindo, lembramos de tentar não criar mais problemas do que já existem. praticamente, a luta e correria diária c/ mil afazeres, pagar contas... nos distanciam também do nosso amor. Tudo em nome de um projeto p/ o futuro. No caso do meu amor, muitas vezes ele se sacrifica em trabalhos extras e isso está no pensamento dos homens em geral, que sentem-se responsáveis pela segurança e abastecer a casa. (Sei que estou misturando amor, família, casa, casal... mas se encaixa pra muitos casos.) Então os homens ficam mais ausentes fisicamente p/ garantir bem-estar físico p/ os seus. Quando na verdade, esposa e filhos (seus amores) gostariam muito mais de carinhos e sua presença. E o amor é compreender... dizem que é frase de mulher: se colocar no lugar do outro... Amor também é perdoar, ou talvez só se perdoa quando se ama e vice-e-versa.
Se "O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer" vai ser cada um a seu tempo, um ajudando o outro a evoluir, e um entendendo o outro conforme seu amadurecimento.
É preciso cuidar do amor (da pessoa que amo) tornando a vida dessa pessoa mais suave, e que estranho, rsrs, as palavras surgem e eu escrevo: o amor nada espera.
parei por aqui. outra hora a gente conversa mais sobre esse grande mistério indecifrável. é impressionante como 4 letras sejam tão complexas de explicar. talvez porque o amor é infinito e a explicação também seja.

Unknown disse...

Eu também, Nanci, pensei em várias coisas que estãoa contecendo no Brasil e no mundo para postar no blog. Acompanhei os dois depoimentos da CPI, pensei em traição e amizade, poderia dar um bom tema. Penso na creise alimentar, biocombustível, fome...mas ainda me falta forças. E essas mulheres?...ABORTO...punição a quem são mais vitimas do que culpadas. Ainda não refleti sobre o Minc. Mas me disperso em outros. assuntos...Achei essa foto que você postou muito linda e perfeita para o texto sobre o amor. Pelo menos foi assim que senti. Agora vou voltar a postagem original para escutar Gil. Afinal uma boa música sempre melhora nossa alma, não é mesmo? Bom feriado amiga. Bjks

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Sérgio e Miti, vocês têm toda razão. Não é nada fácil viver o cotidiano o amor com toda a beleza que esse sentimento traz. cultivá-lo com liberdade, admiração, respeito, encanto, reinventá-lo a cada dia, inclusive diante das adversidades, das crises...perceber o outro, respeitar as limitações, fazer descobertas, manter o lúdico são desafios enormes...mas acho que não conseguiria viver sem o amor.

Sim, Roseane, afoto é linda...tem a sensualidade sempre presente no tango. A música Drão também é belíssima...uma lição de amor:
Drão o amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão nossa semeadura
Quem poderá fazer aquele amor morrer!
Nossa caminhadura
Dura caminhada pela estrada escura
Drão não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão, estende-se, infinito
Imenso monolito, nossa arquitetura
Quem poderá fazer aquele amor morrer!
Nossa caminha dura
Cama de tatame pela vida afora
Drão os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão, não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Se o amor é como um grão!
Morre,nasce, trigo, vive morre, pão
Drão

Unknown disse...

Oi Nanci, foi vc que me apresentou a Lou Salomé...nunca sei bem o que dizer sobre o amor...boa parte acho que é uma tremenda ela consigui da letras a essa sensação de andar na corda entre ser o que sou ou me tornar aquilo que o outro quer...no passado já tentei virar o desejo do outro, não deu certo, porque o "eu" dentro de mim virou um gigante e quebrou toda a casca do ovo...não deu pra segurar. pelo menos hoje sou capaz de afirmar que jamais vou tentar calar em mim o meu "eu". Qualquer amor deverá saber conviver com ele..ou então não servirá!!

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Kelly, tem uma outra frase da Lou que considero muito instigante:
"Só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser sentido como tal. Assim, nada há de mais inepto em amor do que se adaptar um ao outro, de se polir um contra o outro, e todo esse sistema interminável de concessões mútuas... e, quanto mais os seres chegam ao extremo do refinamento, tanto mais é funesto de se enxertar um sobre o outro, em nome do amor, de se transformar um em parasita do outro, quando cada um deles deve se enraizar robustamente em um solo particular, a fim de se tornar todo um mundo para o outro."
Lou Salomé

Unknown disse...

difícil, cada vez mais difícil definir o amor. se me tornar todo o mundo para o outro e vice-versa, e simbolizar a vida para o outro, como viver sem depender, sem ser a metade? uma vez disse: sem você, sou metade. me responderam: sem você, não sou nada.

pra dificultar mais ainda, Renato Russo: "É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã"

e partindo para a religião, o amor mais perfeito foi o de Jesus por nós... esse tema também dá muito pra pensar