sexta-feira, 23 de maio de 2008

Maio de 68 - 40 anos depois

Estudantes em Paris, Maio de 68


Em maio de 68 eu tinha apenas sete meses de vida. Entretanto, a geração desse período, que protagonizou barricadas, protestos e revolucionou comportamentos, marcou profundamente a minha juventude e a minha vida. A força das suas idéias foi além de um mês, uma data, de uma camiseta, de uma música, dos filmes do Godard e Truffaut, do som dos The Rolling Stones, Jimi Hendrix e tantos outros. Seus ideais marcaram décadas. A crítica à alienação e à cultura do espetáculo, a reivindicação da ousadia na política, o grito por democracia e liberdade, o anúncio da necessidade de se resistir ao autoritarismo, ao arbítrio, ao consumismo, construíram uma identidade que tornou-se referência para jovens de diferentes regiões do planeta. Paris não foi o único centro da rebeldia. Nos Estados Unidos, a guerra do Vietnã, então no auge, viria a levar a juventude às ruas e a fortalecer o movimento pacifista. Na Califórnia, na cidade de San Francisco, contemporaneamente a Maio 68, florescia o movimento hippie, sucedendo a beat generation. No Brasil, o movimento estudantil resistia nas universidades e nas ruas contra a ditadura militar. Fidel e Che Guevara, este último assassinado em outubro de 67, eram ícones que inspiravam a juventude. Na África, aconteciam movimentos anti-colonialista. Na Alemanha e em diversos pontos da Europa também eclodiram manifestações estudantis. Emergiam ideiais libertários.
Entre as palavras de ordem da juventude de 68, estavam “não confie em ninguém com mais de trinta”, “é proibido, proibir” ou “sejam realistas, peçam o impossível”. A ousadia dava forças, inclusive, para enfrentar o aparato repressivo. Vivia-se intensamente o tempo presente por causa de um futuro que iria chegar. Essa geração carregava sonhos e portava bandeiras. Esses sonhos eram inegociáveis. Resistia-se à mediocridade e, por um ideal e pela coletividade, poderia se dar uma vida ou muitas vidas.
Hoje, quarenta anos depois, o que sobrou dessa época que marcou o século XX? Pode-se afirmar que no inventário ficaram apenas as fotos, os filmes e algumas avaliações? Não, conforme analisa Katarina Peixoto, de forma brilhante num artigo na Agência Carta Maior, não tem como se fazer inventário porque Maio de 68 não está morto. “É por isso que toda tentativa de inventariar Maio de 68 não pode passar, também nas palavras de Debord, de gracejos ditos em jornal. Não há balanço do que não se pode inventariar, porque não há óbito do seu sentido nem do seu fundamento.” E ela mostra que as guerras continuam. É só olhar para o Iraque. A Palestina continua ocupada. A África sofre com os conflitos. Na América Latina ressurgem centelhas libertárias e a esquerda começa a retomar o poder. Cuba resiste. O Império reage. “Os lacaios do latifúndio continuam roubando, tendo privilégios e matando impunemente”, afirma. Um exemplo, acrescento, é o assassinato da irmã Dorothy Stang e a impunidade vergonhosa do assassino.
Mesmo com essas semelhanças nos acontecimentos históricos, são latentes as transformações nos últimos 40. A intensificação da globalização capitalista a partir da década de 90 e da cultura neoliberal tentaram matar o sonho e a história. Mesmo com a rebeldia de Seattle e de Porto Alegre, mesmo com as centelhas vermelhas na América Latina, a mídia, a serviço da nova ordem mundial, contribuiu com o aprofundamento da alienação, do individualismo, da mesquinhez e a morte das utopias.
No Brasil, uma parte da juventude de 68 chegou ao poder. E, todos nós que sonhamos com isso, mesmo fazendo uma crítica diferente dos oposicionistas oportunistas, amargamos muitas frustrações.
Entretanto, se é verdade que impera a mediocridade entre a juventude universitária, na garotada dos shopping centers, nos novos ricos da esquerda que mudaram de lado e transformaram bandeiras em gravatas coloridas, hinos revolucionários em hinos de time de futebol com as torcidas fanáticas ou hinos petencostais nos cultos também fanáticos, é verdade também que os ideais de Maio de 68 estão aí nos movimentos dos sem-terra, na organização dos guarani, dos ecossocialistas, dos negros e de mulheres que resistem à alienação. Como diz Karina, “eu existo também por causa de Maio de 68”. Eu também.
Zuenir Ventura, autor do livro 1968: o ano que não terminou, nos mostra que é preciso olhar para 68 sem as lentes da nostalgia e sem as lentes da negação. Ao fazer um balanço dos 40 anos, ele diz "há uma corrente pós-moderna do ceticismo, do cinismo, segundo a qual a utopia, a esperança e a solidariedade seriam sentimentos decadentes. Acho que não. São valores permanentes."

Jimi Hendrix - Like A Rolling Stone





BBHC / Janis Joplin - Piece of my Heart (1968)

4 comentários:

RENATA CORDEIRO disse...

Excelente post, bem como o blog todo. Já estive aqui antes, mas vc me desprezou. S´que eu insisto.
Visite o meu blog:
wwwrenatacordeiro.blogspot.com/
não há ponto depois de www
Conto com a sua visita,
Renata Cordeiro
Sou aquela cujo livro a Martha Maders Corrêa Barbosa pôs no seu blog.

Unknown disse...

Eu li o livro do Zuenir...Minha irmnã nesse nesse ano. Sem dúvida um marco de acontecimentos no mundo. Bom findi amiga!

Anônimo disse...

Amiga, tô de volta. Muito bom o artigo sobre maio de 68. Perdoe-me uma correção, tabém posso estar equivocada, mas a data de morte do Che foi em 09 de outubro de 1967. Eu tinha 16 anos e nunca esqueci a horaem que ouvi no rádio a notícia. Morte de celebridades só chorei em duas ocasioões: Che Guevara e Lenonn.

Maria-Sem-Vergonha do Cerrado disse...

Cida, vc tem toda razão. O Che morreu mesmo em 67, ano em que eu nasci. aliás dois dias depois.
Ato falho meu. vou lá corrigir. Obrigada e volte sempre. Saudades